Petrobras: interferência de Bolsonaro amplia instabilidade

Especialistas ouvidas pelo LeiaJá, apontam que a atitude de Jair Bolsonaro pode ser vista como inviabilizadora para novos investimentos no país

por Julianna Valença sex, 26/02/2021 - 13:33
Marcos Corrêa/PR Presidente Jair Bolsonaro com semblante sério ao lado do ministro Paulo Guedes Marcos Corrêa/PR

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) causou reação negativa no mercado ao interferir na Petrobras e mudar o presidente da estatal, indicando o general Joaquim Silva e Luna para o cargo. Para reverter as baixas, houveram várias tentativas de Bolsonaro, ao longo desta semana, de cumprir as privatizações de estatais prometidas na sua agenda de campanha nas eleições de 2018, entre elas a dos Correios e da Eletrobras.

Mesmo assim, as ações da Petrobras caíram mais de 21,5% só na última segunda-feira (22) e a companhia chegou a perder R$ 102,5 bilhões em valor de mercado desde a indicação do nome do general para substituir Roberto Castello Branco. O Brasil tem perdido relevância global por causa da crise econômica de 2015 e perdeu o nível de grau de investimento, isso fez o país ficar de fora da rota de investimentos sólidos. Segundo estudiosos, a interferência de Bolsonaro na petrolífera aumenta as instabilidades macroeconômicas e institucionais no país.

“Cada vez que a economia tem uma interferência política no volume e na intensidade que teve nessa alteração do presidente da Petrobras, isso gera muita instabilidade. [Por isso] a pessoa que quer investir sente menos interesse em investir naquela operação, porque tem medo de que o governo faça alguma outra alteração muito bruta que inviabilize o negócio”, afirmou a economista Amanda Aires.

A interferência de Bolsonaro na estatal se deu por uma tentativa mal elaborada de reverter a insatisfação da população com os aumentos sucessivos, em um curto espaço de tempo, de combustíveis. Desde janeiro, a gasolina teve seu preço reajustado quatro vezes, o diesel três. Esses aumentos chegam à população diretamente e se propagam a outros setores, como é o caso da indústria alimentícia.

Segundo a cientista política Priscila Lapa, a indicação do general ao cargo é conveniência política do presidente na estatal. “Essa intervenção [política] seria justamente um viés de intervenção que não fosse voltado para os resultados que o mercado almeja para essa instituição, mas sim um direcionamento político ideológico para o funcionamento dessas instituições. No caso da Petrobras e do Banco Central é muito claro isso. Conveniência política é você fazer as escolhas das lideranças. A ideia de evitar que isso aconteça no Banco Central, por exemplo, é para que o órgão consiga tomar decisões eminentemente técnicas e não com enviesamento político que possa vir a favorecer grupos a, b, ou c.”

Não cabe apenas a Jair Bolsonaro decidir o nome que substituirá o atual presidente da empresa, Roberto Castello Branco - economista ligado a Paulo Guedes. O conselho da Petrobras convocou a assembleia para votar a substituição. Se aprovado para o cargo, Joaquim Silva e Luna - ex-ministro da Defesa e diretor de Itaipu - , somatiza um terço das estatais com controle direto da União (16) comandadas por militares.

Para Priscila Lapa, o militarismo na gestão de Bolsonaro é contraditório com a agenda liberal: "Essa visão contrasta desde o início com a agenda liberal, em alguns pontos ela é inconciliável. Desde o começo se fala que o militarismo propõe uma visão nacional intervencionista, intervenção do estado para a defesa dos interesses nacionais, isso é a essência do militarismo […] isso é completamente contrastante com a agenda de privatizações, ou você é nacionalista ou é privatista.”

Além disso, os passos precipitados do presidente impactam na população, para a cientista política Priscila Lapa, o governo precisa lidar com a crise de forma menos abrupta “[no fim das contas] quem paga o preço é o consumidor, o Estado não está dando conta de lidar com isso de forma suave.”

Privatizações de Estatais

Em sua campanha eleitoral, Jair Bolsonaro defendeu com afinco o estado mínimo, mas se contradiz ao sugerir e anunciar interferências no comando de estatais. Na tentativa de cumprir a agenda liberal e agradar o eleitorado, dias após as baixas, Bolsonaro agiu para dar início às privatizações da Eletrobras e dos Correios.

“O governo entrou dizendo que ia fazer uma série de privatizações para reduzir o peso do Estado, mas na verdade isso não foi feito. Então, essa ausência de cumprimento de promessas de campanha acaba desgastando muito a posição do Brasil diante do cenário internacional, e uma vez que ele não tenha um claro vetor de crescimento a longo prazo vamos tender a nos manter dentro dessa situação ruim [crise econômica]”, disse a especialista Amanda Aires.

Sobre a Eletrobras, o presidente alegou: "vamos meter o dedo na energia elétrica, que é outro problema também". Na última terça-feira (23), dias após a declaração, o Governo Federal entregou ao Congresso Nacional uma medida provisória (MP) que busca acelerar o processo de privatização da energética.

Segundo a própria Eletrobras, na MP proposta, o governo terá ações preferenciais da empresa e poder de veto para determinadas decisões. No texto cita "previsão de criação de ação preferencial de classe especial, de propriedade exclusiva da União, nos termos do disposto no § 7º do art. 17 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que dará o poder de veto em deliberações sociais previstas na referida MP (“Golden shares”)".

O projeto de privatização dos Correios já tinha sido proposto à Secretaria de Assuntos Jurídicos em 2020, pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria, para passar por análises. Contudo, nessa quarta-feira (24), Bolsonaro foi ao Congresso entregar o Projeto de Lei de privatização da estatal ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. A proposta envolve a quebra do monopólio postal dos Correios e a abertura do mercado a outras empresas.

Por meio de nota, a Secretaria de Comunicação do Planalto disse que, se aprovado, o texto de desestatização dos Correios também define a obrigatoriedade do cumprimento de metas de universalização e qualidade dos serviços e estabelece a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como agência reguladora dos serviços postais.

COMENTÁRIOS dos leitores