Sem água, população adota papel da Compesa para sobreviver
Mesmo antes do novo calendário, a crise de abastecimento já era uma realidade na periferia do Grande Recife. Populares se apoiam na união para que não falte água nas localidades
Sobreviver com pouca água na Região Metropolitana do Recife (RMR) ficou ainda mais desafiador com o novo calendário de racionamento da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa). Mesmo com a necessidade do reforçar a higiene para controlar a pandemia da Covid-19, a companhia racionou o abastecimento. Desassistidos há mais de dois meses, assim como a água, populares apoiam-se na resiliência e se unem para enfrentar os impactos do atraso no serviço.
A capacidade de adaptação da água, que contorna obstáculos e permeia por percursos adversos, é percebida na comunhão entre os moradores da 1ª Rua Campo da Monta, em Jaboatão dos Guararapes. A maioria findou o contrato com a Compesa e reverteu os pagamentos para a construção de cisternas e poços particulares. Mesmo sem o serviço, a taxa mínima ainda chega, contudo, o papel que deveria ser da companhia é assumido por eles mesmos, que doam água aos vizinhos que não possuem reserva própria.
Um emaranhado de baldes e mangueiras toma os cômodos das residências já apertadas, que muitas vezes tornam-se berçários de mosquitos da dengue e outras doenças provenientes de água parada. Dona Maria das Graças é a principal doadora da rua e reclama que os calendários nunca foram respeitados. Ela aponta que última vez que chegou água à localidade foi no Natal passado.
O stress de não poder tomar um banho digno ou manter a casa limpa é convertido em métodos alternativos de captação, como ocorre na residência de Dona Maria José. Em um ponto alto de Moreno, na Rua Djalma Montenegro, ela já paga R$150 por dois carros pipa ao mês e afirma que não recebe água desde setembro do ano passado. O descaso da empresa fez o marido desenvolver um dispositivo para recolher a água da chuva que cai na calha.
Além de não respeitar o cronograma, muitas vezes a qualidade da água que chega não é indicada ao consumo. Ao abrir as torneiras, escorre um líquido sujo e barrento que não é usada para banho, nem garante a limpeza das pilhas de prato e roupas acumuladas. A condição desumana é subvertida com outro ensinamento da água, que é mole, mas persiste em transpassar a rigidez da pedra com perseverança.
No último dia 22, a Compesa anunciou a redução do serviço, que alcança de 10 municípios da RMR. De acordo com a entidade, a contenção na distribuição d’água é uma medida para contrapor a sequidão dos reservatórios decorrente de um inverno com baixos índices de chuva. Confira a tabela com o novo calendário de distribuição:
Paula Oliveira/LeiaJá Imagens
Procurada em três oportunidades pela reportagem, a Compesa não se pronunciou sobre a atual condição hídrica do estado, não deu prazo para a volta do cronograma tradicional, não respondeu sobre o desrespeito aos calendários anteriores, nem sobre o desabastecimento nas áreas visitadas.
O LeiaJá também questionou a companhia sobre a cobrança da taxa mínima e se a má qualidade do serviço não confere descontos ao consumidor. O espaço segue aberto para esclarecimento à população.