‘Briga’ entre Ciro e PT é por conta de projeto próprio

A reportagem do LeiaJá falou com cientistas políticos para entender quando e o motivo da ‘briga’ entre Ciro e o Partido dos Trabalhadores

por Alice Albuquerque qui, 15/09/2022 - 08:08
Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens/Arquivo e Ricardo Stuckert Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT) Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens/Arquivo e Ricardo Stuckert

A briga entre o candidato Ciro Gomes (PDT) e o Partido dos Trabalhadores ficou mais evidente em 2018, quando Haddad, que era o candidato do PT à Presidência foi disputar o segundo turno com Bolsonaro (PL), e Ciro, que havia demonstrado apoio ao petista para a disputa do segundo turno, viajou para Paris e não fez a campanha. Ainda que Ciro tenha voltado ao Brasil para votar e declarou ter votado "na democracia", ficou o burburinho sobre essa "fuga" para outro País para não fazer a campanha. 

No entanto, se colocando como uma possível terceira via e tendo Lula como principal adversário, mesmo tendo feito parte do governo petista como ministro de Lula, Ciro Gomes vem evidenciando os ataques ao adversário, usando um tom mais duro. Ainda assim, Lula demonstra interesse em tentar atrair o apoio de Ciro num possível segundo turno. Uma coisa é unânime entre os especialistas: os ataques fazem parte de um projeto político próprio de Ciro Gomes e do PDT. 

O doutor em ciência política e professor da Asces-Unita, Vanuccio Pimentel, contou que a disputa entre Ciro (PDT) e o PT acontece desde 2010. Ele lembrou que o pedetista já queria ser presidente em 1998, quando Fernando Henrique Cardoso foi reeleito. Ciro se candidatou novamente em 2002, mas quem venceu esta eleição foi Lula (PT) e ele passou a compor o governo petista. “Ele não se lançou na reeleição do Lula e o apoiou, porque era ministro do governo. Depois ele sai [do governo], se lança deputado federal em 2010 e é bem eleito. É quando começa a primeira ruptura”, disse. 

De acordo com o especialista, Gomes estava no PSB e não queria apoiar a candidatura de Dilma, pois queria lançar um projeto próprio, mas foi barrado pelo então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, que estava dirigindo o PSB na época. “Eduardo também tinha o próprio projeto político dele. Naquele momento, embora Ciro não quisesse apoiar Dilma, acabou não declarando apoio pessoal, mas o partido apoiou e ele acabou ficando ali. É a partir do governo Dilma que ele tem maiores divergências e se lança completamente independente. Ele não aceitava Dilma como sucessora de Lula e é a partir daí que ele se coloca mais afastado”, contou. 

No entanto, de acordo com Vanuccio, mesmo não apoiando o PT em 2014, Ciro tentou uma reaproximação com a sigla em 2018. “O cenário que ele via em 2018 com Lula preso era que ele poderia ser a pessoa que capitalizaria e concentraria a eleição da esquerda, a que teria mais condições de representar a esquerda na disputa, então, ele busca se reconciliar com o PT. Ele tenta ter o apoio de diversas maneiras e, inclusive, ele fala em 2018 que seria o sonho dele ter Haddad como vice”, lembrou. 

Para o especialista, quando Ciro percebeu que não tinha chances de ter o apoio do PT, sobretudo com a candidatura de Lula posta, ele começou a antagonizar Lula e Haddad e não conseguiu reverter a situação. “Ele teve um percentual de votos que foi o maior que teve ao longo dessas eleições presidenciais que ele disputou [em 2018, com 12,47%]. Então, ele acha que nesse momento pode e deve se apresentar como uma outra via. Essa disputa de Ciro com o PT começa em 2010, mas o projeto político do Ciro já é antigo. Em 2018 ela marca uma ruptura que talvez seja difícil de conciliar até pelo próprio Ciro, porque ele não tem vontade, mas esse não é o primeiro desentendimento dele com o PT”, evidenciou. 

Por sua vez, o cientista político da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Ranulfo Paranhos, declarou que Ciro investiu muito na campanha - que ele faz desde 2018 - e até lançou um livro com a plataforma do “seu propenso governo”. “Ele investiu muito nisso e quando os números começaram a se cristalizar, Lula não perde voto, Bolsonaro avança, Ciro percebe que não tem para onde crescer. Sobrou para ele a posição no espectro político que se parece com a dele, a do Lula. Os dois têm origens entre esquerda e centro, com propostas trabalhistas que são progressistas. Com toda a configuração da campanha do Lula ao conquistar essa quantidade de votos, Ciro percebe que vai ter que atacar o Lula. Há um burburinho de que Ciro é linha auxiliar do fascismo, mas o nome disso é pragmatismo”, disse. 

Para ele, Ciro tem consciência de que só pode ganhar votos se for da esquerda, mas por conta do tradeoff, que é “a melhor escolha entre as piores opções”. “A leitura que os eleitores fazem é que não querem o Bolsonaro de jeito nenhum, e tem que tolerar o Lula”. Ou seja, para ele, a “briga” entre Ciro e o PT é de 2018. “É uma questão recente de estratégia de um projeto próprio”. “Imagina que ele conquistasse 3% do Lula e chegasse na casa dos 10% [nas pesquisas] e essa comparação ficasse muito clara. Ele começaria a aparecer como uma opção viável para o segundo turno. A massa cinzenta do Bolsonaro podia votar nele, já que detesta tanto o Lula. É mais ou menos essa leitura que ele faz estrategicamente: de que precisa bater no Lula para crescer e se tornar alguém viável”, finalizou. 

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