Futuro da pílula abortiva nos EUA em jogo no Texas

Em novembro, uma coalizão de médicos e de grupos antiaborto entrou com uma ação contra a agência responsável pelo setor de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos

qua, 15/03/2023 - 09:55
Elisa WELLS Pílulas abortivas mifepristona e misoprostol Elisa WELLS

A pílula abortiva poderia ser proibida nos Estados Unidos? Seu futuro será decidido nesta quarta-feira (15) diante de um magistrado ultraconservador, a quem os opositores ao aborto pedem a suspensão de sua autorização.

Matthew Kacsmaryk, que foi advogado de uma organização cristã antes de ser nomeado juiz federal pelo então presidente republicano Donald Trump, ouvirá os argumentos das partes no tribunal federal de Amarillo, no estado do Texas.

Mais tarde, ele emitirá sua decisão sobre o caso, que ameaça ter um impacto social tão retumbante quanto a decisão da Suprema Corte que implodiu, em junho passado, o direito ao aborto.

Desde então, 15 estados conservadores proibiram qualquer modalidade de aborto em seu território, e outros, como a Flórida, estão em processo de restringir severamente a prática.

Para Alexis McGill Johnson, presidente da associação de planejamento familiar Planned Parenthood, “o caso Amarillo é um alerta para todos aqueles que pensavam que não os afetava”, porque vivem em estados que protegem o direito ao aborto. A decisão do juiz Kacsmaryk pode ser estendida a todo o país.

"Estamos claramente muito preocupados, como toda a comunidade médica deveria estar. Seria uma primeira vez muito perigosa", acrescentou Johnson, em um comunicado.

'Política antes da ciência' 

Em novembro, uma coalizão de médicos e de grupos antiaborto entrou com uma ação contra a agência responsável pelo setor de medicamentos e alimentos nos Estados Unidos (FDA, na sigla em inglês) por ter autorizado, há 23 anos, o mifepristone (RU 486). Este é um dos dois comprimidos usados para a interrupção médica da gravidez.

Os demandantes acusam a FDA de ter escolhido "a política no lugar da ciência", ao aprovar um produto químico que pode criar complicações, e de ter "excedido suas competências".

Solicitaram que, enquanto se examinam os argumentos substantivos, a autorização do mifepristona seja suspendida em todo o território.

Estrategicamente, levaram seu recurso para Amarillo, cidade do Texas distante dos grandes centros urbanos, onde Kacsmaryk é o único juiz federal. Seu perfil e sua suposta oposição ao aborto levantaram preocupações nas fileiras dos defensores do direito ao aborto. Alguns deles protestarão na frente da corte na quarta-feira.

“Parece incrível que um simples juiz do Texas possa tomar uma decisão que afetaria um produto que foi aprovado pelas autoridades de saúde e é comercializado de forma segura há mais de 20 anos”, disse à AFP Elisa Wells, cofundadora da Plan C, uma rede de informação sobre pílulas abortivas.

Mais da metade dos abortos médicos

Uma decisão dessas seria "devastadora para as mulheres", denunciou a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, há dez dias.

Desde o ano 2000, mais de 5,6 milhões de mulheres usaram essa pílula nos Estados Unidos e pouco menos de 1.500 tiveram complicações subsequentes.

Hoje, a maioria (53%) das interrupções de gravidez no país são médicas, um procedimento menos invasivo e menos custoso do que os abortos cirúrgicos.

A decisão do juiz Kacsmaryk pode ser alvo de recurso na Corte Federal de Apelações de Nova Orleans, também conhecida por seu conservadorismo. O caso pode, ainda, voltar para a Suprema Corte, que, desde sua remodelação por Trump, tem seis juízes conservadores do total de nove membros na Casa.

E, se a Justiça suspender a autorização da FDA, provavelmente levará vários meses até que sua decisão seja implementada. Segundo especialistas, a agência reguladora de medicamentos deve seguir um procedimento antes de retirar a autorização de um produto.

As mulheres e os médicos também podem recorrer a uma segunda pílula, o misoprostol, cujo uso hoje é combinado com o mifepristona para aumentar a eficácia e reduzir a dor.

“De qualquer forma, acho que será caótico, quando o juiz tomar sua decisão”, antecipa Elisa Wells.

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