Auxílio de autoridades financiaria 100 mil casas populares

Valor gasto pela União com o auxílio-moradia para magistrados no Brasil, a exemplo de juízes federais, foi de R$ 4,3 bilhões nos últimos oito anos. Com esse valor, poderiam ser construídas habitações econômicas, beneficiando mais de 400 mil pessoas

por Eduarda Esteves qui, 15/03/2018 - 12:27
Fernando Frazão/Agência Brasil Juiz Marcelo Bretas durante evento no Rio de Janeiro/ Fernando Frazão/Agência Brasil

Nesta quinta-feira (15), os juízes federais prometem cruzar os braços e protestar pela possibilidade de revisão dos benefícios concedidos à classe, como o auxílio-moradia. Um levantamento feito pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado mostrou que a União gastou aproximadamente R$ 814 milhões somente em 2017 com o pagamento do benefício aos três Poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Os dados foram retirados do site Siga Brasil, sistema de informações sobre orçamento público federal. O Supremo Tribunal Federal fixou o valor pago aos magistrados em R$ 4,3 mil mensais. Ao todo, o auxílio-moradia custou aos cofres públicos R$ 4,3 bilhões nos últimos oito anos.

Com o valor que possibilita o privilégio, daria para financiar mais de 100 mil casas populares pelo Programa Minha Casa Minha Vida, beneficiando mais de 400 mil pessoas. De acordo com a construtora Conceito e Moradia, do Grupo Borges dos Reis, especializada em habitações econômicas, as edificações populares oferecem revestimento cerâmico interno completo (do teto ao piso), sistemas de coleta de água pluvial para reuso em áreas comuns, pontos de coleta de óleo de cozinha e área de lazer. Os produtos custam R$ 40 mil por unidade. Seriam gastos em média o total de R$ 4 bilhões no projeto.

O Brasil está entre os países com maior déficit habitacional do mundo, ao lado de países como Índia e África do Sul. Em 2015, o déficit registrou crescimento de 2,7% em relação a 2014, ou de 202 mil domicílios, configurando o terceiro ano de piora nas carências habitacionais e alcançando 7,7 milhões. De 2009 a 2015, o déficit aumentou 5,9%. O estudo foi realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), sob encomenda do SindusCon-SP.

Apesar das demandas mais urgentes de habitação no país, o valor alto do auxílio-moradia é repassado para garantir o conforto de juízes, parlamentares, ministros, procuradores e outras autoridades e servidores do alto escalão no Brasil. Profissões em que os salários passam da casa dos R$ 20 mil. O Poder Judiciário terminou 2016 com 18.011 juízes de direito, desembargadores e ministros das cortes superiores, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Confira os gastos anuais:

Fonte: Consultoria de Orçamento do Senado

*O mesmo levantamento realizado pela Consultoria do Senado aponta que o custeio de auxílio-moradia subiu de R$ 75 milhões em 2010, nos três Poderes, para R$ 814 milhões em 2017. O aumento ocorreu em 2014, quando o ministro do STF Luiz Fux concedeu liminar beneficiando todos os magistrados.

A ajuda de custo de moradia para magistrados é uma garantia legal, prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, desde 1979 e estabelece a concessão do benefício a todos os juízes que não têm residência oficial, de propriedade do Estado, à disposição. Mas, o benefício era pago até para quem tinha casa própria na cidade onde trabalhava.

Porém em 1990, o governo aprovou uma outra lei e alterou as regras para todos os servidores públicos. Uma das determinações era de que o auxílio-moradia só seria concedido ao servidor público que não fosse proprietário de imóvel na cidade onde trabalha.

Com isso, grupos de juízes acionaram o Supremo Tribunal Federal fazendo referência à Lei Orgânica da Magistratura e pediam liminar para ter acesso ao benefício. O assunto ganhou notoriedade com o caso Bretas.

O juiz da Lava-Jato no Rio de Janeiro Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal, e sua mulher Simone Bretas, do 5º Juizado Especial Federal Cível, recebem dois auxílios-moradia de R$ 4.377,73 cada. A duplicação do benefício para casais que moram juntos é proibida por resolução do Conselho Nacional de Justiça, mas os dois conseguiram o direito a receber quase R$ 9 mil por causa de uma uma decisão judicial.

Isso porque a Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) acionaram o Supremo em setembro de 2014 para que o auxílio fosse reconhecido como um direito de todos os juízes federais, inclusive aqueles com casa própria. Por isso, o ministro Luiz Fux, relator do caso, concedeu liminar (que é uma decisão provisória) no dia 16 de setembro de 2014 favorável às entidades com o argumento de que o benefício está previsto na Lei Orgânica da Magistratura.

Em dezembro de 2017, Roberto Veloso, presidente da Associação de Juízes Federais, declarou ao jornal O Estado de S. Paulo que sem o benefício a defasagem do salário dos juízes, que estaria em 40% por falta de reajustes, aumentaria para 60%. Em 2018, a União deve gastar R$ 831 milhões, segundo previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso em dezembro.

No próximo dia 22 de março, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, presidirá o julgamento de mérito das liminares que garantiram o pagamento de auxílio-moradia a todos os magistrados do país, incluindo juízes federais, da Justiça Trabalhista, da Justiça Militar e estaduais.

Procurada pelo LeiaJá, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) afirmou que a mobilização desta quinta-feira (15) ocorrerá em cinco estados e no Distrito Federal. A entidade à frente da mobilização nacional acredita que os ataques à remuneração dos magistrados são uma maneira de "punir a Justiça Federal" em função da Operação Lava Jato.

“A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) realizam mobilização nacional pela independência e pelas garantias constitucionais das categorias, e pela defesa da verdade, da isonomia e da dignidade remuneratória. Na data (15), as entidades promoverão atos públicos conjuntos em cinco estados e no Distrito Federal. Os eventos serão promovidos sem prejuízo de outros movimentos de concentração e de mobilização das carreiras por todo o país, sob as coordenações regionais. Vale lembrar que, neste dia, a Justiça Federal funcionará em regime de plantão. Serviços urgentes como a análise de habeas corpus e de demandas que envolvam risco de vida não serão afetados”.

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