Enem: 5 vezes em que o Cristianismo foi cobrado na prova

Professores de história, sociologia e filosofia reúnem dicas para os candidatos

por Maya Santos sex, 10/04/2020 - 10:00
Pixabay Cristianismo reúne histórias de fé Pixabay

Mesmo em meio à pandemia do coronavírus, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) segue com cronograma mantido. Algumas datas comemorativas do nosso calendário, como a Páscoa, festividade religiosa celebrada no próximo domingo (12), pode indicar abordagens cobradas na prova. Estabelecendo uma interdisciplinaridade entre filosofia, sociologia e história, professores analisam as questões para o Enem .

Em entrevista ao LeiaJá, o professor de história, sociologia e filosofia Hilton Rosas explica que, desde o início dos tempos, existem marcas da relação do ser humano com alguma religião. Trata-se de uma relação que culmina na formação dos indivíduos através do tempo, considerada uma instituição social.

Construídos em uma correlação entre as filosofias das épocas, existiram os costumes pagãos e adaptações. “A religião é embasada em seus elementos culturais, que definem outras relações da complexa vida em sociedade. Sendo assim, é nossa necessidade quase que essencial nos prendermos ao metafísico como contemplação ou satisfação no que remete ao espiritualidade”, completa o professor.

Rosas ainda explica que esta relação ocorre em mesmo nível para os ocidentais, regidos pela moral judaica-cristã. Desde a queda do Império em 476 d. c., a Igreja Cristã inicia a sua consolidação, mesclando pensamentos de “Platão com a filosofia patrística de Agostinho de Hipona, e relacionando os conceitos filosóficos do autor citado aos dogmas da Igreja, enquanto instituição”.

Neste primeiro momento do Cristianismo, esses conceitos foram fundamentais para “criar um pensamento de ideias, juízos e valores que determinaram a imposição cultural do Cristianismo durante a Idade Média na Europa como ideologia dominante”. Através das obras de Aristóteles, resgatadas pelos muçulmanos, os cristãos passam a conhecer e desenvolver “dentro da filosofia aristotélica a sua conciliação com os dogmas da instituição religiosa".

"Neste período medieval, o Cristianismo vem a sofrer seu primeiro cisma [separação de um grupo, organização ou movimento]. O oriente dividindo-se em católico e ortodoxa”, explica o professor.

Já na Idade Moderna, teremos a segunda divisão através da reforma protestante. Neste período, a Igreja Católica era acusada de corrupção e com isso perdia fiéis para os princípios protestantes. Para se recuperar das perdas, a Igreja de Roma instituiu o contragolpe para difundir a instituição de roma pelo Novo Mundo, o continente Americano. “Foi pela mão do colonizador que a os catequistas, missionários de Roma, impuseram o etnocentrismo [quando uma cultura se sobrepõe a outra] aos povos nativos [povos indígenas]”, aponta o professor de história. “Hoje, por exemplo, nós brasileiros somos cristãos por uma imposição cultural”, ressalta Rosas.

Agora, entendendo melhor como o Cristianismo tomou forma ao longo do tempo, estudantes que se preparam para o Enem devem ficar atentos às abordagens durante o Exame. O LeiaJá, em parceria com o projeto Vai Cair no Enem (@vaicairnoenem), preparou uma lista com exemplos de abordagens do tema na prova. Para traçar as resoluções, tivemos ajuda dos professores de história Hilton Rosas, Thaís Almeida e Everaldo Chaves, parceiros do projeto. Confira as questões: 

Questão 1

Uma explicação de caráter histórico para o percentual da religião com maior número de adeptos declarados no Brasil foi a existência, no passado colonial e monárquico, da:

A) Incapacidade do cristianismo de incorporar aspectos de outras religiões.

B) Incorporação da ideia de liberdade religiosa na esfera pública.

C) Permissão para o funcionamento de igrejas não cristãs.

D) Relação de integração entre Estado e Igreja.

E) Influência das religiões de origem africana.

Resolução: A resposta correta é: letra “D”. No período colonial, quando o Brasil estava subordinado ao governo português, a religião católica era oficial e a única admitida. Qualquer outra expressão religiosa estava proibida e sujeita a perseguição. Após a independência, o Brasil manteve essa tradição e se constituiu como um ‘Estado Católico’, ainda oficial, no qual a Igreja estava subordinada ao Estado através de práticas como o padroado e o beneplácito.

Questão 2

Na América inglesa, não houve nenhum processo sistemático de catequese e de conversão dos índios ao cristianismo, apesar de algumas iniciativas nesse sentido. Brancos e índios confrontaram-se muitas vezes e mantiveram-se separados. Na América portuguesa, a catequese dos índios começou com o próprio processo de colonização, e a mestiçagem teve dimensões significativas. Tanto na América inglesa quanto na portuguesa, as populações indígenas foram muito sacrificadas. Os índios não tinham defesas contra as doenças trazidas pelos brancos, foram derrotados pelas armas de fogo destes últimos e, muitas vezes, escravizados. No processo de colonização das Américas, as populações indígenas da América portuguesa:

A) Foram submetidas a um processo de doutrinação religiosa que não ocorreu com os indígenas da América inglesa.

B) Mantiveram sua cultura tão intacta quanto a dos indígenas da América inglesa.

C) Passaram pelo processo de mestiçagem, que ocorreu amplamente com os indígenas da América inglesa.

D) Diferenciam-se dos indígenas da América inglesa por terem suas terras devolvidas.

E) Resistiram, como os indígenas da América inglesa, às doenças trazidas pelos brancos.

Resolução: A resposta correta é: letra “A”. Os dois processos de colonização ocorreram em contextos distintos. A América portuguesa teve sua colonização iniciada no século XVI, época da contra reforma apoiada no Concílio de Trento, quando a questão religiosa era determinante, principalmente nos reinos católicos. A América inglesa foi colonizada no século XVII e aqueles que buscaram o novo continente o faziam para exploração, no Sul, usando o escravo africano; ou como refugiados, no Norte, dada a situação de crise da Inglaterra devido à Revolução Puritana e a seus efeitos. Não havia, por parte da igreja anglicana ou dos protestantes, uma política de conversão dos nativos.

Questão 3

O texto a seguir reproduz parte de um diálogo entre dois personagens de um romance: - Quer dizer que a Idade Média durou dez horas? perguntou Sofia. - Se cada hora valer cem anos, então sua conta está certa. Podemos imaginar que Jesus nasceu à meia-noite, que Paulo saiu em peregrinação missionária pouco antes da meia-noite e meia e morreu quinze minutos depois, em Roma. Até às três da manhã a fé cristã foi mais ou menos proibida. (...) Até às dez horas as escolas dos mosteiros detiveram o monopólio da educação. Entre dez e onze horas são fundadas as primeiras universidades. Adaptado de GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia, Romance da História da Filosofia. São Paulo, Cia. das Letras, 1997. O ano de 476 d.C., época da queda do Império Romano do Ocidente, tem sido usado como marco para o início da Idade Média. De acordo com a escala de tempo apresentada no texto, que considera como ponto de partida o início da Era Cristã, pode-se afirmar que:

A) As Grandes Navegações tiveram início por volta das quinze horas.

B) A Idade Moderna teve início um pouco antes das dez horas.

C) O Cristianismo começou a ser propagado na Europa no início da Idade Média.

D) As peregrinações do apóstolo Paulo ocorreram após os primeiros 150 anos da Era Cristã.

E) Os mosteiros perderam o monopólio da educação no final da Idade Média.

Resolução: A resposta correta é: letra “A”. Se o texto apresentado considera que cada hora corresponde a um século, a queda do Império Romano, no século V, ocorreu às 5 horas e as grandes navegações do século XV ocorreram às 15 horas; mesmo momento em que se iniciou a Idade Moderna em 1453. A Propagação do cristianismo começou na primeira hora, no primeiro século da Era Cristã e os mosteiros perderam o monopólio da educação entre os séculos X e XI, sendo que a Idade Média termina no século XV.

Questão 4

Tomás de Aquino, filósofo cristão que viveu no século XIII, afirma: a lei é uma regra ou um preceito relativo às nossas ações. Ora, a norma suprema dos atos humanos é a razão. Desse modo, em última análise, a lei está submetida à razão; é apenas uma formulação das exigências racionais. Porém, é mister que ela emane da comunidade, ou de uma pessoa que legitimamente a representa. GILSON, E.; BOEHNER, P. História da filosofia cristã. Petrópolis: Vozes, 1991 (adaptado). No contexto do século XIII, a visão política do filósofo mencionado retoma a/o:

A) Pensamento idealista de Platão

B) Conformismo estoico de Sêneca

C) Ensinamento místico de Pitágoras

D) Paradigma de vida feliz de Agostinho

E) Conceito de bem comum de Aristóteles

Resolução: A resposta correta é: letra “E”. Essa questão faz referência à um período importante da história do cristianismo, que é o período da Baixa Idade Média. Nele, a igreja já era institucionalmente forte e coesa, sendo a maior detentora de terras. Então o poder do clero era grande e a doutrina da cristã, da qual Aquino é um dos mais importantes representantes e tinha forte influência nas mentalidades sociais. Fica evidente, na questão, quando observamos que a filosofia cristã está legitimando o poder da lei a partir dos princípios que vinculam razão e cristianismo. Além de evidenciar a forte influência da produção filosófica clássica na construção da filosofia cristã.

Questão 5

O cristianismo incorporou antigas práticas relativas ao fogo para criar uma festa sincrética. A igreja retomou a distância de seis meses entre os nascimentos de Jesus Cristo e João Batista e instituiu a data de comemoração a este último de tal maneira que as festas do solstício de verão europeu com suas tradicionais fogueiras se tornaram “fogueiras de São João”. A festa do fogo e da luz no entanto não foi imediatamente associada a São João Batista. Na Baixa Idade Média, algumas práticas tradicionais da festa (como banhos, danças e cantos) foram perseguidas por monges e bispos. A partir do Concílio de Trento (1545-1563), a Igreja resolveu adotar celebrações em torno do fogo e associá-las à doutrina cristã. CHIANCA, L. Devoção e diversão: expressões contemporâneas de festas e santos católicos. Revista Anthropológicas, n. 18, 2007 (adaptado). Com o objetivo de se fortalecer, a instituição mencionada no texto adotou as práticas descritas, que consistem em:

A) Promoção de atos ecumênicos

B) Fomento de orientação bíblicas

C) Apropriação de cerimônias seculares

D) Retomada de ensinamentos apostólicos

E) Ressignificação de rituais fundamentalistas

Resolução: A resposta correta é: letra “C”. Após a adoção do cristianismo como religião oficial na Europa ocidental e, principalmente, a partir do início do feudalismo no século V, a igreja católica, diante da necessidade de conversão dos pagãos à nova religião, acabou por sincretizar celebrações seculares, ou seja, pagãs, aos ritos católicos.5

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