Alterações na Lei de Alienação Parental: o que muda?

O LeiaJá conversou com uma especialista para abordar o impacto jurídico e prático das novas definições. Confira

por Vitória Silva sex, 03/06/2022 - 14:55
Unsplash Por lei, alienação parental agora contempla novas práticas de coerção e manipulação familiar Unsplash

Não avisar sobre eventos escolares, não incentivar a criança a ir à casa do pai ou da mãe ou mudar de endereço com o objetivo de dificultar a convivência são considerados atos de alienação parental, de acordo com o novo texto da Lei 12.138 de 2010, alterado no último dia 18 de maio. A mudança também aproxima o Ministério Público da atuação em prol da criança e do adolescente. 

De acordo com o projeto sancionado, se houver indícios de violação de direitos de crianças e adolescentes, o juiz deve comunicar o fato ao MP. A proposta começou a tramitar no Senado apresentado pelo então senador Ronaldo Caiado (GO). Ao tramitar na Câmara, o texto foi apensado a outras 13 proposições e voltou ao Senado com uma série de mudanças propostas na Lei da Alienação Parental e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069 de 1990).  

O texto aprovado, porém, levantou questionamentos sobre a participação e o interesse equilibrado de ambas as partes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mães representam a maioria dos lares de referência em casos de guarda compartilhada ou unilateral após o divórcio. Assim, debates sobre o peso exercido pela nova alteração à rotina da maternidade voltaram à tona recentemente. 

Para repercutir melhor o assunto, o LeiaJá convidou uma especialista jurídica, que esclarece ao leitor os impactos jurídicos e práticos da mudança. Confira a entrevista abaixo. 

— Convidada: Lorrana Gomes, advogada e consultora jurídica pela OAB-MG 

LJ: Qual o entendimento jurídico desta alteração? Dentro do âmbito da alienação, em que implicam essas atitudes? 

LG: Na realidade, o direito não é só com base na lei, mas também com base em doutrinas e jurisprudências. Então, apesar da lei ter sido sancionada agora, a gente já tinha algumas decisões que eram consideradas alienação, como não comunicar as atividades escolares ou qualquer coisa que afaste a convivência da pessoa com a criança. Assim, o que aconteceu foi uma formalização de algo que, na realidade, já era conhecido. Do ponto de vista jurídico, a alteração veio para trazer mais segurança jurídica, e maior cautela para os pais e cuidadores na tratativa em relação aos filhos, principalmente quando há uma guarda compartilhada ou unilateral.  

LJ: Chama atenção a não realização de algumas atualizações sobre o cotidiano da criança e/ou adolescente. Se sabe que as mães são maioria na responsabilidade legal com os filhos após o divórcio. As novas medidas podem acabar sendo um peso a mais para a maternidade? 

Na prática, o que tem é uma formalização da necessidade de uma comunicação a respeito da vida da criança por aquele pai detentor da guarda. Em uma guarda compartilhada, normalmente, o lar de referência é materno. Nada impede que seja o pai ou outra pessoa da família, mas comumente, a criança fica com a mãe. O pai tem o direito de saber do cotidiano da criança. Logicamente, os eventos escolares, por exemplo, ficam disponíveis no calendário letivo da escola. O próprio pai pode estabelecer uma comunicação com a escola e procurar saber. O que não pode haver é uma ocultação, de forma a tentar afastar a figura paterna ou materna da criança. Não necessariamente a mãe tem que comunicar tudo o que acontece na vida da criança. 

Por exemplo, se a criança vai para a escola, não tem necessidade de isso ser comunicado. Seriam coisas mais excepcionais. Mandar o calendário já seria comunicar a pessoa. Se houver algum questionamento, porém, ele tem que ser respondido, a respeito da criança, pois é direito da pessoa. Se o pai ou genitor é um pai ausente e não procura saber, não visita a criança, não há necessidade alguma da mãe ficar comunicando algo. No caso de acontecer algo muito grave, como a criança ser hospitalizada, eu aconselho comunicar, ainda que o pai seja ausente, para evitar situações posteriores. 

LJ: As novas definições podem livrar um dos responsáveis de suas responsabilidades? Elas deixam brechas para que se crie mais atritos na relação entre os pais e a criança?  

LG: Eu não vejo como um ponto negativo porque, por mais que a pessoa tenha praticado a alienação parental, ela tem uma autoridade sobre aquela criança que não pode ser retirada de fato. Eventualmente, é necessário que a autoridade seja exercida, não necessariamente sem ser penalizada. Existem inúmeras penalizações. Vejo essas alterações como alterações singelas e que não trazem tanto impacto em como as coisas já são aplicadas. É necessária uma atualização das normas, conforme a modernidade. Antigamente não tinha essa necessidade de comunicar a rotina escolar, mas hoje é muito fácil fazer isso. É importante que sejam feitas essas alterações para que vejamos que o tema é importante, não foi esquecido e que o maior prejudicado é a criança. 

LJ: Como pais e responsáveis podem mediar e se proteger, além de proteger a criança, nessas situações? 

LG: Sempre que os pais estejam diante de uma situação de alienação parental, é necessário fazer um boletim de ocorrência, porque se trata de um quadro criminoso. É muito importante um registro do fato, reunir o máximo de provas possíveis e procurar um acompanhamento jurídico: advogado, defensoria pública ou até mesmo o Ministério Público, que pode intervir nesses casos, quando há interesse de menor. A melhor forma de se proteger da alienação parental é não descontar o relacionamento do casal na criança. Se o casal passou por brigas, traição ou entraves, seja qual for o motivo da separação, não se deve utilizar a criança como mecanismo de vingança. "Não vai pegar o meu filho, não vai ver o meu filho"; a criança e o adolescente não têm culpa de absolutamente nada e não podem ser penalizados. É um trabalho mais terapêutico, psicológico mesmo, dos pais, no ato da separação. 

LJ: Como a alienação parental pode afetar a vida de uma criança e/ou adolescente? 

LG: Uma criança ou adolescente vítima de alienação parental pode ter problemas em inúmeras esferas da vida. O profissional mais habilitado para avaliar é um psicólogo, mas da minha experiência, é incontestável que as consequências psicológicas na vida do ser humano, quando ele é vítima de alienação, caminham e o acompanham pelo resto da vida. Isso vai interferir na forma como ele se relaciona, educa os próprios filhos. Esse é o momento da construção do ser humano e será refletido o que a pessoa passou na infância. É muito importante a proteção do convívio harmônico.  

Mais sobre a alteração na Lei 12.138/2010 

A nova norma retira a suspensão da autoridade parental da lista de medidas possíveis a serem usadas pelo juiz em casos de prática de alienação prevista anteriormente na Lei 12.138 de 2010 (Lei da Alienação Parental). De acordo com a legislação, alienação parental caracteriza-se pela interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida por um dos pais, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou prejudique os vínculos com um dos pais.   

A lei assegura à criança e ao genitor a visitação assistida no fórum em que tramita a ação ou em entidades conveniadas com a Justiça, com exceção dos casos em que há risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou adolescente. Outro artigo prevê que a concessão de liminar deve ser preferencialmente precedida de entrevista da criança ou do adolescente perante equipe multidisciplinar. 

 

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