100 dias de Lula: o retorno da institucionalidade no BR

O terceiro mandato do governo Lula completa 100 dias nesta segunda-feira (10)

por Alice Albuquerque seg, 10/04/2023 - 19:52
João Velozo/LeiaJáImagens/Arquivo O presidente Lula (PT) João Velozo/LeiaJáImagens/Arquivo

Os 100 dias do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), completos nesta segunda-feira (10), foram marcados por diversos eventos, sobretudo em ações econômicas, relações internacionais, políticas públicas, e políticas sociais. 

O primeiro mês do governo foi movimentado, com a tentativa do chefe do Executivo federal de tentar estabelecer prioridades. Ele realizou a posse dos ministros e ministras, assinaturas de leis e medidas, reuniões com governadores e governadoras, com representantes de países, viagens a eventos fora do Brasil, ataques à Praça dos Três Poderes e crise dos povos yanomamis. 

De acordo com a cientista política Priscila Lapa ao LeiaJá, já se pode falar sobre a nova condução que Lula está dando ao Brasil, que é numa linha do retorno à institucionalidade, sobretudo nas relações internacionais. “A gente pode dizer isso também olhando para o Congresso, a relação com os governadores. Nesses primeiros 100 dias a gente tem claramente um retorno às perspectivas institucionais. A institucionalidade dentro do País. Isso por si só é extremamente positivo e louvável. A gente sente que as instituições políticas com seus defeitos e virtudes voltam a uma lógica de funcionamento institucional que tinha se perdido, sobretudo com o clima de campanha de 2022”, afirmou. 

Segundo Lapa, pode-se observar muito mais alicerces no governo do que medidas já em curso, “o que é natural sobre transições”. Mas que é um movimento de atuação política totalmente diferente do que o colocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). “Ele [Bolsonaro] atuava na linha do conflito. Enquanto ele se fortalecia, se forjava politicamente atuando de forma conflitiva. Lula tem uma postura de alinhamento, concertação, cooperação, entendimento, diálogo. E isso por si só já faz diferença”, observou. 

 

Bolsonaro e Moro

No entanto, a especialista pontuou que em alguns momentos o presidente Lula aparenta estar ressentido politicamente, quando fala de Bolsonaro e do senador Sergio Moro (UB) na linha político-ideológica, mas que é um movimento comum na política brasileira. “Não consigo imaginar como poderia ser diferente. Não temos a cultura política de separar o estadista do político. A gente não é assim, culturalmente falando no Brasil. Claro que, em alguns momentos, isso toma tom de exagero, mas em linhas gerais, descer de palanques não é trivial. Acho que são momentos muito mais de exceção do que efetivamente a marca dos 100 dias de governo Lula, já que foram feitas medidas de pacificação dessas instituições e entre os diálogos. Havia muito tempo que a gente não via isso acontecer no Brasil”, relembrou. 

Para Priscila Lapa, considerando a transição de gestão, 100 dias é pouco tempo para avaliar se as ações feitas pelo petista coadunam com as promessas feitas durante a campanha eleitoral, o que é razoável. “Você imagina que em três meses ou pouco antes de três meses você consiga realizar algumas ações. Mas num governo de ruptura, isso se torna um pouco mais difícil, desafiador. O que podemos dizer é que ele [Lula] está seguindo a linha que propôs na campanha, que já era esperada de um governo Lula ou dos governos petistas. Inclusive, essa tem sido uma fragilidade observada de que, até o momento, ele não mostrou novidades de uma nova era Lula. Ele tem reciclado agendas e retomando programas que marcaram as suas gestões, por enquanto. Mas ainda não deu uma nova roupagem ao seu alicerce de governo”, complementou. 

Uma das áreas de atuação do novo governo federal que foi destacada pela cientista política foi a econômica, que está sob o comando do ministro Fernando Haddad. Segundo ela, a postura que está sendo construída positivamente vem chamando atenção dos especialistas. “É um modelo que eu acho que tem sido uma marca importante e, de certa forma, até surpreendente. A condução do ministro Fernando Haddad à frente do Ministério da Economia. No mais, [as ações] são medidas de grandes lançamentos, anúncios que tem muito a ver com as marcas de programas esperados. 

Além do arcabouço fiscal, uma das medidas de responsabilidade de Haddad e pelo Ministério da Economia foi o reajuste do salário mínimo de R$ 1.032 para R$ 1.320 a partir de maio. A medida provisória deve ser publicada no Diário Oficial da União. Houve a expectativa, no início do ano, de que o reajuste seria imediato, mas o governo adiou a medida por conta dos impactos nas contas públicas.  A faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas também será ampliada. A partir de maio será de R$ 1.903,98 para R$ 2.112. Ela também deve ser oficializada por medida provisória. 

“Podemos dizer que, até o momento, o governo federal se desenha nas linhas que foram colocadas durante o processo eleitoral, seguindo as linhas das promessas de campanha. Agora, claro, têm coisas que se mostraram muito mais difíceis de realizar do que se pode imaginar, apesar de que ele conseguiu, até o momento, os remanejamentos orçamentários que precisava para garantir a continuidade do Bolsa Família de R$ 600 e outras medidas”, acrescentou Priscila Lapa.

O professor da Universidade Federal da Paraíba Augusto Teixeira, afirmou que o contexto econômico encontrado por Lula neste terceiro mandato como presidente é diferente do contexto que ele encontrou no primeiro e segundo mandato. “Mesmo com o contexto da crise internacional do governo Fernando Henrique Cardoso contou, o Brasil estava relativamente arrumado.  

Agora, Lula recebe o Brasil com problemas orçamentários relevantes. Uma peça orçamentária mal elaborada que passa por uma PEC de trnasição para poder dar mais fundo ao governo, somando a um contexto de desorganização e descontinuidade de políticas públicas em todos os níveis, não apenas no caso da saúde e educação, mas também na área ambiental e política externa, quadro muito diferente do que Lula ou até a Dilma encontrou no primeiro mandato”, observou ao LeiaJá

 

Ações 

O preço da carne teve a maior queda dos últimos 15 meses em março deste ano, com uma queda de 1,22%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre as baixas, a picanha teve a maior redução: 2,63%. O filé mignon caiu 1,77%. Economistas deram três explicações para a queda: a suspensão das exportações para a China; a quaresma, quando o consumo da carne vermelha diminui; e a queda no preço das rações, que são usadas para a engorda dos animais. 

O governo federal realizou mudanças nos programas sociais e lançou propostas econômicas, como a volta do Mais Médicos, por exemplo, que foi relançado por Lula em março, com o objetivo de aumentar a quantidade de profissionais da área e incentivar a continuidade no projeto. 

O Bolsa Família também foi reestruturado e o presidente conseguiu manter o pagamento mínimo de R$ 600 por família pelo programa de assistência social, além de implementar um adicional por cada criança de até 6 anos de idade. Ainda sobre o Bolsa Família, a Caixa Econômica chegou a anunciar, em fevereiro, a suspensão definitiva de empréstimos consignados pelo programa. O Ministério da Cidadania alegou que o banco era responsável por 80% das contratações do serviço. 

As novas regras fiscais para substituir o atual teto de gastos e controlar os gastos públicos, o novo arcabouço fiscal, também foi anunciado em março. O texto prevê que as despesas podem crescer acima da inflação, ou seja, poderão ter alta real entre 0,6 a 2,5%. Além disso, os gastos vão poder crescer apenas entre 50 e 70% da variação da receita. No entanto, a proposta ainda precisa ser aprovada no Congresso Federal.

A cobrança dos impostos sobre os combustíveis, que haviam zerado na gestão anterior, voltaram a valer. A ação aumentou o preço do litro da gasolina em R$ 0,47 e o etanol em R$ 0,02. A medida vale até junho e os impostos podem aumentar ainda mais a partir de julho, quando as alíquotas vigentes, que são maiores, voltarão a ser colocadas em prática. 

Política internacional 

O cientista político e professor da UFPB Augusto Teixeira avalia que a situação do Brasil é "complicada" economicamente cenário internacional. “É um cenário desfavorável. Apesar de ocorrer um leve aumento no valor das commodities, tem-se a guerra na Ucrânia e um contexto hostil para interesses externos, dado o amplo processo de polarização internacional”, disse.

Como mencionado pela cientista política Priscila Lapa, a relação do Brasil com os outros Países fazem parte desses 100 dias de governo. O presidente Lula fez três viagens internacionais, sendo duas na América Latina. Ele faria uma viagem à China, mas teve de ser adiada porque ele teve uma pneumonia. 

A escolha foi na tentativa de estreitar os laços alargados por Bolsonaro durante a sua gestão. A primeira viagem foi à Argentina logo após ter assumido o comando da Presidência. Ele se encontrou com o presidente Alberto Fernández e pediu desculpas pelas “grosserias” de Bolsonaro com ele. 

De lá, ele foi ao Uruguai, reunir-se com o presidente Luis Alberto Lacalle Pou e com o ex-presidente Pepe Mujica, que marcou presença na sua posse, no dia 1º de janeiro. 

Dias depois o petista foi aos Estados Unidos se reunir com o presidente democrata Joe Biden. Eles trataram de acordos climáticos. Havia, ainda, uma expectativa de que Biden anunciasse valores para o Fundo Amazônia, mas não foi concretizada. 

 

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