PE: Raquel Lyra e o suspense sobre o seu secretariado

Cientistas políticos ouvidos pelo LeiaJá avaliam a demora no anúncio dos nomes que vão integrar o primeiro escalão da gestão da tucana

qua, 28/12/2022 - 19:40
Divulgação A governadora eleita em Pernambuco Raquel Lyra (PSDB) Divulgação

A demora da governadora eleita Raquel Lyra (PSDB) em anunciar o secretariado vem causando estranheza em Pernambuco, dado os poucos dias para a posse, em 1º de janeiro. Questionadas, Raquel e a vice-governadora eleita Priscila Krause (Cidadania) respondiam que o anúncio seria feito no “momento certo”, eis que, segundo o JC, depois de informar que o secretariado seria apresentado no dia 2 de janeiro, um dia após a posse, a tucana deverá fazer o anúncio de todos os nomes na quinta-feira (29).

De acordo com o cientista político da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Arthur Leandro, o anúncio da composição do secretariado encontra-se entre o encerramento da eleição o começo do governo e que a demora na divulgação é característica dos grupos “que não se elegem com o apoio político parlamentar necessário para viabilizar o governo”. O especialista explicou que, sendo assim, é preciso fazer uma grande negociação para “ver como acomodar os múltiplos interesses da frente política encarregada de viabilizar aquela eleição”. 

“Nesse sentido, é previsível que tanto no governo federal quanto no estadual, tenhamos esse atraso na definição do ministério e do secretariado. O caso de Raquel não é muito diferente de Lula [que falta nomear alguns ministérios] do ponto de vista da representatividade da legenda e da frente política que a elegeu. Ela não tem base parlamentar na Alepe [Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco], então precisou construir esses apoios a partir das forças políticas que estão representadas no governo. Já que o PSB é o partido com maior representatividade na Casa, Raquel precisa negociar e contemplar esses interesses”, detalhou Arthur Leandro. 

A cientista política Priscila Lapa explicou que a maioria dos governantes eleitos anunciam a composição de forma imediata para contemplar os aliados políticos e reduzir as expectativas e especulações. “Se observa que Raquel tem uma conduta diferente. Não sabe se é uma escolha ou por indecisão, fica muito na dúvida se há uma indecisão de fato ou se ela tem tido dificuldade. E a terceira hipótese ventilada desde a eleição é de que ela não tem perfil de fazer boas composições políticas e que ela privilegia muito a questão técnica e acaba não privilegiando as questões políticas, o que está sendo um entrave para a formação e estruturação do governo”, afirmou.

“Pode ser um pouco dos três, mas o fato é que isso já tem uma consequência prática: uma arrumação das forças políticas na Alepe independentemente dessa construção de governo. Isso pode ser um gargalo de ter uma Alepe não tão alinhada com o estafe governamental. Além disso, também não teve a oportunidade de haver transição de Secretaria para Secretaria e acabou havendo uma transição genérica sem a composição mais específica”, complementou Lapa.

Por sua vez, o mestre em ciência política pela UFPE, Antônio Fernandes, relembrou que a demora em anunciar o secretariado faz parte do estilo de trabalho da governadora eleita, “já que em Caruaru ela também anunciou o secretariado bem próximo da posse”. “Não diria que é uma falta de diálogo, pois provavelmente quem irá assumir alguma pasta já deve ter recebido o convite. A governadora eleita está deixando apenas o anúncio para o final do ano. Quem irá para o Executivo já deve estar se inteirando das suas futuras competências e desafios”, disse. Fernandes comentou o “certo vácuo sobre como serão os primeiros dias de governo, quais prioridades”, mas que isso se “dissipará” com o início da gestão.  

Transição

O fato da coordenadora da equipe de transição, Priscila Krause, ter aparecido sem a presença da cabeça de chapa, Raquel Lyra, na segunda-feira (26), para apresentar o balanço realizado pela equipe de transição, deu destaque ao protagonismo da vice-governadora eleita no futuro governo. 

A cientista política Priscila Lapa afirmou que essa tem sido uma marca diferente desse governo, e observou que Lula (PT) também deu um protagonismo a ao seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), “mas não no nível de Raquel e Priscila”. “Elas dão a entender que realmente dividem tarefas dentro do governo, sem contar com essa experiência política que Priscila tem de transitar nas finanças públicas; não que Raquel não tenha esse domínio, mas parece que é uma área que Priscila atua com muita tranquilidade. Acho que a delegação dessa função para ela evita que Raquel fique na linha de frente”. 

Antônio Torres, por sua vez, reafirmou que o resultado final da transição “deixou evidente a independência que Priscila teve, com uma apresentação focada nas contas públicas do Estado, uma marca já conhecida da futura vice-governadora durante o seu período parlamentar”. 

Já Arthur Leandro pontuou que Priscila “gozava de maior visibilidade política em Pernambuco, pelo menos na Região Metropolitana do Recife, mesmo em comparação à governadora". Segundo ele, Krause tem “brilho próprio”. “Ela tem uma grande caminhada e se mostrou fiel à governadora. Priscila chamou para si a responsabilidade pelo processo de transição e também pela solicitação e pelo trabalho de levantamento de resultados do governo que agora se despede”, disse. 

Incongruência nas informações

Na divulgação do balanço da transição, a vice-governadora eleita apontou incongruências nos dados apresentados pelo governo Paulo Câmara (PSB) em relação aos verificados pela equipe de transição do governo eleito. 

De acordo com Priscila, há uma diferença entre os números e a realidade que está sendo vista, e que houve uma aceleração de gastos com contratações nos últimos meses da gestão. No dia seguinte, na terça-feira (27), o atual governo realizou uma coletiva com o secretário da Fazenda, Décio Padilha, para rebater os dados apresentados por Krause

A “guerra de números” é comum durante determinado período na transição entre um governo e outro, como explicou a cientista política Priscila Lapa. “Vamos nos deparar com isso até que o processo político entre nessa rota de normalidade, porque já faz parte do confronto. Toda vez que está na transição de um governo há muito tempo no poder e um outro assume, é natural que haja essa desarrumação”, afirmou. 

“A gente não estava mais habituado a ver, porque vimos sucessivas gestões do mesmo partido no âmbito estadual e até na capital, que a gente via uma sucessão dentro do próprio núcleo político. Fazia tempo que a gente não via transição entre grupos distintos. Certamente essa questão dos números sempre virão à tona com referência, uma vez que os desafios acontecerão, certamente algumas questões que o governo vai ter dificuldade de entregar de forma mais imediata vai sempre fazer referência a essa dificuldade”, complementou a especialista. 

Ao corroborar com Lapa, o cientista político Arthur Leandro relatou que, muitas vezes, a “incongruência de informações se deve mais ao modo que elas são apresentadas do que exatamente a invenção de histórias que sejam incompatíveis com a realidade”. “Até porque os dois grupos buscam se documentar e apresentar as informações do modo que seja mais interessante do ponto de vista político”, disse.

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