Homossexual e candidato, um caso inédito em Mianmar

Myo Min Tun decidiu se lançar na vida política quando seus amigos transexuais lhe contaram sobre a 'humilhação e violência da polícia' que estavam sofrendo

seg, 05/10/2020 - 09:58
Ye Naing Ye Imagem de Myo Min Tun, candidato pelo Partido dos Pioneiros do Povo (PPP), em 12 de setembro de 2020 em Mandalay, Mianmar Ye Naing Ye

"Eu não queria mentir". Myo Min Tun é candidato às eleições de 8 de novembro em Mianmar e decidiu não esconder sua homossexualidade em um país onde as relações entre pessoas do mesmo sexo ainda são ilegais, embora a mentalidade dos cidadãos esteja evoluindo a esse respeito.

O partido de Aung San Suu Kye, a Liga Nacional para a Democracia (LND), não fez praticamente nada pelos direitos da comunidade homossexual desde que chegou ao poder em 2015, de acordo com várias associações.

A lei herdada da era colonial britânica, que pune as relações homossexuais com até dez anos de prisão, não é mais estritamente aplicada, mas ainda está em vigor e é amparada por inúmeras atitudes de discriminação e de assédio, segundo seus críticos.

Myo Min Tun decidiu se lançar na vida política quando seus amigos transexuais lhe contaram sobre a "humilhação e violência da polícia" que estavam sofrendo.

"Percebi que não havia ninguém no Parlamento para falar sobre tudo isso", disse o candidato à AFP.

Em plena campanha eleitoral para renovar o Parlamento e as assembleias regionais, este florista de 39 anos, que aspira a um cargo de vereador em Mandalay (centro), decidiu então mostrar abertamente sua homossexualidade.

"Estou fazendo isso para abrir caminho, para que todas as pessoas LGBT saibam que podemos ser o que quisermos ser", diz o candidato, que também se dedica ao combate à aids em uma ONG.

No ano passado, o suicídio de um bibliotecário, suposta vítima de assédio homofóbico em seu local de trabalho, causou um profundo choque na comunidade homossexual.

A investigação livrou seus patrões de qualquer tipo de responsabilidade e acabou descrevendo o jovem como "fraco mentalmente", o que mostra os preconceitos neste país conservador.

No clero budista, por exemplo, ser gay é visto como punição pelos pecados cometidos em uma vida anterior.

- Fim progressivo dos tabus -

Mianmar está atrás de outros países asiáticos, como a Índia, por exemplo, onde a homossexualidade foi descriminalizada em 2018, embora o tabu esteja caindo lentamente na sociedade.

A Miss Mianmar Swe Zin Htet, representante do país no concurso Miss Universo 2019, teve a coragem de assumir publicamente sua homossexualidade no ano passado, poucos dias antes do concurso.

Em fevereiro, mais de 10.000 pessoas participaram de várias manifestações em Yangun para exigir que a homossexualidade não fosse mais considerada um crime.

Mas, para Myo Min Tun, é prematuro travar essa batalha, e é melhor se limitar - por enquanto - às discriminações sofridas no dia a dia.

O candidato soube que era gay aos 14 anos, quando se apaixonou por um colega de classe. Seu pai, já falecido, nunca aceitou a ideia.

"Sempre estive envolvido na minha comunidade", diz o candidato, que se recusou a ser candidato pelo LND, embora a formação política tenha muitas possibilidades de permanecer no poder após as eleições. A votação foi mantida, apesar do aumento de casos de coronavírus.

O candidato preferiu concorrer com o Partido dos Pioneiros do Povo (PPP), que se opõe à "discriminação e trabalha pela juventude", diz.

Criado há um ano, esse movimento ainda é cauteloso, porém, em todas as questões relacionadas à orientação sexual.

"Pode haver muitas reações negativas, se apostarmos na descriminalização da homossexualidade. Não é algo que preocupa as pessoas", disse a líder do partido, Thet Thet Khine.

Efetivamente, "temos um longo caminho a percorrer", reconhece Myo Min Tun.

COMENTÁRIOS dos leitores