Caso Beatriz: mãe alega violência e omissão do governo

Recém-chegada ao Recife para cobrar de Paulo Câmara suporte ao caso do assassinato de sua filha, Lúcia Mota relembrou encontro em 2019, no qual a segurança do governo a teria agredido com cotoveladas

por Vitória Silva ter, 28/12/2021 - 17:30

A família de Beatriz Angélica veio ao Recife com um objetivo: solicitar que o Governo de Pernambuco recomende a federalização do caso que investiga o assassinato da menina de sete anos morta em 2015, em Petrolina, no Sertão do estado. De acordo com os pais e advogados, a investigação é repleta de vícios, contradições e manipulação de provas, o que tornou difícil o desfecho do crime, em aberto após seis anos e com várias outras perguntas sem resposta. Os interessados acreditam que o processo só poderá ser imparcial quando atingir a esfera federal.

Para isso, a família precisa da assinatura do governador Paulo Câmara (PSB) como referente do documento. No entanto, de acordo com a mãe de Beatriz, Lúcia Mota, o gestor estadual tem sido omisso durante todo o processo. Ela também acusa ter sido recepcionada com truculência pela equipe de segurança do governador, tendo recebido cotoveladas. A fala aconteceu em um dos discursos feitos pela professora no começo da tarde de hoje (28), no protesto em frente ao Palácio do Campo das Princesas, onde funciona a sede do governo.

“Governador Paulo Câmara, eu saí dia cinco de dezembro de Petrolina, caminhando. Anunciei essa caminhada 30 dias antes. O senhor foi incapaz de se posicionar. O senhor esperou uma mulher caminhar mais de 700 quilômetros para ser recebida aqui. O senhor se considera pai de família pra permitir algo nesse sentido? Isso é desumano, governador. A última vez que o senhor esteve em Petrolina, o senhor me recebeu na violência, me agrediu fisicamente. Foi desta forma e eu pergunto: o senhor vai atender o pedido dos coronéis de Petrolina ou o pedido do povo?”, perguntou a mãe.

Lucinha, como é conhecida, segurava um dos três modelos de requerimento preparados pela sua assessoria jurídica, que esperava uma recepção imediata e uma assinatura de Câmara. No entanto, até a publicação desta matéria, de acordo com a defesa da família e confirmado por Lúcia, a negociação com o governo ainda não tinha acontecido. O grupo que caminhou de Petrolina até o Recife, e os manifestantes, foram recebidos em frente ao palácio com grades, segurança e uma tenda pequena para abrigar parte do grupo do sol.

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O Governo de Pernambuco chegou a convidar Lúcia Mota e o marido, Sandro Romilton, pai de Beatriz, para uma conversa privada, mas a família recusou. A sugestão familiar é de que uma comissão formada por oito pessoas, incluindo os pais e o advogado, sejam recebidos juntos por Paulo Câmara, para honrar a luta conjunta à qual o grupo se dedicou nos últimos anos.

“São seis anos esperando, aguardando as promessas que não foram cumpridas. Por isso, nós caminhamos. Caminhamos por amor a Beatriz, caminhamos para que o governador se sensibilize como filho, como pai, como esposo, e que atenda nosso pedido que é tão simples e é uma obrigação do estado”, afirmou Lúcia Mota. A mãe diz que, caso não haja retorno definitivo, seguirá em frente ao Palácio. “Cansei de promessas. Eu não arredo o pé daqui e o que acontecer comigo, à minha saúde, é culpa do PSB”, continuou.

Corrupção, contradições e afastamentos

O maior motivo para o pedido de federalização é a crença da família em uma inércia proposital do aparelho público em Pernambuco. Começando pelo afastamento da delegada Polyanna Neri, que foi a primeira titular do inquérito que apura o caso. De acordo com a família, a servidora foi forçada a abandonar as investigações por atuar junto aos interesses dos familiares, e teria sido perseguida pelo delegado seccional de Petrolina e substituto no caso à época, Marceone Ferreira. Lucinha diz que os peritos fraudaram as denúncias apresentadas e que sabotam o inquérito de Beatriz, falando até em uma suposta "quadrilha de delegados e peritos".

Além disso, por falta de retorno do Ministério Público de Pernambuco, a família entrou com um pedido à Procuradoria Geral da República pela federalização das investigações, o que inclui o suporte investigativo de uma agência de peritos americanos que se ofereceram para ajudar no caso.

"A delegada Polyanna Neri pediu ao estado recursos, agentes e peritos que não fossem de Petrolina e isso estava argumentado no inquérito. O pedido dela não foi atendido. Eles simplesmente deixaram faltar até folha de ofício; combustível pra viatura ela só conseguiu porque eu precisei vir aqui, ameaçar fazer protesto e chamar a imprensa. Ela [a delegada] foi perseguida; eu presenciei ela sendo perseguida pelo delegado Marceone, enquanto fazia uma diligência que deveria ser sigilosa. Ela foi forçada a sair do inquérito. Polyanna Neri já está na sua terceira transferência. Isso é uma covardia", alegou Lucinha.

"Omissão do MP"

Antes da parada final no Palácio, o protesto se concentrou em frente ao MPPE na Rua do Imperador, no bairro de Santo Antônio. Lúcia Mota chamou a instituição de "cúmplice".

"Exatamente na hora em que esta mulher, esta mãe desesperada pedia por socorro, você sabe o que o Ministério Público fez? Se omitiu. Fez absolutamente nada. Fizemos uma denúncia formal. Sabe o que aconteceu? Nada. É assim com todos os inquéritos de Pernambuco; é o pior estado em resolver crimes contra a vida, porque este MP tolera a impunidade, ou seja, ele é cúmplice da criminalidade. Vocês são tão criminosos quanto aqueles que tiram a vida dos nossos filhos. Enquanto vocês protegem os assassinos, os nossos filhos estão perdendo as vidas", disse.

Após meses de organização, ‘vaquinhas’ e preparo físico, mas a família da menina Beatriz Angélica finalmente chegou ao Recife na manhã desta terça-feira (28). Em busca de justiça e respostas para o assassinato da criança, o grupo enfrentou 23 dias de uma caminhada liderada pela mãe da menina, Lúcia Mota, e que atravessou o estado de Pernambuco. A família Mota saiu de Petrolina, município do Sertão e localidade do crime, percorrendo 700 quilômetros até a capital.

O caso

Em 10 de dezembro de 2015, a menina Beatriz Angélica Mota Ferreira da Silva foi assassinada por 42 golpes de faca, aos sete anos de idade. A menina participava de uma festa de formatura no colégio Auxiliadora, instituição católica tradicional de Petrolina, e onde seu pai, Sandro, trabalhava como professor veterano de inglês. No dia, cerca de três mil pessoas circularam pelas dependências do colégio, que concentrou o evento na quadra de esportes. A última vez que Beatriz foi vista ela estava no bebedouro próximo à quadra e aos fundos da escola, por volta das 21h59. O momento foi registrado pelas câmeras de segurança.

Como Beatriz não retornou após pedir para beber água, com cerca de 20 minutos, os familiares anunciaram o desaparecimento da criança e uma busca geral foi iniciada. Momentos depois, o corpo da vítima foi encontrado atrás de um armário em uma sala de material esportivo desativada após um incêndio provocado por ex-alunos do colégio.

Um homem é apontado como possível assassino da menina, mas a Polícia Civil trabalha com a hipótese de que um grupo de cinco pessoas esteja envolvido no crime. O local exato da morte da criança também não foi descoberto. A família de Beatriz questiona a demora no caso e a ausência de respostas para algumas perguntas, como a localização dos DNAs encontrados na cena do crime; a reforma feita na sala de balé – que não foi periciada – próxima à sala onde a vítima foi encontrada; a demora para o isolamento do prédio; dentre outras questões.

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