Dança: como trabalham os que escolhem viver da arte?

Profissionais da área ainda enfrentam problemas relacionados à ausência de piso salarial e falta de reconhecimento

por Rebeca Ângelis qui, 14/07/2016 - 15:18

O que você quer ser quando crescer? Certamente, quem optou em responder ser dançarino ou viver da arte, já vivenciou momentos de críticas. Mas por que a dança ainda é motivo de dúvidas para uma carreira solidificada? O Portal LeiaJá retrata nesta quinta-feira (14), pelas visões poéticas e dançantes desse cenário, como está o mercado da profissão.

Surgimento

Definida como uma das três principais artes cênicas da antiguidade, em companhia com o teatro e música, a dança surge na época pré-histórica, quando os homens batiam os pés no chão emitindo sonoridade e ritmos. Com o decorrer das evoluções humanas, outras performances foram aprimoradas e são sempre recriadas, transformando o mundo contemporâneo no mercado da dança.

No Recife, a categoria começou a debater a criação de uma graduação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) no início da década de 80, através de um projeto criado pela professora da instituição, Helena Pedra, mas não obteve sucesso. Em 2005, com um grupo maior, formado por profissionais da área, integrantes do Movimento Dança Recife (MDR), o processo de reivindicação e discussão sobre a implementação do curso na UFPE ganhou mais força.

Depois de muita luta do MDR, o curso de licenciatura em dança foi autorizado em 2008 e teve seu início em 2009, pela Federal, que tornou-se a única em Pernambuco a oferecer a modalidade para o público. A graduação comporta uma turma de 30 alunos, no horário da noite e possui carga horária de 2.880 horas, que já passa por análise para acréscimo de mais 400 horas, de acordo com nova reforma curricular exigida para a formação, que entrará em vigor brevemente.

Em contrapartida desse mundo acadêmico, o público que compõe o cenário da dança no Recife também soma uma parcela do mercado de trabalho informal. Alguns dançarinos executam suas experiências na dança e tornam-se profissionais experientes diante de longas datas de práticas exercidas, sem necessariamente ter que ingressar em uma universidade. Inexistência de um piso salarial e falta de reconhecimento são alguns dos problemas que envolvem a informalidade na arte.

O olhar de quem faz

Integrante do MDR, desde a época que o grupo lutou pela inserção da graduação na UFPE, Mônica Lira tem uma trajetória de 22 anos no cenário da dança. A profissional também é diretora e dançarina do Grupo Experimental. Ela ressalta que a criação do movimento político e conquista do curso tiveram como objetivo principal mostrar que a modalidade pode ser feita sem informalidade e com formação acadêmica. “Hoje temos universidades em quase todo o Brasil, porque a dança é uma linguagem específica, com um fazer muito próprio. A criação do curso era fundamental, porém, o grande fator duvidoso, infelizmente, ainda é o que fazer depois da conclusão do curso, para onde seguir”, revela Mônica, destacando as dificuldades de quem escolhe fazer parte do mercado, diante do atual cenário para quem escolhe viver da arte.

Mônica Lira ainda acrescenta que há escassez da execução da Lei Rouanet em Pernambuco, que consiste em instituir políticas públicas voltadas para a cultura. Segundo a dançarina, não existem investimentos em companhias formalizadas e balés municipais, tornando os trabalhadores em verdadeiros nômades da capital de origem ou até mesmo do país para conseguirem sobreviver na mesma profissão. No vídeo a seguir, Mônica dá mais detalhes do cenário da dança:

A Professora e ex-coordenadora do curso de dança da UFPE, Letícia Barreto, também fala das lutas constantes que o curso enfrenta para se manter consolidado no mercado, bem como, ressalta a importância dos estudos interdisciplinares que a grade possui, tornando os estudantes profissionais práticos e teóricos. “A inclusão do curso é um grande diferencial para o segmento da dança, principalmente para o conhecimento do corpo, do bem estar da mente e da saúde. Na ementa há várias disciplinas que agregam o entendimento interpessoal e profissional”, complementa Letícia. Confira na íntegra a entrevista concedida pela professora ao Portal LeiaJá:

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Aluno do 8º período do curso de dança na UFPE, Edson Vogue esclarece que desde muito jovem, antes mesmo de ingressar na universidade, já dançava e trabalhava na área, mas que mesmo agora, perto de concluir a graduação em licenciatura, não vê muita diferença financeira em relação ao acolhimento do mercado com quem possui diploma e quem trabalha informalmente. “Tanto quem tem curso superior, como quem tem já segue carreira artística, com as experiências adquiridas em companhias e grupos de dança, mesmo sem ser formado, ensina em diversos locais como professor. Geralmente não há diferença entre os salários. Em algumas situações, os professores também são sujeitos a trabalhar sem carteira assinada. Em contrapartida, ter mais uma experiência no currículo enriquece, até porque o mercado é composto de muitos dançarinos e as oportunidades de trabalho nem sempre estão de acordo com essa demanda”, afirma Vogue.

Além da trajetória na licenciatura, o curso também possibilita trabalhar apenas dançando. A exemplo de Lilli Rocha, formada em artes cênicas, ela trabalha profissionalmente com dança, por meio de estudos e ensaios para composições de espetáculos, e se diz realizada com o que faz. Mas, afirma que gostaria de ver o cenário ser reconhecido profissionalmente, tendo em vista que sua função torna-se instável, diante da falta de visibilidade do poder público.

Mercado

No Brasil, a dança tem um importante papel cultural, mas ainda caminha vagarosamente, por não ter o reconhecimento merecido. A implementação de graduações ainda é restrita nos estados, bem como, o mestrado na área, que se resume apenas a Universidade Federal da Bahia (UFBA), criado em 2005.

De acordo com profissionais da área, quem escolhe trabalhar como professor em academias, escolas ou outras instituições, tem uma média salarial equivalente às escalas de horas-aulas: de R$ 1 mil a R$ 2 mil. Já os dançarinos profissionais se dividem em companhias estáveis e independentes. As rendas variam de  R$ 3 mil a R$ 4 mil, e de R$ 1 mil a R$ 2 mil, respectivamente.

Saiba mais: O Grupo Experimental está produzindo um documentário que propõe causar questionamentos sobre as dificuldades e conquistas de quem escolhe a arte como atividade profisisonail e como forma de obter qualidade de vida. O projeto tem previsão de exposição para o mês de agosto, durante a Mostra Brasileira de Dança, que será realizada em várias cidades brasileiras, incluindo Recife.

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