Projeto cria lei para cuidador de portadores de Alzheimer

No Brasil, a maioria dos pacientes diagnosticados com a doença recebe cuidados de familiares e não tem apoio de programas sociais ou políticas públicas

sex, 22/01/2021 - 11:22

A arquiteta Míriam Morata, sem nenhum tipo de apoio ou conhecimento na área da saúde, foi cuidadora dos pais, portadores de Alzheimer, do início ao fim da doença, por não ter condições de pagar os cuidados profissionais. Com a morte de Encarnação e Rubens Novaes, ela abriu um grupo no Facebook para pessoas que poderiam se identificar com a história e notou que a grande maioria dos pacientes diagnosticados com Alzheimer no Brasil também recebe cuidados de familiares que não têm auxílio de programas sociais ou políticas públicas. Entendendo o tamanho do problema que a doença causa em inúmeras famílias, a cuidadora decidiu criar a Lei Míriam Morata, que está em discussão no meio político.

Segundo Míriam, os objetivos da lei são quatro: definir quem é o cuidador familiar, qual o perfil dessa pessoa e suas reais necessidades; definir quais os direitos desse cidadão que assume a responsabilidade de cuidar de um parente e abre mão de sua própria vida e saúde; responsabilidade civil, em relação a abandono material e afetivo dos filhos e parentes que deixam a responsabilidade de cuidar do paciente para apenas um membro da família; e apoio financeiro, com a criação do subsídio ao cuidador.

Junto com outros cuidadores, que são também advogados, Míriam elaborou o texto da proposta da lei, que está sendo discutido e divulgado. "Acredito que vamos conseguir tirar do cuidador familiar o manto da invisibilidade e fazer com que seja respeitado seu direito como cidadão e braço do Estado para responder a esse desafio que não está restrito à saúde pública, mas à economia, relações sociais, educação, entre outros", disse Míriam.

A doenca de Alzheimer e outras demências são desafios mundiais da medicina. Aproximadamente 50 milhões de pessoas que possuem tal diagnóstico. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que no Brasil, onde há mais de 29 milhões de pessoas acima dos 60 anos, quase 2 milhões têm demências, e cerca de 40% a 60% são do tipo Alzheimer. "Os dados são alarmantes, mas se considerarmos que a maioria das famílias não tem condições de contratar profissional para cuidar do seu parente, o Estado não tem estrutura para lidar com a doença, então estamos falando de mais de um milhão de pessoas que param as suas vidas, projetos, estudos, trabalho e muitas vezes se afastam da família para se dedicar o tempo inteiro a alguém que amam e que está morrendo lentamente", explicou Míriam.

"O cuidador tem uma atividade não remunerada, todos os dias está exposto às situações mais bizarras e assustadoras, convive com a orfandade mesmo que os pais estejam vivos e não consegue trabalhar, pois o paciente não pode ficar sozinho. Quando depende da aposentadoria do idoso para sobreviver, muitas vezes tem que ouvir dos familiares que está roubando. E depois que o paciente morre ele fica completamente despreparado para retomar sua vida", detalhou. A arquiteta já escreveu três livros (disponíveis na Amazon) contando as fases de sua experiência com os pais.

Míriam afirma que, geralmente, os parentes do portador de Alzheimer se afastam e apenas um familiar assume os cuidados e todas as sequelas dessa tarefa. Na visão dela, o cuidador pode desenvolver depressão, pânico, dores musculares, esgotamento físico e mental, dívidas, isolamento, não tendo condições de voltar ao normal sem apoio.

"Não existe lei que ampare essas pessoas e proteja seus direitos; muito menos políticas públicas que os ajudem a recuperar a sanidade e a saúde para retornar ao mercado de trabalho. Precisamos mostrar o tamanho do problema, não para despertar piedade ou admiração, mas para exigir que o Estado trate essas pessoas com a dignidade e o respeito que elas merecem, já que fazem o papel que o Estado não consegue fazer", reiterou. 

Veja os canais de Míriam Morata: No instagramacesse aqui. No Facebookaqui. Site Cuida de mim, aqui. 

Informar e orientar

 

Marta afirma que, com apoio dos grupos, é possível que a família identifique os sintomas da doença, busque o tratamento mais adequado e com isso aumentem as chances de um melhor resultado, além de retardar a evolução da doença. Quando há informação e conhecimento de que o comportamento daquele paciente ou daquele familiar já não é normal, orienta, e que faz parte de um sintoma, a família já sabe como lidar com isso. “Dentro do grupo de apoio, a partir das informações que ele (cuidador) vai ter, ele vai reconhecendo sintomas, vai identificando comportamentos com os quais não sabe lidar e vai aprendendo a partir da troca de estratégias. Cada família tem sua peculiaridade e ele vai pegando aquilo que pode adequar como estratégia”, explica.

A voluntária diz que outro fator muito importante no grupo social emocional é o trabalho da aceitação, porque a maioria dos familiares, apesar do diagnóstico fechado, nega a doença. Marta informa que a aceitação favorece a tomada de decisão, a adaptação emocional com relação ao paciente e favorece a criação de estratégias para lidar com os sintomas comportamentais que são freqüentes. “Outra coisa é a adaptação a essa nova realidade, buscar recursos disponíveis pra investir na qualidade da relação, porque é uma nova vivência. E, além disso, tem o convívio com as pessoas que passam pelas mesmas situações, troca de experiências que facilitam a busca de alternativas para situações complexas”, complementa.

Marta explica que o Alzheimer não tem cura, mas tem tratamento e este pode ser farmacológico ou não farmacológico, com estimulação de exercícios. O cuidador pode estar junto com o paciente fazendo as atividades.

O diagnóstico correto é o principal. O cuidador tem que buscar informações e a voluntária informa que a melhor maneira de buscá-las é participando de um grupo em que as pessoas conheçam a doença, fazer leitura, entre outros.

“Quando se procura um médico pra dar um diagnóstico é porque você já está percebendo que a rotina da pessoa (paciente) está mudando, que está havendo mudanças no funcionamento familiar, essa pessoa já não está mais respondendo daquele jeito, você já consegue perceber que há mudança no comportamento, que ela não fazia tal coisa e hoje faz, esquecimento exacerbado, desorientação temporal – coisas que chamam a nossa atenção no dia a dia porque interferem na nossa adaptação social, emocional e principalmente quando afetam aquela pessoa que era muito autônoma”, explica.

Família afetada

Marta diz que essas mudanças afetam os familiares. Quem cuida de um paciente começa a se estressar com ele quando não tem informações, explica, e há também o estresse gerado pelo aumento de responsabilidades. “Começa a ter um estresse até com relação à higiene, nutrição, tudo isso começa a ter alteração. Dessa forma, aumenta sobrecarga, a demanda de cuidados fica muito maior. Essas mudanças a gente percebe mais claramente quando estão relacionadas à tomada de decisões”, esclarece.

Quanto aos temas discutidos nos encontros dos grupos de apoio aos cuidadores, alguns são relacionados às questões que eles trazem, a sobrecarga do cuidador, os afetos, agressividade etc. “A gente precisa falar sobre autoestima, aceitação do cuidador, da importância dele passar pelo processo que é normal de negação, de raiva, de barganha. São várias coisas. Além de a gente fazer esse acolhimento emocional, lá o cuidador relata as questões familiares dele e a gente vai acolhendo ele naquilo que ele traz, nas dores e amores dele. Ao mesmo tempo cada um vai colocando a sua experiência, trazendo algumas estratégias e ele vai se sentindo pertencente ao grupo, vendo como a situação dele não é a pior e ele vai vendo que, apesar do Alzheimer, é possível ele ter uma vida social, cuidar de si próprio sem culpa e são esses temas que falamos dentro do grupo”, Marta explica.

Paciência e dedicação

Daniella Freitas, de 38 anos, cuida da mãe de criação Creuza Maciel de Moraes, de 89 anos, e as duas dormem no mesmo quarto. “Durante a madrugada acordo algumas vezes para trocar fraldas. Como estou sem trabalhar no momento, dou o café, banho e cuido quando estou em casa”, conta. Daniella diz que no início, para se informar sobre a doença de Alzheimer, costumava ver filmes, procurava na internet e algumas amigas falavam de alguns sintomas que vão aparecendo.

Daniella revela que tinha três meses quando passou a ser criada por Creuza, morou com ela a vida toda e sua relação com ela é de muito amor. “Éramos três: eu, ela e o esposo dela que eu chamava de avô. Então, ela é muito apegada a mim. Por exemplo, fui a uma consulta e ela ficou em casa toda hora chamando por mim. É só eu sair que ela fica agitada”, explica.

A atenção à higiene é muito importante, afirma Daniella. Para facilitar o deslocamento, Creuza ganhou uma cadeira de rodas. “Gosto de deixá-la sempre perfumada e com a fralda seca. Quando faz xixi, troco logo. Percebo que a fralda úmida a incomoda quando ela está deitada. A cama dela foi adaptada com um cercado de madeira, ficou igual a um berço porque ela só queria ficar levantando sozinha para ir embora pra casa dela (se referindo à casa que morava quando criança)”, continua.

Em relação aos desafios de cuidar de uma pessoa com Alzheimer, Daniella conta que ter paciência é um deles. “Teve uma fase dela recente que estava difícil alguém ter paciência. Eu estava esgotada. Às vezes ela passava duas noites seguidas sem dormir e nem eu dormia. Eu tive que pedir em casa pra terem compaixão comigo, porque eu precisava dormir. Minha imunidade baixou, fiquei com espinhas e ainda estou. Tirei um final de semana longe de casa, mas sempre estavam me ligando pra falar sobre ela, dizer que ela ficava me chamando, ligavam para perguntar sobre remédios etc”, revela.

Daniella relata que, apesar de não conhecer outros cuidadores, recentemente abriu uma caixa de perguntas em sua conta no Instagram e perguntou se alguém lidava com pessoas que possuem Alzheimer. Duas amigas responderam e elas trocaram informações. Ela também conta que não possui apoio de nenhum grupo social. “Tenho o (apoio) espiritual que foi o que tem ajudado muito”, finaliza. 

Por Ana Luiza Imbelloni e Isabella Cordeiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

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