A esperança que vem da cannabis

Desde janeiro de 2015, quando o uso terapêutico de canabidiol foi autorizado, mais de 800 médicos prescreveram produtos derivados da maconha - chegando a um total de mais de 78 mil unidades importadas. Mas tanto o preço dos medicamentos quanto os entraves burocráticos muitas vezes afastam os pacientes

sab, 01/12/2018 - 09:07
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Na última terça-feira (27), uma comissão do Senado aprovou um projeto de lei autorizando o cultivo da cannabis sativa para uso pessoal terapêutico, desde que haja prescrição médica. A medida ainda vai passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), será votada no plenário do Senado e, depois, precisará ser apreciada na Câmara dos Deputados. Apesar disso, a decisão pode representar uma luz no fim do túnel daqueles que dependem da cannabis para ter qualidade de vida. De acordo com a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), desde janeiro de 2015, quando o uso terapêutico de canabidiol foi autorizado, mais de 800 médicos prescreveram produtos derivados da maconha - chegando a um total de mais de 78 mil unidades importadas.

O uso da maconha na medicina não é novidade. Os primeiros registros são atribuídos ao imperador ShenNeng da China, que prescrevia chá de maconha para o tratamento da gota, reumatismo, malária e até para memória fraca em 2727 AC. Na Ásia, Oriente Médio e costa oriental da África, a maconha como remédio também já era utilizada antes mesmo de Jesus Cristo. Na comunidade científica mundial, o uso medicinal da cannabis ganhou interesse por volta dos anos 60, quando o Professor Raphael Mechoulam, de Israel, e outros pesquisadores descobriram que a ação dos fitocanabinóides, no Sistema Nervoso Central (SNC), se dava através de ligação específica com um receptor de membrana celular denominado CB1. Ele também constatou que apenas o THC é o responsável pela "lombra" da maconha. Anos mais tarde, em 1973, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) descobriu efeitos anticonvulsivantes no canabidiol.

Mas se em outros países o óleo rico em canabidiol é encontrado até em supermercados, no Brasil a maioria das pessoas precisam importar e o processo não é tão simples. Primeiro, é necessário obter uma autorização da Anvisa. O processo começa com uma consulta médica e prescrição do medicamento. Em seguida, o paciente se cadastra no site da Agência e o pedido é analisado pelo órgão. Autorização concedida, é necessário desembolsar de R$ 250, podendo chegar a até quase R$ 3 mil, sem contar as taxas de transporte e importação, para comprar o medicamento. Por fim, o paciente encaminha a permissão de entrada para a Receita Federal. Hoje, de acordo com a Anvisa, mais de 4 mil pessoas já têm a autorização para importação para uso próprio.

Tanto o preço quanto os entraves burocráticos muitas vezes afastam os pacientes. Para tentar agilizar e reduzir os custos do acesso aos medicamentos à base da maconha, surgiu em 2014 em João Pessoa, na Paraíba, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança). Em 2017, a associação obteve na Justiça o direito ao cultivo da planta. É a única entidade que conquistou esse direito no país, mas não foi um caminho fácil. Primeiro, tentaram a autorização com a Anvisa, que negou. Recorreram, então, à Justiça. "Quando o pedido chegou na mão da juíza, ela viu que mais de cem pacientes estavam fazendo uso da substância e que estavam sem crise. Ela viu que a saúde do ser humano estava em primeiro lugar”, conta Luciano Lima, diretor executivo da Abrace.

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Atualmente, quase mil pacientes de todo o país são acolhidos pela Associação, que produz óleos e pomadas derivadas da cannabis. Luciano acredita que, muito além do papel de ajudar com os medicamentos, a associação tem auxiliado, também a quebrar o preconceito sobre a maconha. “Antigamente, as pessoas diziam: você tá dando maconha pro seu filho? tá louco? hoje, as pessoas já enxergam que as patologias estão sendo tratadas de uma forma que nenhum medicamento alopático trata e muita gente nos procura”, afirma. Para aumentar a produção e tentar atender de 10 a 15 mil pacientes, está tramitando na  Justiça um pedido de autorização de extensão do cultivo em Campina Grande, também na Paraíba, onde, segundo ele, tem um clima mais propício para o plantio.

Por dia, em média 30 garrafinhas com o óleo são produzidas na associação. O valor varia entre R$ 100 e R$ 200. Uma equipe composta por duas químicas e uma farmacêutica é responsável pela produção. Pacientes com epilepsia, fibromialgia, câncer, alzheimer e parkinson são os que mais procuram a associação na esperança de tentar diminuir os efeitos das doenças. Para conseguir ter acesso aos produtos, é preciso procurar o local pessoalmente ou através do site apresentando a prescrição médica. Em seguida, o paciente se associa à Abrace e paga uma anuidade de R$ 350, que ajuda a custear todos as despesas do local. Pessoas de baixa renda são isentas não só da taxa como também do pagamento do óleo. De acordo com a Abrace, atualmente 200 pacientes recebem o benefício.

Saiba mais sobre a cannabis medicinal:

Principais canabinóides

Tetra-hidrocanabinol (THC) é o principal componente da cannabis e é o principal agente que dá uma sensação de “alta” quando administrado. Os sentidos são intensificados e pode causar euforia e mais prazer. No entanto, se administrado numa dosagem correta, pode ser benéfico para ajustar os hábitos alimentares e de sono e amenizar, também, sintomas de algumas doenças como Mal de Parkinson, epilepsia e esclerose múltipla.

O canabidiol (CBD) é uma das 113 substâncias químicas canabinoides encontradas na Cannabis sativa e é responsável por aproximadamente 40% do extrato de cannabis. Tem a mesma fórmula química do THC; no entanto, o arranjo dos átomos é diferente para cada um. Por causa dessa ligeira variação, o THC cria um efeito psicoativo, enquanto o CBD não tem essa influência. Promove uma sensação de tranquilidade. Pode auxiliar no tratamento de epilepsias, por exemplo, e também é muito positiva na diminuição de efeitos colaterais de esclerose múltipla, autismo e do tratamento de câncer.

Diferença entre cannabis:

As plantas Sativa são conhecidas por esticar a alturas de até 6 metros quando cultivadas fora e tem períodos de vegetação de muito mais tempo - podendo levar de dez até 16 semanas para ficar totalmente maduras. Ela produzem um rendimento muito mais elevado que as estirpes indica e possuem uma porcentagem de THC maior do que a Indica. São particularmente eficazes no tratamento de problemas mentais e do comportamento, tais como o estresse, a ansiedade e a depressão.

As Cannabis Indica são curtas e robustas, chegando a cerca de 80 cm de altura, e tem tipicamente menor rendimento. Os efeitos produzido por linhagens de indica são muito relaxantes e são ideais para a dor crônica, espasmos musculares, ansiedade, náuseas, estimulação do apetite e privação do sono.

A Cannabis Ruderalis está acostumada ao clima mais frio e contém porcentagens mais baixas de THC. Pode ter até quatro metros de altura, cresce em qualquer lugar.

Fonte: Associação Brasileira de Cannabis Medicinal; Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace Esperança)

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