Maior parte dos presos LGBT não tem contato com a família

O Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) divulga, nesta quinta-feira (27), resultado de uma pesquisa sobre a população LGBT na unidades prisionais da Região Metropolitana do Recife (RMR)

por Jorge Cosme qui, 27/08/2020 - 15:01
Júlio Gomes/LeiaJáImagens/Arquivo Afastamento familiar começa ainda antes da prisão Júlio Gomes/LeiaJáImagens/Arquivo

O Grupo de Trabalhos em Prevenção Posithivo (GTP+) divulga, nesta quinta-feira (27), o resultado de uma pesquisa sobre a população LGBT e pessoas vivendo com HIV e Aids nas unidades prisionais da Região Metropolitana do Recife (RMR). Foram levantados dados socioeconômicos de 110 presos, identificando que a população LGBT em restrição de liberdade é, no geral, negra, de baixa renda, com baixa escolaridade, distante da família e vivencia preconceitos no cotidiano.

Segundo a pesquisa, 56,2% dos entrevistados não têm uma referência familiar, ou seja, contato ou proximidade com algum parente. Segundo o advogado Lucas Enock, coordenador da pesquisa, há um afastamento muito grande da família, principalmente com relação às mulheres. "É uma porcentagem maior porque tem a quebra daquele papel social da mulher. É muito menos aceitável a mulher que está presa. E ela é presa muitas vezes por causa do vínculo amoroso com o companheiro", resume. Proporcionalmente, quase 80% das mulheres cis não identificaram referência familiar. De acordo com Enock, o distanciamento familiar de pessoas LGBT costuma ter início antes mesmo da prisão.

O estudo traz que 80% dos entrevistados são pessoas negras e pardas, mais da metade possuem de 19 a 29 anos (52,8%), não havendo ninguém acima dos 46 anos de idade - o que pode significar um indício de baixa expectativa de vida. Mais da metade possui ensino fundamental incompleto (54,7%) e renda familiar de até um salário mínimo (63,2%).

A Secretaria Executiva de Ressocialização contabiliza na RMR 104 pessoas reconhecidas como integrantes da população LGBT e 13 soropositivas. Apesar dos dados oficiais, o GTP+ identificou 110 pessoas e acredita que o quantitativo não corresponde à quantidade exata de pessoas que se enquadram no grupo populacional, porque nem todas que se enquadram foram entrevistadas, pois a participação era opcional, e por causa de subnotificação, visto ser comum elas não revelarem a orientação sexual e identidade de gênero abertamente.

O recorte aponta que 27% dos entrevistados respondem por tráfico, enquanto 28,9% estão na prisão por causa de crimes como patrimônio (roubo e furto). Ainda 17,1% respondem por homicídio e tentativa de homicídio, 5,2% por estupro e tentativa de estupro, 3,9% por agressão e 6,5%, outros tipos de crime.

A porcentagem de reeducandos LGBT que ainda não foram julgados é de 38,1%. Na pesquisa anterior, feita com base em entrevistas de 2018, essa taxa estava em 35%. Segundo Enock, o número da pesquisa não representa a realidade. Um mutirão mais recente feito com a Defensoria Pública indicou que 52,4% dos avaliados não possuíam condenação. "O acesso à justiça e o direito a assistência judiciária são um dos principais anseios da população pesquisada. Diante da notória vulnerabilidade socioeconômica das pessoas entrevistadas, muitas delas não possuem condições de contratar advogado particular para acompanhar os seus processos judiciais. Diante disso, é necessário o acompanhamento da Defensoria que possui um quadro reduzido de profissionais à disposição diante de um número excessivo de pessoas a serem assistidas", assinala texto do GTP+. Quase 80% das pessoas entrevistadas manifestaram necessidade de atendimento jurídico.

A pesquisa também indica que 35,5% dos presos LGBT sofreram algum tipo de violência, que as mulheres trans e travestis e homossexuais estão mais suscetíveis a serem vítimas de violência e que as agressões mais comuns são física e sexual, superando a verbal. O GTP+ ressalta que algumas circunstâncias podem ter influenciado na resposta, como a presença de agente no momento da pesquisa, execução de oficinas prévias sobre o tema e confiança na equipe do projeto. 

"O entrevistado nem sempre vai dizer abertamente sobre essa a situação vivenciada de violência ou até mesmo não reconhece essa violência, achando que determinados comportamentos são comuns", diz o coordenador a pesquisa. "Em 2018, Pernambuco foi considerado o estado que menos repassar informações ao Ministério da Justiça. Essa situação se agrava agora diante da pandemia. Inclusive, o CNJ considera que houve um decréscimo de 83% dos casos relatados de tortura e maus tratos", completa.

O GTP+ contabilizou que 55,4% da população LGBT identificada consome maconha. "Tais substâncias se inserem por diversos meios nas unidades prisionais, como por meio das visitas de familiares", diz o grupo. Na pesquisa, pessoas afirmaram usar loló (9%), crack (18,1%), cola (7,2%), cocaína (12,7%) e nenhuma droga (23,6%). O grupo destaca que esses números devem ser refletidos, pois além de estarem associados às condições de vulnerabilidade social, estão diretamente relacionados com o tipo de sustento da população LGBT na sociedade.

O GTP+ esteve no Centro de Observação e Criminológica e Triagem Professor Everardo Luna (COTEL), Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima e do Recife (CPFAL e CPFR), Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP), Penitenciária Agro-industrial São João (PAISJ), Presídio ASP. Marcelo Francisco Araújo (PAMFA), Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB), Presídio de Igarassu (PIG), Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros (PJALLB) e Penitenciária Professor Barreto Campelo (PPBC)

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