Líbano busca novo governo, em meio à revolta da população

A tragédia de 4 de agosto alimentou a ira da opinião pública, ainda traumatizada com os 160 mortos e 6.000 feridos em uma cidade na qual bairros inteiros viraram campos de ruínas

ter, 11/08/2020 - 09:21
JOSEPH EID Manifestante libanês usa raquete de tênis para lançar lata de gás lacrimogêneo durante confrontos com as forças de segurança nas proximidades do parlamento no centro de Beirute, em 10 de agosto de 2020 JOSEPH EID

A renúncia do governo libanês abre, nesta terça-feira (11), uma fase de negociações e debates para determinar quem assumirá um país onde a revolta ressoa uma semana após a trágica explosão que devastou o porto de Beirute.

A tragédia de 4 de agosto alimentou a ira da opinião pública, ainda traumatizada com os 160 mortos e 6.000 feridos em uma cidade na qual bairros inteiros viraram campos de ruínas.

Desde o outono de 2019, o país tem sido palco de uma revolta popular sem precedentes, na qual milhares de libaneses saem às ruas para denunciar as dificuldades econômicas que só se agravam e uma classe política sem mudanças há décadas, acusada de corrupção e incompetência.

Para acalmar as ruas após a explosão, o governo do primeiro-ministro Hassan Diab renunciou na segunda-feira. Mas, exatamente uma semana após a tragédia do porto, os libaneses exigem que os responsáveis sejam levados à Justiça e sejam responsabilizados pela negligência do Estado.

"A república está desmoronando", foi a manchete do jornal L'Orient-Le Jour desta terça-feira.

"O apocalipse de 4 de agosto foi a manifestação mais dura e severa do mau funcionamento das instituições e do aparato estatal", comentou o jornal em seu editorial.

Nomeado no final de janeiro, o governo de Diab consistia em um único campo político, o do movimento xiita Hezbollah e seus aliados.

O governo cuidará dos assuntos correntes até que seu sucessor seja nomeado.

Diab era criticado há vários meses por sua incapacidade de responder à crise econômica, a desvalorização histórica da libra libanesa, escassez de combustível e hiperinflação.

- "Governo neutro" -

A grande questão é quem o sucederá, em um país acostumado a debates intermináveis entre forças políticas que passam vários meses negociando pastas antes de nomear um governo.

Resta saber se desta vez a magnitude do cataclismo os levará a mostrar velocidade.

Contará também a participação da comunidade internacional.

Citando fontes políticas, o jornal Al-Akhbar, próximo ao Hezbollah, assegura que Washington, Riade e Paris estão pressionando pela nomeação do ex-embaixador Nawaf Salam como chefe de um "governo neutro".

Este diplomata de grande experiência, que representou seu país na ONU, foi juiz da Corte Internacional de Justiça (CIJ).

A posição do influente Hezbollah e a de seu aliado, o presidente do Parlamento Nabih Berri, ainda não é conhecida, disse o jornal.

Os libaneses permanecem quase indiferentes aos debates políticos. Eles ainda estão nos bairros devastados de Beirute, limpando por conta própria os escombros, enquanto criticam a inércia das autoridades.

- Pão para duas semanas -

O que causou a catástrofe foi um incêndio em um armazém onde 2.750 toneladas de nitrato de amônio estavam armazenadas por seis anos sem "medidas de precaução", como reconheceu o primeiro-ministro Hassan Diab.

O porto foi completamente arrasado.

Em um país mergulhado em uma severa crise econômica, a tragédia gerou insegurança alimentar.

Quase "85% dos alimentos do Líbano são importados e passam por este porto", disse David Beasley, diretor do Programa Mundial de Alimentos (PMA) na segunda-feira.

Ele falou do porto, onde um avião descarregava geradores, guindastes e elementos para fazer depósitos temporários.

O objetivo é restabelecer alguns serviços "em duas semanas" para garantir o abastecimento alimentar do país.

"No estado atual, os libaneses terão pão por apenas mais duas semanas, por isso é essencial lançar essas operações", disse Beasley.

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