Apaixonado, organizado e estudioso: o perfil de Dornelas

Treinador contou a trajetória desde os estágios em dormitórios, até se firmar como nome mais forte do basquete feminino em Pernambuco

por Renato Torres qua, 19/04/2017 - 14:34
Renato Torres/LeiaJáImagens Roberto Dornelas comanda a UNINASSAU Renato Torres/LeiaJáImagens

Em semana de preparação para uma grande decisão, o UNINASSAU Basquete treina no Sesc em Santo Amaro, Centro do Recife, sob os comandos de um firme, mas atento treinador. Ele pode até ser chamado pelas atletas de pai, mas Roberto Dornelas, 60 anos se vê como um firme disciplinador. Compreensivo e sensível, para identificar até quando suas disciplinadas não estão em seus melhores dias. O desafio foi o que motivou o jovem estudante a se tornar o maior nome do cenário local. O basquete feminino em Pernambuco está há um bom tempo sob sua tutela, e os resultados não poderiam ser melhores. Ninguém melhor para falar dele do que o próprio técnico. Confira os destaques da entrevista exclusiva ao LeiaJa.com:

A passos curtos

"Eu sou oriundo do basquete feminino, comecei muito cedo a treinar no Colégio Maria Auxiliadora, aos 18 anos. Já tinha uma visão de jogo diferente do que se fazia, inspirado em atletas de fora do Estado. Me formei com louvor, sempre fui para congressos e viagens. Minhas férias de fim de ano eram em São Paulo para assistir Hortência x Paula que era o supra-sumo do esporte, dormia na casa de amigos em colchonetes improvisados. Fazia estágios com treinadores locais, pedia para ficar e ficava em salas do Colégio Divino Salvador, em Jundiaí-SP, com outros técnicos fazendo o mesmo que eu. Foram sacrifícios necessários para adquirir o conhecimento".

"Sou da época que Pernambuco era referência e quando saía para disputar torneios a dúvida era apenas a cor da medalha que traria de volta. Quando cheguei no Atual, Rildo Accioly estava a frente do masculino, então tive que escolher pelo feminino. Era muito mais desafiador trabalhar com as mulheres do que com os homens. Comecei a profissionalizar minhas atletas, investindo em comissão técnica, treinos diários, tornar a experiência mais científica, e não empírica, como era o cenário da época".

"Eu comecei a ser muito respeitado fora, mas sofria com olhares desconfiados aqui. Eu queria fazer uma equipe forte, com um jogo moderno. Independente de ser primeiro jogo, ou final, a gente ia para cima, pressionando. Meu intuito era ir além".

Tropeços e desafios

"O feminino traz um aspecto novo, a sensibilidade da mulher. É aí que você mais leva porrada. No princípio eu era o professor novo, mas amadureci rápido. Ter resultado com essa equipe é algo além da quadra e do treino. Elas trazem mais peso de fora para a quadra do que o homem. Desde uma separação em casa, até uma briga com o namorado de longa data, nisso tudo a mulher é mais sensível que o homem e era um desafio enorme. E eu gosto do desafio".

"Tive um divórcio muito complicado e quis deixar o basquete. Fiquei com a guarda do meu filho de seis anos e minha mulher foi para São Paulo, virei pai e mãe. O desafio maior foi esse".

"Tudo que eu tinha idealizado e visto, me veio para somar nesse desejo de fazer a diferença em Pernambuco. Só que eu não queria ser lembrado apenas pelo torneio adulto, já havia conquistado outros desafios. Meu objetivo era tornar um time mirim dono do basquete, tomando o lugar dos times mais fortes da época, mudando conceitos de jogo. Eu perdi muito para começar a ganhar, porque comecei com as meninas muito cedo. Eu sabia que, quando a gente chegasse, não pararíamos de vencer. Eu trazia o diferente, que era meu objetivo o tempo inteiro".

Chegada e saída Sport

"Eu era presidente da Federação - após passar pelo Auxiliadora -, então chegou uma oportunidade de trabalho com o Sport em 2005. Havia um projeto de entrar no campeonato nacional com o feminino. Trouxemos meninas do campeonato paulista e completamos o time com outras de Pernambuco, foi quando renunciei na federação. Estreamos com um terceiro lugar e, após dois anos em quarto lugar, acabamos em uma sexta posição, tive um desentendimento com o então presidente do Sport, Sílvio Guimarães, e deixei o clube em 2009".

"Fui convocado na saída dele para retomar, só que não queria mais ter um time adulto, meu objetivo era ter um colégio de basquete. Em 2011, fizemos esse projeto de montar um time, sem desmontar outros times e repatriar jogadoras que querem vir ao Brasil. Trouxemos Adrianinha, Palmira, Érica, somando com atletas do Estado. Nos consagramos campeões. Aí aconteceu tudo depois e saímos, não gosto de falar no assunto porque fiquei magoado".

"Aos poucos, a UNINASSAU começou a se instaurar como nossa maior patrocinadora. Ficamos com o América, mas não podíamos tirar certidões. Nosso projeto cestinha ficou impossibilitado e acabamos nos tornando apenas UNINASSAU".

Primeiro centro

"Em maio de 2012, nos juntamos em um restaurante com um projeto nas mãos e todos toparam. Na vinda de Érica tivemos uma parceria com a WNBA, que foi onde tudo mudou. A gente ia para Atlanta, passávamos semanas em intercâmbios. Os técnicos americanos nos abriram as portas, foi o que nos deu a ideia de montar o centro esportivo. Foi assim que cheguei ao Salesiano, que tinha um espaço inutilizado e nós investimos. Montamos toda uma estrutura suficiente para atender o profissionalismo que esperávamos".

Relação com as atletas do 'paizão' Roberto

"Eu não sou um técnico rígido demais, mas também não sou mãe. Elas dizem que sou o pai que dá a bronca na hora certa. Se eu tenho um minuto de tempo técnico, gasto 20 segundos com esporro e os outros 40 são de instrução. Elas sentem a cobrança e já sabem o que fazer quando sair de lá. Procuro sempre me corrigir. Os primeiros erros que busco em um vt são os meus. Tenho uma frustração que é não ter uma pernambucana em meu elenco, mas não quero colocar alguém só por ser daqui, mas ter alguém daqui que entre no grupo".

"Eu brinco que quando se trabalha com o feminino você passa direto do purgatório para o céu. Basta uma atleta estar em um dia ruim e brigar que acaba com um treino. Eu já sei quando elas não estão bem, porque vivo atento nelas. Em compensação, elas são bem mais disciplinadas que os homens. Tenho cara de bravo, chato, mas com elas eu mudo. Aqui dentro eu sou o Roberto, o primeiro a descontrair em um treino monótono".

Quem é o Dornelas

Na hora de falar sobre inspirações e perfil, o treinador do UNINASSAU Basquete preferiu utilizar três treinadores com quem trabalhou. Segundo Dornelas, hoje o que o define como profissional, são os aprendizados deixados pelos amigos. Amor pelo esporte, estudo e busca pela perfeição e a organização são lições que Roberto leva consigo na bagagem.

João Damásio - "Ele me ensinou a amar o basquete. Minha mãe dizia que ele era meu pai. Foi meu primeiro treinador e virou meu colega de trabalho. Me emociono quando falo dele. Era um cara espetacular, nunca encontrei alguém que não gostasse dele".

Artur Pimentel - "Inovador. Foi técnico a frente de seu tempo. Se hoje fui tido como o cara da marcação pressão, ele já o fazia antes. O treino dele era intenso. Considero o melhor técnico da história do basquete de Pernambuco até hoje".

Roberto Brasileiro - "Não tem nada a ver com basquete, mas Roberto Brasileiro foi meu coordenador e grande incentivador da minha organização. Ele me ensinou a escrever, anotar e utilizar dados e bem o tempo, por isso dedico minha carreira a essas três pessoas".

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