Em PE, inclusão para autistas ainda é um desafio

Um anos após a promulgação da Lei Estadual que garante direitos inclusivos na rede pública e privada de ensino, portadores do autismo ainda sofrem com o cenário atual excludente

por Eduarda Esteves sab, 02/04/2016 - 12:38

Neste sábado (2) é celebrado mundialmente o Dia da Conscientização sobre o Autismo e o momento é bastante oportuno para que o debate seja levantado. Em abril de 2015, o Governo de Pernambuco promulgou a Lei estadual nº 47/2015 que visa ampliar a garantia de direitos dos autistas. Em seu texto de formulação, a legislatura garante a inclusão de estudantes autistas nas redes de ensino do Estado, além da capacitação de professores de a rede pública e contratação de acompanhantes especializados na área. Apesar da proposta ser considerada um avanço no amparo à pessoa com autismo, um ano depois, a realidade é dura e os passos são lentos para que o cenário se reverta no Estado. Familiares e profissionais da área continuam denunciando que não há inclusão dos portadores do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) na rede pública de ensino em Pernambuco.

Atualmente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que há 70 milhões de pessoas no mundo que portam o transtorno. No Brasil, a estimativa é que o número já passa a casa dos dois milhões. O Transtorno do Espectro Autista, conhecido como autismo, é um Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD). O paciente caracteriza-se em geral por dificuldades significativas na comunicação, na interação social, na troca de olhares e demonstra constantes alterações de comportamento, principalmente a repetição de movimentos. 

Apesar das alterações comportamentais aparecerem antes mesmo dos três anos de idade, muitas vezes, por não ser identificado fisicamente, o autismo não é diagnosticado com rapidez pelos médicos. No Recife, a Associação de Famílias para o Bem-Estar e Tratamento da Pessoa com Autismo (Afeto) é uma instituição sem fins lucrativos, composta por pais e parentes de pessoas com diagnóstico de autismo. Para Monalisa Costa, pedagoga da instituição, a demora do diagnóstico médico pode comprometer o tratamento da criança. "Quando o transtorno não identificado logo no início, as crianças tendem a ficarem isoladas e são incompreendidas, até mesmo pelas famílias", explicou. 

Inclusão escolar

Com o ambiente escolar muitas vezes não exercendo o seu papel primordial na educação da criança autista, muitas pais têm optado por caminhos alternativos. Grupos, associações, clínicas e ONGs, além de profissionais qualificados na área que trabalham as melhorias individualmente são os mais procurados pelas famílias. Para a psicóloga Meirielle Totti, coordenadora da Afeto, seria favorável que as crianças com autismo estivessem incluídas em ambientes com crianças típicas, por serem modelo de interação e de comunicação. "O problema é que as escolas precisam estar preparadas  pra fazer a inclusão dessas crianças e atualmente não há nenhuma escola pronta pra fazer isso", afirmou.

A psicóloga argumenta que a Lei 47/2015 é muito inclusiva na teoria. Mas não se trata apenas de poder matricular autistas nas redes de ensino. Ela explica que isso só terá retorno se o direito for muito mais além. "É preciso que haja supervisão de um acompanhante terapêutico pra ajudar nos processos de ensino e nos processos sociais. Não é ganho pra um autista estar na sala de aula sem nenhum acompanhamento. É importante haja a interação com outras crianças, mas de uma forma planejada". Para a pedagoga Monalisa Costa, é raro ver a nova legislação sendo exercida na prática. "Conheço autistas que deixaram de estudar porque não havia um profissional da área para realizar o acompanhamento", contou. 

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Desafios diários

A dona de casa Adriana Gomes e mãe de Arthur, hoje com seis anos, foi diagnosticado tardiamente com autismo aos cinco anos. "Os médicos não gostam de falar diretamente para as mães muitas vezes por não saber mesmo do que se trata", lamentou Adriana. Esperançosa, ela conta que a descoberta de que seu único filho era portador do transtorno foi um choque. "Com o tempo, amadureci. Procurei logo aceitar e correr atrás de melhorar a vida dele, buscando os atendimentos necessários". Apesar de Arthur estar na escola, Adriana relata que sua maior satisfação são os caminhos alternativos de educação e tratamento que procurou para cuidar do filho. 

No lazer, praia, piscina e aparelhos eletrônicos são os principais diversões de Arthur. Para a mãe, que abdicou de uma vida social mais intensa, ter que lidar com o preconceito e com a falta de informação das pessoas é algo que incomoda. "Ele é muito carinhoso e as vezes beija e gosta de dar cheiros em pessoas que nem conhece" conta. Orgulhosa, Adriana diz que as vezes faz vista grossa para comentários maldosos. "Mas se for preciso a gente revida e vamos enfrentando as situações que vão acontecendo (no cotidiano)".

Os desafios são inúmeros, os olhares externos são tortos e o preconceito diário bebe na fonte da falta de informação e de políticas públicas mais rígidas e inclusivas. Diretora da Afeto, fundadora da instituição e mãe do André, atualmente com 19 anos, diagnosticado com o autismo aos dois anos, Regina Sales conta que sua trajetória foi longa até descobrir porque seu filho era 'diferente das outras crianças'. Ela conta que quando criança, seu filho por não apresentar um padrão comportamental foi chamado de surdo pela direção de uma das escolas que o menino estudou. 

Regina conta que se reunia constantemente com outros pais para dialogar sobre novos tratamentos, quando em 2005 resolveram fundar a Afeto. A associação atende atualmente a 26 crianças e um adulto. Sem fins lucrativos e mantida por apoio financeiro dos pais, a instituição, localizada no bairro da Encruzilhada, atualmente, não possui mais vagas disponíveis. "Nós temos uma fila de espera grande e infelizmente não temos condição de atender mais pessoas por prezar por um atendimento de qualidade", explicou. A Afeto conta com uma equipe multidisciplinar com terapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e educadores físicos.

Militante da causa e com muitas histórias da inoperância do poder público e de agressões preconceituosas, Regina se diz insatisfeita quando o seu filho é colocado como mal educado por muitas vezes não conseguir interagir socialmente. "Sempre dizem que você não deu educação pra o seu filho. As pessoas têm que entender que não é bem assim". Para o pai de Miguel, de seis anos, Antônio Nunes, as vezes é entristecedor algumas situações. "Lugares públicos são sempre desafios. Uma vez eu estava com meu filho no Shopping e por ele não conseguir ficar quieto e estar impaciente, pessoas começaram a comentar que ele não tinha educação", lamentou. Apesar as dificuldades, Regina diz que é um dever dos pais amar seus filhos. "Ame-os incondicionalmente, independente do que eles te deem de retorno. Dê, que o retorno vem", concluiu emocionada. 

Neste sábado, com o intuito de disseminar informação e diminuir o preconceito, será realizado um evento musical no Shopping Rio Mar, Zona Sul do Recife, em que a Afeto estará presente vendendo camisas do dia mundial Dia da Conscientização sobre o autismo, às 17h no térreo do estabelecimento. Além do show musical, também haverá exposições sobre o autismo durante o evento comemorativo. 

Até a publicação desta reportagem, a Secretaria de Educação de Pernambuco não respondeu aos questionamentos feitos pelo Portal LeiaJá a respeito da falta de profissionais treinados em redes do ensino público do Estado para lidar diariamente com os portadores do autismo. 

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