Enem: estudantes surdos encaram barreiras pela aprovação

Relação da Libras com o português ainda é um desafio para os estudantes. Ao todo, 3.860 candidatos com surdez ou deficiência auditiva irão fazer as provas do Exame a partir de domingo (4)

por Camilla de Assis sex, 02/11/2018 - 13:00

Em silêncio. É assim que começa a entrevista do LeiaJa.com com um grupo de alunos do terceiro ano da Escola de Referência em Ensino Médio (EREM) Ginásio Pernambucano, no Recife. Jadilson Paulo da Silva, 18, Matheus Ferreira, 21, Ana Raquel Santos, 17, e Victor Mateus Pereira, 19 anos, são quatro dos 3.860 candidatos com surdez ou deficiência auditiva que irão fazer as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) nos próximos dias 4 e 11 de novembro.

Jadilson (foto) ainda não tem certeza, mas pretende fazer  graduação em química. Sua segunda opção é Letras/Libras. Também indeciso, Matheus pensa em medicina veterinária. Já Ana Raquel busca ser aprovada em um curso que envolva desenho artístico ou gastronomia. Victor, por sua vez, está dividido entre três graduações: enfermagem, dança ou design. Mesmo com áreas tão diferentes, os quatro amigos têm uma coisa em comum: as dificuldades e incertezas em relação à redação do Enem.

“[O Enem] É um pouco difícil por conta da redação, que deve ser escrita em português. A comunicação em Libras é muito boa, mas quando chega no português complica um pouco, para mim fica muito difícil saber qual palavra escrever”, conta Jadilson, diagnosticado com surdez severa.

Pelo fato de a comunicação dos surdos ou deficientes auditivos ser realizada por meio da Libras e traduzida para o português, alguns elementos saem do contexto e perdem o sentido. Isso ocorre com mais força, de acordo com os estudantes, quando acontece o inverso. “Às vezes a pessoa sabe Libras, mas não sabe português. Às vezes sabe português, mas não consegue se comunicar em Libras. Se não existissem tantas barreiras e Libras fosse aprendida desde criança, seria muito importante”, argumenta Matheus Ferreira.

Não somente Jadilson, mas todos seus outros amigos apontam o mesmo problema. Escrever é um trabalho dobrado e que afeta o desempenho na prova. Além disso, a dificuldade no estudo também é ponto negativo. “Para quem é ouvinte, a cartela de formas de estudar é bem maior do que para quem é surdo e isso é uma dificuldade para gente”, aponta Ana Raquel, que tem surdez moderada.

Por isso, os estudantes precisam atravessar barreiras muito além das dificuldades em matemática, física ou literatura, por exemplo, comuns aos alunos ouvintes; eles são postos a, primeiramente, tentar superar as dificuldades de comunicação para, assim, entender os conteúdos de cada disciplina. “Eu tenho muita dificuldade, acredito que se Libras fosse ensinado para a gente desde criança, seria uma grande diferença, sendo Libras a primeira língua e português a segunda”, explica Victor Matheus.

Intérprete do Ginásio Pernambucano há dois anos, Ari Tiago da Silva enxerga que o problema dos estudantes está na interpretação. “Depende muito do tradutor, da forma como ele passa o conteúdo para o aluno. Às vezes não há tradução na palavra e ele tem que arrumar uma forma de explicar”, ressalta.

Desde 2017, ano em que o tema da redação abordou as dificuldades educacionais dos surdos no Brasil, o Enem disponibiliza um auxílio de acessibilidade, a vídeoprova em Libras. Nos anos anteriores, com auxílio de um tradutor, o aluno surdo poderia tirar algumas dúvidas em relação à avaliação. Victor Matheus tenta pela terceira vez o Exame e afirma que a diferença entre a prova escrita e a vídeoprova é decisiva para o desempenho. “O tradutor não podia me dizer muita coisa, apenas tirar dúvida em algumas palavras, mas nem sempre poderia dizer o que eu questionava”, explica.

Apesar do novo recurso, os outros tradicionalmente oferecidos, o tradutor-intérprete de Libras e a leitura labial continuaram sendo oferecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Este ano, 5.513.712 de candidatos confirmaram a inscrição para as provas. Desses, 2.415 tiveram atendimento aprovado para deficiência auditiva e 1.445 para surdez.

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