Ao ver o nome no Diário Oficial como aprovado e classificado no concurso para professor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), na última segunda-feira (6), Thiago Pajeú, de 32 anos, relembrou, por meio de postagem no Instagram, a trajetória pessoal e acadêmica, que acumula duas graduações, um mestrado, doutorado e pós-doutorado. Ao todo, foram 14 anos dedicados à pesquisa, ciência e muito estudo.
Oriundo de escola e universidade públicas, Thiago precisou driblar várias dificuldades. Jovem negro, filho de empregada doméstica e mão solo e residindo, na infância e junventude, na Comunidade Novo Horizonte, popularmente conhecida como Suvaco da Cobra, que está localizada em Jaboatão dos Guararapes, Região Metropolitana do Recife, ele afirmou à reportagem que "tudo isso serviu de mais incentivo para eu não desistir do meu objetivo, que era passar em um concurso público na minha área e poder ter uma vida melhor. Talvez, se eu não tivesse passado por toda essa dificuldade eu não tivesse chegado até aqui".
##RECOMENDA##Primeiro da família a ter formação superior, Thiago Pajeú atribui muito das conquistas ao incentivo dado pela mãe, que não completou o ensino médio devido à necessidade de começar a trabalhar aos 12 anos. Quando criança, ele a acompanhava durante o expediente.
"Enquanto ela cuidava dos afazeres domésticos, das casas que trabalhava, me passava uma cartilha de ABC, pedindo para eu ir dizendo a tabuada. Dessa forma, eu frequentava de manhã a escola e a tarde ficava estudando até ela ser liberada e irmos para casa. Desde muito cedo, então, eu tinha na minha mente que estudando eu poderia proporcionar para ela e para mim um futuro melhor".
No texto publicado na rede social, o, agora, professor universitário expôs momentos difíceis e relatou que conviveu muito tempo sem saneamento básico e que só conseguiu tomar um banho de chuveiro no período em que fazia o doutorado. "Para a maioria das pessoas, essa é uma situação realmente de surpresa. A pessoa passa por isso, quase que sua totalidade da infância e juventude, mas para mim, é o que eu tinha, era o que cresci, era a minha realidade", explica.
E relembra: "muitas vezes, em épocas de chuva, alagava muito onde eu morava [Comunidade Novo Horizonte]. Então, várias vezes entrou água na minha casa, perdemos, várias vezes, eletrodomésticos, inclusive, passei dois anos sem geladeira. Essa, eu acho, que foi a pior fase que vivemos, porque tínhamos que consumir muito produto industrializado e beber água morna ou, levemente fria devido ao filtro de barro que temos até hoje".
“Em vários momentos pensei em desistir”
Mesmo acreditando que tudo tem um propósito para acontecer, Thiago Pajeú contou à reportagem que pensou em desistir da trajetória diante do racismo e condição financeira. "Em vários momentos pensei em desistir. Principalmente, nos últimos anos, quando fiz algumas seleções e muitas vezes via, implicitamente, que não era escolhido, em virtude da minha raça ou por aparentar ser de origem mais humilde", ressalta.
O desejo de continuar veio da força dada pela família e amigos, além da fé. Pajeú sabe que sua trajetória não é regra, mas uma exceção diante de tanta diferença no acesso ao ensino superior. Por isso, ele quer se tornar referência para outros jovens negros de periferia. "Infelizmente nesse meio acadêmico e científico temos pouquíssimas referências de professores e cientistas negros, então, hoje, me sinto na obrigação de mostrar a representatividade e servir como exemplo as futuras gerações".
Aos estudantes, que vivem em uma realidade que um dia foi a de Thiago, e que estão tentando ingressar na universidade pública, o professor universitário aconselha a não desistir. "Não liguem para julgamentos ou preconceitos. Temos que mostrar, ainda mais, a sociedade e aos mais jovens que todos, independente de raça, religião, sexo ou classe social, somos capazes e merecemos ocupar o destaque que quisermos na nossa sociedade. E que, principalmente, não desistam dos seus sonhos e objetivos, embora eles possam demorar. Faça no seu tempo, a passos curtos", salienta Thiago Pajeú.