‘Estamos ousando ser protagonista’, diz liderança negra
Liderança na luta por moradia de Caranguejo Tabaiares, Sarah Marques, fala sobre importância da representatividade feminina negra na política
Mais que nos outros dias, neste 8 de março, Dia Internacional da Mulher, é importante ressaltar a ausência da representatividade feminina e preta em cargos de poder, como no legislativo e no Executivo, ainda que tenha tido um avanço da ocupação dessas cadeiras após o assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco (PSOL). Desta forma, a liderança na luta por moradia de Caranguejo Tabaiares, Sarah Marques, explicou que a mulher preta periférica teve que sair do protagonismo dentro da comunidade e ir para a rua.
"A gente precisou ir para a luta porque não tinha ninguém que nos representasse no legislativo e nem no Executivo, quando a Prefeitura se aliou ao poder imobiliário e quis tirar a nossa moradia. A comunidade de Caranguejo Tabaiares é localizada na Ilha do Retiro, Zona Oeste do Recife.
Para Sarah, a representação de mulheres pretas e periféricas na política significa uma possível mudança de mundo. "Só sabe lutar por comida quem passa fome. Só sabe lutar por melhor distribuição de renda quem deixa os filhos com fome para ir à luta. Essa representatividade feminina é muito importante, porque nós vivemos a cidade de outro jeito, de outras formas, seja na segurança pública, na forma de andar na cidade, que é diferente da forma dos homens. As dores das mulheres negras sendo representadas no legislativo, executivo e judiciário transforma o mundo. Só nós sabemos a dor de uma cidade esquecida", salientou.
Mesmo sendo 52,5% do eleitorado, as mulheres negras têm apenas 15% das vagas no parlamento brasileiro nas eleições de 2018 e 2020.
"Sempre estamos em duas cidades: uma pavimentada e organizada, e uma esquecida. Sejam cidades que tenham quilombolas, favelas, aldeias, que nessa parte somos as mulheres negras que chefiam as famílias com pouco dinheiro", disse.
Marques declarou que não é de agora que as mulheres entenderam a importância e necessidade de entrar na política, "sempre tivemos nas discussões". "Mas a gente nunca era quem representava. Aqui no Brasil a última que ousou ser mais protagonista foi Marielle, e eles a mataram para calar outras vozes mas, na eleição seguinte, conseguimos eleger muito mais mulheres negras no parlamento. A gente tá ousando ser protagonista mesmo com toda ameaça. É importante que nossas meninas e meninos das comunidades vejam que as mulheres não protagonizam apenas seus lares, temos condições também de sermos protagonistas na política, nas discussões e na execução de política", ressaltou.
Questionada se o partido político interfere na atuação política, Sarah foi direta: "as alianças dos partidos não são o que representam as mulheres negras, as faveladas". "Às vezes a formação do partido é de uma linha que não vai de encontro com as nossas pautas. Quando as mulheres têm condições de serem protagonistas da sua própria história, de bancar a sua vida de outras formas, ela consegue mexer na política sem ser apenas partidária. Mas é preciso ter mulheres dentro dos partidos, mulheres negras, que tenham firmeza, já que muitas siglas não seguem a nossa linha de defesa por sermos mulheres negras periféricas".
Ela chamou atenção para o olhar não apenas para as mulheres intelectuais, mas para todas elas. "Os partidos precisam olhar para as mulheres negras e periféricas, não só as intelectuais, que estão nas universidades ou fizeram universidade, mas as que levantam cedo para varrer a sua casa, defender seu território. Na pandemia, por exemplo, mulheres negras fizeram a frente de combate à fome, à Covid-19, e muita gente só se alimentou na pandemia porque elas estavam de frente a essas discussões", pontuou.