Patrimônio do Recife, música gospel tem origem nos EUA

Música gospel virou patrimônio imaterial do Recife em 2022

por César Lui dom, 30/01/2022 - 08:00
Pixabay Patrimônio do Recife, música gospel tem origem nos EUA Pixabay

No início do ano, o prefeito João Campos sancionou a lei municipal que declara a música gospel como patrimônio imaterial do Recife. Mesmo com sua origem na comunidade negra dos Estados Unidos, o vereador Júnior Tércio (Podemos) lançou o projeto de lei com intenção de, segundo ele, “elevar o nível” da manifestação cultural na cidade

Polêmica à parte, o LeiaJá decidiu trazer uma história da música gospel e sua relevância no Recife e em Pernambuco.

Significado e origem

O termo gospel é usado em diversos países e pode taxar a maioria das músicas tocadas em cultos cristãos, contanto que a temática das letras sejam os ensinamentos de Deus ou aclamações ao Espírito Santo e passagens bíblicas.

A palavra gospel em si é uma expressão inglesa “God spell”, que significa “palavra de Deus” ou “Deus discursa” e pode ser utilizada não só para música, como para filmes e livros, por exemplo.

A história da música gospel taxa o “Negro Spirituals” com os precursores do estilo durante o século 20. Evoluindo e se transformando, na década de 30, cantores gospel solo começaram a surgir nos Estados Unidos, mas não chegaram a ser reconhecidos. Thomas A. Dorsey, pianista de blues e conhecido como Georgia Tom, começou a compor músicas de conteúdo religioso, se tornando, anos depois, o “pai do gospel” de acordo com reconhecimento da revista Score, em 1994.

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O cantor demorou a ter reconhecimento em vida, mas com muita luta, buscou tornar o estilo popular dentro das igrejas e deixou centenas de canções, sendo a mais famosa “If You See My Saviour”. Falecendo em 1993, foi o fundador da Convenção Nacional de Corais Gospel dos Estados Unidos em 1932 e que existe até os dias atuais.

Evolução

Com o tempo passando e os cantores percebendo que a música podia variar de ritmos, o gospel chegou a ser cantado em formato até de rock. O  próprio Elvis Presley se destacou com quatro álbuns, “Peace in The Valley”, “His Hand in Mine”, “How Great Thou Art” e “He Touched Me”. 

Cícero Souza, mestre em História e Ciência da Educação na Universidade Lusófona de Lisboa, relembra um momento histórico para o gênero. “Continuando a ser taxada nos Estados Unidos como um estilo musical basicamente negro, o gospel ficou marcado na história o dia em que Mahalia Jackson cantou na TV pouco antes do discurso emblemático de Martin Luther King ser televisionado”, conta. Uma das maiores da história, Mahalia ainda se apresentou no funeral do pastor ativista político em 1968.

O Gospel no Brasil

Ainda segundo Cícero, missionários batistas e presbiterianos trouxeram a música gospel no início do século 20 para o país que, ao chegarem nas igrejas, tiveram seus hinos americanos traduzidos para o português e estão até hoje presentes no hinário oficial das Assembleias de Deus no Brasil.

Restrito ao uso em igrejas, os hinos não foram bem disseminados para o público exterior e apenas na década de 80 recebeu visibilidade do público geral por se tornar um estilo bem diferente do vivenciado nos cultos do país.

Transformados em formato de rock e pop e com melodias que traziam a palavra de Deus, o público brasileiro reconheceu o gospel a partir da década de 80 como um estilo musical mais forte e ganharam apelidos como no caso do rock and roll, “rock de crente” ou “rock cristão”.

Hoje o gospel atinge público variado, desde o sertanejo até o reggae com cantores e bandas como Oficina G3, Aline Barros, Arautos do Rei e Fernanda Brum por exemplo.

Projeto de Lei

Analisando historicamente a música gospel, o doutor em História da Religião e professor da UPE, Carlos André, destacou ao LeiaJá sua opinião sobre o projeto de lei Ordinária de número 363/2021 que transforma a música gospel em Patrimônio Imaterial de Recife. “Eu enxergo essa ação e essa lei muito mais como uma proposta específica de um parlamentar para atender um público também específico, do que uma identidade cultural que o ritmo tenha com a cidade”, iniciou. 

“Não vejo nenhuma singularidade ou particularidade que a música gospel possa ter recebido ou feito surgir em Recife para que ela receba o título de patrimônio, a exemplo do frevo. O frevo tem uma singularidade na nossa cultura e nossa história, a música gospel não. A que é tocada aqui já foi e é tocada em diversos outros lugares”, declarou. 

Mesmo destacando as incoerências do projeto, Carlos André salientou a importância da lei para os que vivem a música gospel e serão afetados com o projeto agora ou futuramente. “Para aquelas pessoas que vivenciam e consomem esse tipo de música, é extremamente importante. O município agora vai ter que oferecer condições para que se possua uma salvaguarda do ritmo em diversos momentos do nosso cotidiano”, concluiu.

Pernambuco

Ao justificar o projeto, o vereador Júnior Tércio afirmou que Pernambuco é o estado com o maior número de evangélicos na região Nordeste e disse que a música gospel é usada para os mais variados fins, indo do simples apelo estético aos motivos cerimoniais e, até mesmo, mercadológicos. “O objetivo principal é a evangelização, ou seja, que as pessoas confraternizem e conheçam a palavra de Deus”, explicou.

No Estado, destacam-se nomes como Eliã Oliveira, Canção e Louvor, Ivonaldo Albuquerque, Amanda Vanessa, Mayra Carvalho  e Elísio Neto.

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