Bolsonaro usa omissão para se reafirmar, avalia cientista

Bolsonarismo radical deve sofrer desarticulação após a transição, mas continuará se organizando em outras plataformas com o respaldo narrativo do presidente e de seus aliados

por Vitória Silva seg, 26/12/2022 - 13:43
Alan Santos/PR Jair Bolsonaro em solenidade jurídica no Planalto Alan Santos/PR

O fim do Governo Bolsonaro tem sido marcado por manifestações silenciosas e uma sequência de omissões diante do próprio eleitorado. Desde a derrota de Jair Bolsonaro (PL) nas urnas, em outubro, bolsonaristas da ala mais radical têm fechado rodovias, promovido vandalismo e acampado em frente aos quartéis ao redor do país. O clima de descontentamento e histeria tem alimentado a narrativa de que houve fraude nas Eleições 2022, informação que já foi desmentida pelas próprias Forças Armadas. 

Chama atenção que a comunicação do atual governo, que sempre foi ativa nas redes sociais e assídua, ao menos ao dialogar diretamente com a bolha apoiadora, optou por reduzir as mensagens públicas. Até mesmo os filhos do mandatário — Carlos, Eduardo e Flávio — reduziram os embates nas redes. Em saídas recentes, Bolsonaro e a esposa, a primeira-dama Michelle, têm falado pouco e até mesmo chorado em público. 

Enquanto o presidente deixava uma mensagem de Natal no Twitter no último fim de semana, a Polícia Militar do Distrito Federal investigava a participação de um militante bolsonarista em uma tentativa de atentado na capital federal. As equipes desarticularam uma bomba próxima ao aeroporto da cidade e, ao investigar os envolvidos, apurou-se que o autor se tratava de um apoiador de Bolsonaro, favorável ao golpe militar e com um arsenal em casa. O caso foi apenas mais uma das ameaças antidemocráticas não abordadas pelo Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). 

Para a cientista política Luciana Santana, a omissão é uma forma de se reafirmar enquanto líder político dentro da própria bolha, que enxerga Bolsonaro como uma vítima do sistema e da corrupção, e como um candidato injustiçado.

“Teremos quatro anos muito difíceis porque o bolsonarismo continuará insistente e questionando o governo eleito, independentemente de qualquer coisa, e dificilmente veremos uma liderança bolsonarista, ou o próprio Bolsonaro, se posicionando contra, porque é uma forma dele se manter ainda aceso enquanto liderança no país. Ele quer ter protagonismo nos próximos quatro anos, porque quer voltar ao poder de alguma maneira”, esclareceu a especialista. A entrevista pode ser conferida na íntegra abaixo. 

— Luciana Santana, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

LeiaJá: De que forma a postura conivente do presidente deve alimentar a narrativa das pessoas nas ruas? 

LS: O presidente opta por não fazer qualquer manifestação porque ele é conivente com elas. Se ele é conivente, é porque efetivamente está de acordo e, indiretamente, acaba incentivando esses comportamentos. Se a gente pode esperar que ainda aconteça algo ainda no início do próximo governo, acredito que será a presença de atos e manifestações. Vale lembrar que, a partir do dia 1º, depois da posse de Lula, há uma mudança no comando das Forças Armadas. Então, há uma tendência natural que as Forças Armadas tenham outro tipo de comportamento e comecem a dispersar as manifestações e, consequentemente, esses tipos de comportamento. 

LeiaJá: O governo eleito terá condições de dobrar o bolsonarismo a partir de 2023? 

LS: Uma desarticulação completa do bolsonarismo radical, consolidado, dificilmente vai acontecer. Não é nem o bolsonarismo que votou em Bolsonaro nas urnas, os 57 milhões de eleitores na íntegra, mas sim o bolsonarista raiz, que é uma parcela muito pequena, mas radical. O eleitor geral já entendeu que a eleição passou, que o outro governo foi eleito e que a vida segue. Ele pode até votar em alguma figura aliada até 2026, mas ao menos entende que o resultado está dado. O bolsonarismo ideológico deve seguir articulado e retroalimentado pelas redes sociais, mas creio que não ficarão mais nos quartéis. Assim como o trumpismo, nos Estados Unidos, o bolsonarismo permanecerá. 

LeiaJá: O GSI não se manifestou até agora. A postura não é anticonstitucional? 

LS: Os agentes à frente do GSI podem ser responsabilizados, desde que a Procuradoria-Geral da República abra um inquérito para investigar as omissões. Muita coisa vai acontecer no início do próximo governo, algumas ações para revogar medidas, mas mais no sentido de buscar responsabilização de vários atos, que deveriam ser tomados em termos de Estado e que simplesmente incorporaram uma veia de Governo, de forma ideológica. 

Algumas coisas Lula vai emplacar, outras não, porque ele precisa construir uma base junto ao Congresso Nacional e é preciso reconhecer que há uma composição desfavorável ao governo eleito. Ele vai precisar ter cautela e ver o que é possível fazer sem comprometer a governabilidade, então dificilmente deve acontecer um "revogaço" de uma vez. É uma oposição que Lula não teve até hoje; muito ideológica e que vai tentar atrapalhar a vida dele, especialmente no Senado. 

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