Projetos incentivam a leitura em escolas públicas

Valorização de bibliotecas por professores apresenta resultados positivos em unidades de ensino do interior do Pará. Atividades despertam o interesse de crianças para a escrita.

seg, 14/05/2018 - 17:01

“E agora é só felicidade. O menino invisível não existe mais.” Assim termina a história de Lucas Queiróz. O menino relata o bullying que sofreu na escola por usar uma bolsa de colostomia. O texto faz parte de seu livro, escrito a partir do incentivo de um dos projetos da Escola de Ensino Fundamental Clodomir de Lima Begot, em Ananindeua, município de Belém.

A escolinha fica no fim de uma rua deserta, tem quatro salas e um único corredor. Os 205 alunos são apaixonados pela sala de leitura de onde emprestam livros às sextas-feiras e os levam para casa para ler com os pais. 

Clodomir de Lima Begot é uma das poucas escolas de Ananindeua que incentivam massivamente a leitura desde o Ensino Funtamental. Às quartas, quintas e sextas-feiras, as professoras responsáveis pela sala de leitura entram em sala de aula para contar histórias para os alunos. “Eu leio, conto histórias, faço um momento de roda de histórias, tanto que eu sou querida na escola por causa disso. Eu entro na sala com as literaturas e eles já sabem que eu vou fazer uma roda, que eu vou contar histórias e eles gostam”, conta a professora Vera Raiol. 

Vera é uma das idealizadoras dos projetos de leitura e escrita que a escola realiza há dois anos. Ela conta que incentiva as crianças a se inspirarem em literaturas infanto-juvenis para produzir seus textos. A professora leva um bauzinho literário com os livros que mais interessam aos alunos para dentro das salas. Eles sentam em roda e ela lê. “Então eu leio, conquisto, porque primeiro tem que ter essa fase de encantamento”, conta. 

Um dos projetos é o Amolendas, criado em 2016, que deu origem ao livro “Lendas Ananins – Sob Novos Olhares”, lançado em Brasília e apresentado na Feira da Cultura da escola, onde foram distribuídos alguns exemplares. No livro, as crianças recontam lendas de Ananindeua a partir da interpretação e imaginação delas. As histórias acabaram virando peça teatral. 

Em 2017, foi lançado o Projeto Novos Autores. Vinte e seis crianças entre 8 e 12 anos escreveram 27 histórias por meio de textos e desenhos. Inspirados nos livros da sala de leitura, os alunos narraram histórias de princesas, fantasmas, bullying, amizade e sonhos realizados. Os livros serão utilizados como material paradidático na escola. 

“Quando você dá um papel pra uma criança onde ela só risca, ela fala, ela vai te contar uma história através de rabisco. Quando ela te conta a história, todo aquele rabisco pra ela tem um significado. Muita das vezes você diz ‘mas como que uma criança vai produzir algo?’. Ela produz da forma dela, da visão dela”, explica a diretora da escola, Jacirema Silva, que acredita que a criança deve ter contato com a leitura e escrita desde a Educação Infantil.

Sorte de poucos - Maria do Socorro Tavares é formada em Pedagogia há 30 anos pela Ficom(Faculdades Integradas do Colégio Moderno) e especialista em Gestão Escolar pela Universidade Estadual do Pará (Uepa). Aposentada há quatro anos, ela trabalhou como professora, coordenadora e diretora durante os 30 anos de profissão em escolas estaduais e municipais de Breves, Melgaço, Porto de Moz, Belterra, Jacareacanga, Trairão, Ipixuna do Pará e Santa Cruz do Arari, nos interiores do Pará.  “Eu, professora durante 30 anos, observei que até hoje nós estamos engatinhando no trabalho em relação a melhorar tanto a leitura quanto a escrita dos nossos alunos. O que nós vemos são crianças que não conseguem ler. Quando eu digo ler, é ler e entender”, diz a professora. 

 De acordo com a educadora, a realidade no interior do Pará é desestimulante tanto para as crianças como para os professores da rede pública. As condições tanto do ambiente interno quanto do ambiente externo da escola e a falta de material para o prosseguimento de projetos acabam comprometendo o desenvolvimento das crianças. “Nossas crianças têm falta de vontade e nós temos uma escola que não dá essas oportunidades para criança, em termos de incentivá-las e de ajudá-las. Quando nós temos escolas que trabalham dessa forma, infelizmente, os projetos ficam por um tempo e depois se perdem, na questão da falta de estrutura, da falta de material”, diz. 

“O professor começa a cansar. Eu mesmo dei muitos murros em ponta de faca. É você batalhar. Você consegue levar um trabalho à frente e vai faltando a estrutura para que esse projeto permaneça firme. O professor se sente cansado porque a ele também faltam incentivos”, explica a professora.

Maria do Socorro passou por várias escolas em que não havia bibliotecas ou sala de leitura. Era comum esses espaços serem improvisadas embaixo de árvores e salas de barro com chão de terra batida com poucos livros. Quando questionada sobre os espaços de leitura, ela responde rindo: “Essa questão de bibliotecas, de espaço de leitura, eu posso dizer com bastante propriedade, porque eu andei por muitos municípios do Pará e eu conheci diversos espaços que não chegavam nem perto de se dizer que era uma biblioteca. Bibliotecas mesmo eu encontrei poucas, pouquíssimas. O que eu achava era uma sala com um acervo velho. Salas em que tinham só as carteiras, que o piso nem existia, era barro ou espaços mesmo embaixo das árvores, como os antigos filósofos faziam. O que eu mais achava era esse embaixo das árvores”.

“Muitas vezes a gente vê nas redes sociais as escolas fazendo ações para angariar fundos e muitas vezes os professores tiram dinheiro do próprio bolso, como eu em muitos momentos comprei pincel para quadro, comprei material para que eu pudesse levar projetos à frente. Muitas vezes brigando com a Secretaria de Educação, quando fui diretora, tentando mostrar a importância dos projetos de leitura e escrita”, conta Maria do Socorro sobre os esforços que os professores fazem para um manter um projeto em uma escola de rede pública. 

Segundo a professora aposentada, os trabalhos desenvolvidos pelas Secretaria de Educação tanto em nível municipal como estadual são muito bons para incentivarem os alunos à leitura. Mas com a falta de comunicação e divulgação do projeto as escolas não conseguem se organizar para participar. “Na verdade, as escolas públicas têm projetos maravilhosos que muitas vezes não são divulgados por falta de comunicação. Às vezes chega com atraso, chega em cima da hora, falta uma semana, faltam dois dias e acaba não dando tempo para escola se organizar.”

Mesmo diante dessa realidade, existem pessoas que contribuem para o desenvolvimento de instituições que priorizam a educação por meio da leitura. O Projeto Livro Solidário faz doações de livros para escolas públicas, centros comunitários, ONGs e iniciativas particulares com o objetivo de suprir as necessidades de leitura das comunidades de Belém e região metropolitana. Livros de poesia, contos, crônicas e romances são doados por meios de campanhas de órgãos públicos. 

O Livro Solidário já implantou salas de leitura em escolas dos municípios de Ananindeua e Benevides e no bairro do Bengui e distrito de Mosqueiro, em Belém. O projeto acredita na esperança de promover a cidadania e o desenvolvimento social. “Acreditamos nessa iniciativa porque, cada vez que doamos livros, vemos a felicidade de pessoas que lutam por uma educação melhor”, afirmam os coordenadores.

Por Belisa Maria Amaral, Irlaine Nóbrega e Jamyla Magno.

 

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