Festival aborda poder e resistência da ancestralidade

Realizado pelo projeto “Moquém Mairi: diversos mundos, diversas economias”, nos dias 20 a 22 de outubro, em Belém, o evento debateu e movimentou a economia com bate-papos e feira

dom, 23/10/2022 - 08:34

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O Festival de Saberes Ancestrais reuniu, em palestras e rodas de conversa, no Museu do Estado do Pará (MEP), em Belém, temáticas sobre os povos ancestrais. Em seu segundo dia de encontro, o festival contou com a presença de diversos nomes reconhecidos, como o líder indígena e ambientalista Ailton Krenak, a escritora e ativista Márcia Mura, o escritor e ativista da causa quilombola Nêgo Bispo e a ativista ambiental e cultural Claudete Barroso.

Ailton Krenak realizou o ato decisivo para a inclusão do Artigo 231 na Constituição de 1988, conhecido como “Capítulo dos Índios”, na Assembleia Nacional Constituinte, em 1987. Enquanto discursava, o líder indígena pintava seu rosto com pasta de jenipapo. Ao relembrar do ato, Krenak afirma que a fala foi espontânea, mas baseada na sua experiência de mobilização política com povos originários.

“Eu não imaginava que a gente fosse ter o desenvolvimento da história brasileira recente de ter um presidente da República que ameaça o povo indígena, um genocida que fica dizendo que nós não teremos mais nem um milímetro de terra indígena demarcada. Essa gente que não gosta do povo indígena, o tempo deles passa rápido. Eles passarão, nós passarinho”, disse, citando o poeta Mário Quintana.

Durante a mesa de conversa, Krenak abordou a naturalização do consumo de alimentos industrializados pelos brasileiros e frisou sobre o direito à vida que todos os serem têm. “Belém é cheia de ofertas interessantes para a cultura, para quem está aqui na cidade participar de todo tipo de evento”, declarou.

O líder indígena, que é, também, autor de cinco livros, falou que não se considera um escritor, visto que vem de uma tradição oral e, assim, seus primeiros livros foram feitos: ele falou, os textos foram gravados e, posteriormente, publicados. “Quando eles me designaram para aquele prêmio literário, o Juca Pato, em 2020/2021, eu disse: ‘Vocês estão querendo premiar um escritor? Eu não sou um escritor, eu sou um contador de histórias’. Mas, mesmo assim, eu tenho um bonequinho Juca Pato na minha prateleira”.

O futuro é agora, de acordo com Krenak e Márcia Mura. Para a ativista, o futuro depende dos antepassados, da ancestralidade e dos saberes. Márcia luta pela existência do seu povo, os Mura, apesar de todas as camadas de colonização. “O nosso modo de ser Mura está vivo. Enquanto houver uma Mura lutando, vai haver resistência. E é assim que eu sigo, nessa resistência”, ressaltou.

Para Márcia, o festival foi uma grande realização de fortalecimento que trouxe a presença de ensinamentos de seus “parentes”, o que lhe deu força. Ela relembra da importância da valorização de tecnologias ancestrais – como casas de palha, esteiras e panelas de barro –, visto que não representam atraso ou empobrecimento, mas, sim, bem viver e saúde.

“É essa força, de toda essa ancestralidade, junto com outras pessoas, que Namãtuyky (o grande criador, na cultura Mura), os ancestrais e as ancestrais colocam no nosso caminho, que faz a gente se sentir vivo, viva; e tenha força para que, apesar de toda essa colonização, esses projetos de morte, a gente continue lutando para que o nosso bem viver se mantenha e a gente continue conectado com esse ambiente inteiro”, frisou.

Nêgo Bispo, piauiense, ativista da causa quilombola e uma das principais vozes do pensamento das comunidades do Brasil, disse que participar desse encontro é reviver sua ancestralidade. O ativista afirma que o sentimento de dever cumprido é satisfatório.

“A minha alegria é saber que a geração neta está dialogando com a minha geração avó e eu faço parte desse elo de ligação, através das oralidades e das escritas. Então, isso me deixa com a sensação de que a minha passagem por esse mundo é resolutiva, e eu me sinto uma pessoa que está conseguindo cumprir sua missão”

Kauacy Wajãpi, representante de etnia que vive na região do Oiapoque, no Amapá, faz parte da associação multiétnica Hykakwara e ressalta a relevância do Festival de Saberes Ancestrais, que traz a importância da identidade indígena que ressurge a partir das lutas dos povos em retomada e reconexão com seus territórios.

“Nós temos parente à frente de um evento muito importante, agregando personalidades indígenas e negras, e de pessoas que estão falando muito sobre o ecossistema, sobre a questão da nossa sobrevivência, não só questão da região Amazônica, mas mundial”, disse.

Kauacy também falou sobre o processo de apropriação e identificação indígena que ainda está sendo contido.

“Quando nós tentamos lutar e tentamos avançar, novamente somos reprimidos com as mortes, invasões de terras e os estupros que acontecem quase que sempre. Então, dói muito para nós como povos indígenas dentro desse território não poder nos afirmar como indígenas”, ressaltou.

A ativista ambiental e cultural Claudete Barroso faz parte do projeto Alegria com Água Doce Mirim, que tem o objetivo conscientizar crianças e adolescentes e garantir a valorização do patrimônio cultural da ancestralidade dos povos através das músicas de carimbó.

“O carimbó é um estilo de vida, não é apenas uma dança, não é apenas uma música, ele é a vida, é ancestralidade, é o toque do coração no próprio curimbó, é a força histórica ancestral. A gente canta em nossas músicas a nossa vida, nosso lugar de pertencimento, isso é necessário”, concluiu.

Por Amanda Martins, Lívia Ximenes e Clóvis de Senna (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).

 

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