Em PE, artistas vivem 'via-crúcis' para encenar 'Paixões'

Classe teatral pena para encenar uma das histórias mais famosas do mundo ocidental no Estado em que o espetáculo tem forte tradição

por Paula Brasileiro qui, 07/03/2019 - 18:52
Paula Brasileiro/LeiaJáImagens/Arquivo Da capital ao interior, espetáculos da Paixão passam por dificuldades para acontecer em 2019 Paula Brasileiro/LeiaJáImagens/Arquivo

Uma das histórias mais conhecidas e contadas no mundo ocidental, a Paixão de Cristo, narra o calvário de um dos personagens mais importantes dessa cultura, Jesus Cristo. Em Pernambuco, existe uma forte tradição de montagens que encenam o trecho bíblico no período da Páscoa, porém, no Estado e na sua capital, a cidade do Recife, o calvário é vivido por atores, produtores e diretores dos espetáculos, dentro e fora dos palcos.  Falta de apoio, briga por espaço e a omissão de pagamentos têm tornado a vida de quem se dedica ao trabalho uma verdadeira via-crúcis.

No Recife, um dos mais tradicionais espetáculos desse período, a Paixão de Cristo que leva o nome da cidade e que foi idealizada, dirigida e encenada, por mais de duas décadas, pelo ator e diretor José Pimentel, falecido em agosto de 2018, corre o risco de nem ser apresentado em 2019; ou acontecer em ‘duplicidade’. Após o falecimento de Pimentel, uma briga judicial se instaurou entre sua família e a Associação dos Produtores de Artes Cênicas de Pernambuco (Apacepe), produtora com a qual costumava trabalhar, pelos direitos do espetáculo.

Familiares de Pimentel pediram, na Justiça, que a Apacepe se abstivesse de usar a imagem, obra e o nome do falecido diretor na realização do seu espetáculo e obteve ganho de causa. No entanto, a produtora manteve a decisão de encenar a peça e chegou a divulgar, através de sua assessoria a realização do espetáculo entre os dias 19 e 21 de abril, no Marco Zero do Recife, local onde vinha sendo realizado nos últimos anos. No entanto, a assessoria de Lílian Pimentel, filha de José Pimentel que ficou à frente do espetáculo, também garantiu a realização do seu espetáculo entre 18 e 21 de abril, no mesmo local.

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Procurada pelo LeiaJá, a Prefeitura do Recife (PCR), que sempre apoiou a Paixão de Cristo do Recife, inclusive cedendo o espaço do Marco Zero, garantiu, em janeiro de 2019, que não havia nenhum evento marcada para tais datas no espaço e que não estava oferecendo apoio a nenhuma das montagens. Procurada novamente, a PCR não deu novas informações a respeito da possível realização do espetáculo até o fechamento desta matéria.

Já a nível estadual, o problema está relacionado a dinheiro. O festejado edital Pernambuco de Todas as Paixões,  instituído pela Secretaria de Cultura e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, há 11 anos, com o objetivo de incentivar e promover a realização dessas montagens ao redor do estado de Pernambuco, não vem cumprindo com o prometido. Nesta quinta (7), o pesquisador de teatro Leidson Ferraz fez um verdadeiro desabafo em seu perfil do Facebook revelando que nenhum dos 14 grupos habilitados no ano de 2018 receberam o valor proposto pelo edital daquele ano.

Leidson chamou o Estado de “Pernambuco de Paixões Sofridas”, e disse: “Até hoje, praticamente um ano depois, nenhuma das 15 Paixões de Cristo espalhadas pelo estado, do Recife a Petrolina, recebeu qualquer centavo prometido e que lhes é de direito”. O pesquisador foi um dos integrantes da comissão de análise de mérito cultural e equipes de visitas técnicas, que analisaram os proponentes. Em entrevista exclusiva ao LeiaJá, David L’ucard, diretor da Paixão de Cristo de Camaragibe confirmou a falta de pagamento por parte do Governo do Estado: “Nenhum dos grupos que participou recebeu”.

O diretor contou que a Fundarpe promoveu algumas reuniões, sem nenhum resultado efetivo, e agendou uma nova, com todos os habilitados do ano de 2018, para a próxima semana, a fim de propor uma maneira de resolver a falta. Ele lamentou o descaso: “Algumas Paixões tiveram de fazer empréstimo, é um processo comum para quem faz cultura, principalmente quem depende de edital porque só é pago depois. Quando os grupos não tem reserva de caixa, e a maioria não tem porque os projetos se pagam e não fica dinheiro de reserva; então muitos precisam de um aporte nesse sentido. Quando não chega um patrocínio antes os grupos recorrem a cartão de crédito, empréstimo”.

Ainda assim, L’ucard faz questão de frisar a importância do Pernambuco de Todas as Paixões: “O edital é de suma importância para o fazer cultural no Estado. Ele é o fomentador não sé de um espetáculo, mas de uma cadeia produtiva imensa que envolve diretores, produtores técnicos, figurinistas, cenógrafos; além desse resultado material que a gente visualiza no período da Paixão, durante os espetáculos, a gente também tem o resultado que fica, que são os grupos de teatro que começam a se formar a partir desses encontros das Paixões, os atores novos que são descobertos, novos técnicos”.

Leidson Ferraz fez o mesmo em sua publicação no Facebook, e lamentou o descaso com o qual o edital vem sendo tratado: “Saliento o quão importante é a continuidade e a valorização do projeto “Pernambuco de Todas as Paixões”, que agrega centenas de artistas e técnicos e milhares de espectadores estado adentro. Ou seja, essa é realmente a terra dos Paixões de Cristo mais do que sofridas. Vergonha! Descaso! Absurdo! Ao governador Paulo Câmara e aos novos presidentes da Fundarpe e Secretaria de Cultura, só resta pedirmos respeito à classe artística”!

Governo do Estado

Procurada pelo LeiaJá, a Fundarpe informou que os pagamentos do edital 2018 serão realizados até o fim deste mês de março para que não haja prejuízo algum na realização do edital 2019, aberto no momento. “O Governo de Pernambuco, por meio da Secretaria de Cultura (Secult) e da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), confirma que estará realizando o pagamento dos selecionados no EDITAL 2018 até o final deste mês de março.  Assim como foi feito com o ciclo carnavalesco deste ano, há um compromisso do Governo do Estado de honrar os débitos referentes ao ano de 2018. Os pagamentos serão feitos durante todo o mês de março, para não comprometer a realização dos espetáculos”.

A  suposta reunião que estaria marcada para a discussão do problema, no entanto, não foi confirmada, embora o órgão tenha deixado aberta a possibilidade de uma conversa entre gestores e classe artística: “Não há qualquer reunião agendada, seja com o secretário de Cultura, Gilberto Freyre Neto, seja com o presidente da Fundarpe, Marcelo Canuto.  Apesar disso, ambos demonstram completa disposição para atender os representantes dos grupos envolvidos com os espetáculos da Paixão”.

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