Os barracos do júri em Cannes

Não são poucas as histórias mal contadas e confusões envolvendo os jurados do festival

seg, 15/05/2017 - 13:40
RALPH GATTI (Arquivo) Foto tirada em 12 de maio de 1977 em Cannes mostra o júri da 15ª edição: Anatole Dauman, Gilles Jacob, Carlos Fuentes, Roberto Rossellini, Benoite Groult, Marthe Keller, Jacques Demy, Pauline Kael, Yuri Ozerov, Robert Favre le Bret e N'Sougan Agblemagnon RALPH GATTI

Nem tudo o que reluz é ouro, ainda que seja a Palma de Ouro, prêmio máximo do Festival de Cannes. Ao longo da história da mostra, vazamentos sobre as deliberações do júri revelaram confusões e guerras viscerais.

- Rossellini, a jogada perversa-

Em 1977, Roberto Rossellini reina sobre o júri como um déspota ilustrado. O presidente do Festival, Robert Favre Le Bret, quer que a Palma de Ouro vá para "Um dia muito especial", de Ettore Scola. Mas Rossellini prefere o filme dos irmãos Taviani, "Pai Patrão", filmado em 16 mm para a televisão. Para dissipar as dúvidas de uma integrante do júri, Rossellini lhe dá de presente uma joia caríssima que põe na conta de Favre Le Bret. No dia da premiação, ao entregar a Palma aos irmãos Taviani, o diretor, em tom provocador, afirma: "Sem a televisão, o cinema morrerá". Indignado, Favre Le Bret promete que de a partir de então, o júri teria "mais profissionais de verdade e menos amadores".

- O concurso "arranjado" de Françoise Sagan -

Em 1979, a Palma de Ouro é atribuída 'ex-aequo' (com igual mérito) ao filme "Apocalipse Now", de Francis Ford Coppola, e a "O Tambor", de Volker Schlöndorff. Sete meses depois, a polêmica vem à tona: a presidente do júri, a escritora Françoise Sagan, diz à imprensa que a competição foi "arranjada" e acusa Favre Le Bret de ter pressionado o júri, que queria premiar apenas o filme do cineasta alemão.

A este escândalo se somam "considerações financeiras mesquinhas", escreve a AFP na ocasião. A escritora se queixa de que o hotel onde se hospedou, convidada pelo Festival, lhe exigiu pagar suas despesas de alojamento. Cannes reage publicando a conta astronômica de gastos "extras".

- Polanski embriaga o júri -

Em 1991, um único filme agrada o presidente do júri, Roman Polanski: "Barton Fink: Delírios de Hollywood", dos irmãos Coen. O cineasta quer atribuir-lhe todos os prêmios. Na véspera da premiação, organiza uma deliberação privada, no qual serve álcool em abundância, aproveitando para convencer todos os membros do júri para atribuir a Palma de Ouro a "Barton Fink". No dia seguinte, durante a deliberação oficial, a decisão é questionada, mas Polanski rejeita categoricamente que se vote de novo.

"Barton Fink" leva três prêmios: a Palma de Ouro e os prêmios de melhor diretor e melhor interpretação masculina para John Turturro. Esta concentração suscita tal polêmica que o Festival estabelece que a partir de então, um mesmo filme só pode levar um prêmio, com exceção da recompensa à melhor interpretação masculina/feminina.

- A guerra Adjani-Moretti -

Em 1997, a atriz francesa Isabelle Adjani preside o júri, do qual faz parte o cineasta italiano Nanni Moretti. No dia da última deliberação, a atriz quer atribuir a Palma de Ouro a "O Doce Amanhã", de Atom Egoyan. Mas o restante dos jurados preferem claramente "A Enguia", de Shohei Imamura. Moretti, que defende também "Gosto de Cereja", de Abbas Kiarostami, sugere a Adjani pedir ao Festival que autorize que se premie com a Palma os dois filmes. A atriz francesa aceita, acreditando que o cineasta apoiará "O Doce Amanhã". Mas ele vota em "A Enguia" e convence o restante dos jurados a escolherem à Palma ex-aequo "Gosto de Cereja". À imprensa, Adjani chama Nanni Moretti de "Maquiavel".

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