Museu sofre com obras do Túnel da Abolição

Número de visitantes caiu pela metade. Direção estuda até ir à Justiça

por Elaine Ventura qui, 26/02/2015 - 13:58
Chico Peixoto/LeiaJá Imagens A liberação do tráfego está prevista para o dia 15 de março Chico Peixoto/LeiaJá Imagens

Quem passa pela Rua Real da Torre, na Madalena, Zona Oeste do Recife, se depara com uma obra que promete desafogar o trânsito no entorno da Avenida Caxangá. A construção do Túnel da Abolição se arrasta há dois anos. No entanto, a solução encontrada para amenizar os problemas de mobilidade urbana tem causado dano à cultura. O motivo é simples: as obras do túnel estão sendo realizadas em frente ao único museu que estimula a reflexão crítica acerca da população e da cultura negra no Estado, o Museu da Abolição.

Poeira e barulho são alguns dos problemas causados pela obra, mas não são os principais. A entrada central do equipamento cultural foi bloqueado em decorrência da construção do túnel. Logo, o acesso de veículos grandes ao estacionamento do museu foi inviabilizada. Segundo a direção do Museu da Abolição, desde o início das obras do túnel, a visitação ao local caiu em mais de 50%. 

“Desde a interdição da via para a construção do túnel, a entrada principal do museu morreu. Isso inibe o acesso dos ônibus escolares, que não têm como estacionar porque a saída está inviabilizada. Agora, os transportes escolares precisam estacionar no meio da rua, arriscando a vida das crianças. Esse é um dos principais motivos que está fazendo com que o número de visitantes caia bruscamente, chegando a menos da metade”, explica Fabiana Sales, vice-diretora do museu.

O projeto polêmico esbarrou em alguns impasses e chegou a ser embargado no início das obras, sob a alegação de que a construção resultaria na demolição de casarios históricos, dentre outras irregularidades. Mas a obra conquistou a aprovação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e pôde ser retomada. A construção começou em 2013, mas antes disso a Secretaria das Cidades de Pernambuco assumiu alguns compromissos para não impactar na rotina de visitação do Museu da Abolição. No entanto, a diretora do museu, Elisabete Arruda, afirma que nenhuma das promessas foram cumpridas. 

Segundo a diretora, a Secretaria das Cidades garantiu que o equipamento Cultural ganharia um novo acesso. Além disso, seria instalado no museu um portão eletrônico e uma nova guarita, pois a existente não tem mais serventia, já que a entrada principal está inutilizada. O órgão também seria responsável pelos ajustes na Praça João Alfredo, localizada em frente ao Museu da Abolição, para viabilizar a manobra dos ônibus e caminhões que precisam descarregar obras de arte. Todas as alterações deveriam ter sido realizadas ainda no início da obra, que já está em fase de conclusão, com entrega prevista para maio.

“Quando o projeto nos foi apresentado,  a Secretaria das Cidades afirmou que o Museu da Abolição não sofreria com a execução da obra, que iria até melhorar a visibilidade do museu. Mas para que os transtornos não interferissem na rotina do equipamento, algumas modificações deveriam ter sido realizadas imediatamente. Os compromissos assumidos pela Secretaria não foram cumpridos.  O acesso dos ônibus ao museu, por exemplo, foi inviabilizado, porque o processo de saída dos veículos grandes não foi pensado no projeto. Para piorar a situação, o acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais foi comprometido, pois as obras do túnel levantou um degrau, o que dificulta a mobilidade”,  pontuou. 

Elisabete ainda ressaltou que os representantes do museu e do IPHAN têm tentado contato com a Secretaria das Cidades para obter um posicionamento, porém não obteve êxito. A diretora adiantou que o último ofício foi entregue ao órgão no início do ano, mas a nova gestão também não se pronunciou sobre o assunto.  “O secretário André de Paula veio fazer uma visita técnica às obras do túnel no dia 5 de fevereiro, mas se quer nos procurou. Todos estão cientes dos ajustes que deveriam ser realizados no museu. Mas os executores da obra afirmam que no projeto não existe nada além da construção do túnel.  Logo, não está a cargo deles as intervenções no museu que foram acordadas pela Secretaria”, ponderou. 

Os transtornos causados ao Museu da Abolição também é sentido pela sociedade. A professora Keyse Stephanie esteve no museu ao lado dos alunos no início de fevereiro e se deparou com as dificuldades do acesso. “Além dos ônibus escolares não poderem entrar no estacionamento do  museu, os coletivos de linha estão tendo que parar no meio da rua para embarque e desembarque de passageiros. Isso acaba dificultando o acesso e desestimulando as frequentes visitas ao local”.

Para intervir nesse impasse entre a Secretária das Cidades e o Museu da Abolição, a vereadora Isabella de Roldão protocolou um projeto na Câmara que propõe a realização de uma audiência pública para ouvir todos os envolvidos. “ Esse projeto foi extremamente danoso ao museu, que acabou sendo relegado. Pensou-se em melhorar a mobilidade, mas esqueceram de preservar os equipamentos culturais. Por isso decidimos chamar uma audiência pública para ouvir o governo, a prefeitura, o museu e a sociedade”, pontuou a vereadora, ressaltando que a audiência pública deve acontecer entre os meses de março e abril.   

Vereadora denuncia descaso com Museu da Abolição

O secretário das Cidades,  André de Paula fez uma nova visita técnica ao Túnel da Abolição, na última quarta-feira (25), acompanhado de técnicos da Secretaria das Cidades (Secid), da construtora responsável pela obra do túnel (Consórcio Mendes Júnior/Servix) e da gerenciadora dos serviços (Maia Melo Engenharia). Em nota, o secretário ressaltou que os trabalhos estão prestes a ser finalizado. 

“As obras caminham para a fase final, contribuindo para que a liberação do tráfego aconteça no dia 15 de março, conforme foi anunciado pelo governador Paulo Câmara. Os trabalhos se concentram em atividades de pavimentação asfáltica, impermeabilização das paredes e acabamento”, explicou André de Paula.

Em nome da Secretaria das Cidades, o gerente de projetos especiais Gustavo Gurgel afirmou que o secretário está ciente sobre a necessidade de abertura de um novo portão de acesso ao Museu da Abolição e que a equipe tem mantido diálogo com representantes do equipamento cultural. “Durante a vistita de hoje, mostramos ao secretário a necessidade de abertura do novo portão. Ele imediatamente sinalizou para que a obra fosse tocada. Já estamos negociando com a construtora do túnel um aditivo no contrato, para que eles também sejam responsáveis por essa obra. Caso esse acordo não venha a se concretizar, a gente vai em busca de uma nova empresa para fazer esse serviço.  Mas a expectativa é que a gente consiga pelo menos com a construtora do túnel a obra do acesso, com a implantação do portão que é mais urgente. Tem outras obras menos urgentes de adequação que a gente tá negociando com ele também”, reforçou Gurgel. 

A data da liberação do trafego está mantida, 15 de março. Mas período previsto para concluso da obra deve ser no mês de maio, quando o contrato com a construtora Mendes Junior deve ser encerrado. Até lá as obras no Museu da Abolição deve ser concluída ou o caso pode parar na Justiça. “Fomos orientados pela Procuradoria Federal a recorrer ao Ministério Público para impetrar um processo. Essa será a última instância, pois estamos tentando solucionar o problema de forma amigável”, alertou a diretora do Museu da Abolição.

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