A Semana Santa e as manifestações cristãs

Entenda as diferentes reflexões sobre a figura de Jesus Cristo

por Nathan Santos | seg, 02/04/2012 - 09:53
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No período da Semana Santa, as religiões cristãs realizam rituais que falam sobre a história da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. No entanto, apesar das igrejas serem devotas do cristianismo, entre elas, existem diferenças em relação à forma como a história do filho de Deus é relembrada.

A Igreja Católica, considerada a grande disseminadora do cristianismo, começa a reverenciar Jesus Cristo logo após o período carnavalesco, já na quarta-feira de cinzas. Trata-se de celebrar o período da Quaresma, que representa os quarenta dias que antecedem as festas cristãs. É um momento em que os católicos começam a refletir sobre a missão de Jesus na terra, desde os tempos de pregação, passando pela via crucis e morte, até a ressurreição, que, segundo os seguidores de Jesus, foi a forma como Cristo salvou a humanidade da vida pecaminosa.

De acordo com o Monsenhor José Albérico Bezerra, um dos representantes da Arquidiocese de Recife e Olinda, a Quaresma, para os católicos, é um tempo de extrema reflexão. “Refletimos que a Quaresma é um período de preparação da missão de Jesus”, conta José Albérico.

É também na Quaresma que os católicos realizam penitências, que são sacrifícios em nome de Jesus Cristo. Porém, o Mosenhor adverte que não existe relação com o sofrimento. “Penitência não é sofrimento e jejum não é só de comida. O jejum tem de ser de ações ruins que cometemos no dia a dia. Devemos deixa de fazer coisas que nos dão prazer, em sacrifício ao que Cristo fez por nós. Temos que evitar o sexo, a ganância, o ódio, entre outras coisas”, alerta o religioso. Ele também destaca a necessidade de se praticar a solidariedade. “Devemos ser solidários, ajudando os pobres, famintos, doentes e oprimidos e dar um pouco de nós e do que temos a essas pessoas”, aconselha.

O Trido Pascal dos católicos

Monsenhor José Albérico explica que a Igreja Católica tem três grandes eventos religiosos, denominados Trido Pascal. O Trido é realizado na quinta, sexta-feira e sábado da Semana Santa. Cada dia tem um significado para os católicos, de acordo com a história de Jesus Cristo. “Na quinta-feira relembramos a instituição do sacerdócio e da eucaristia, quando Cristo apresentou o pão e o vinho na ceia com os apóstolos”, relata o religioso.

A paixão e a morte de Cristo são lembradas na sexta-feira, quando as pessoas devem trazer as ações de Jesus para a vida cotidiana. “É um mistério tão grande de um Deus que se torna tão humano. Isso mostra o quanto ele amou a humanidade. Devemos trazer esse amor para os nossos dias”, afirma. Finalizando o Trido Pascal, o sábado é o dia em que se comemora a vitória. “Lembramos da ressurreição, que é a vitória da vida sobre a morte”.

Para José Albérico, a Páscoa tem que ser entendida pela humanidade como uma epécie de passagem. “O período representa passagem e as pessoas têm que mudar, e mudar para melhor. Alguns reclamam muito do mundo, mas Deus o fez perfeito, as pessoas é que foram desarrumando seu funcionamento por vontades próprias. Queremos um mundo de justiça, paz, amor e fraternidade”, conta o religioso.

A Semana Santa para os evangélicos

Os evangélicos já começam a se diferenciar dos católicos no próprio período da Quaresma. Para eles, nos quarentas dias não são feitos sacrifícios, como explica o pastor Ney Ladeia, que ministra a Igreja Batista da Capunga, no Recife. “A igreja evangélica não observa a Quaresma, porque Jesus já fez o sacrifício pela humanidade, e por isso, não há a necessidade de penitência da nossa parte”, explica o pastor.

Para o povo evangélico, a Semana Santa tem um significado especial. De acordo com Ney, a morte e a paixão de Cristo "são questões centrais", celebradas na igreja. Nesse contexto, o pastor define a mensagem principal dos evangélicos. “A principal mensagem das igrejas evangélicas é que a salvação acontece em Jesus Cristo, somente nele. A salvação é um presente de Deus e cabe às pessoas aceitarem ou não”, afirma.

O pastor conta que a missão de Cristo na terra serviu para que o homem tivesse a sua relação curada junto a Deus. “Todos os homens foram e são pecadores, e ainda se afastaram de Deus. Por isso, Ele providenciou um homem (Jesus Cristo) para restabelecer a relação dele com a humanidade".

Ney também determina o significado da cruz e da ressurreição, de acordo com o evangelho. “A cruz representa o amor de Deus, onde os pecados foram perdoados. A ressurreição significa a vitória, que é a vida eterna. A Páscoa cristã é o cumprimento do que estava previsto para o filho de Deus”. Nas igrejas evangélicas também são realizadas ações especiais durante a Semana Santa, como musicais, cantadas, dramatizações, entre outras atividades.

Comemoração da liberdade pelos judeus

“A Páscoa judaica tem o conceito da essência da palavra liberdade”. Essa é a afirmação da presidente do Arquivo Histórico Judaico de Pernambuco, Tânia Kaufman. A liberdade condiz com a época em que os judeus foram libertos da escravidão no Egito, há cerca de 1.200 anos antes de Cristo.

Apesar do pensamento em relação ao livramento do povo, para os judeus, a Páscoa também serve como reflexão do mundo contemporâneo. “Hoje existem outros tipos de escravidão, que são as indiferenças entre as pessoas. A gente assiste a escravidão dos tempos modernos”, reflete Kaufman.

Na semana religiosa, os judeus realizam uma série de ações, como musicais e orações. “Também refletimos sobre as histórias do nosso povo e sobre a liberdade em relação a intolerância, nos remetendo aos grupos étnicos e sociais”, completa a judia.

A morte de Cristo não salvou a humanidade, para os espíritas

Mesmo pertencendo ao cristianismo, os espíritas não comemoram a Semana Santa e nem a Páscoa. Para a crença, a morte de Jesus Cristo não foi um ato de sacrifício em prol da humanidade. De acordo Brazmir Santos, colaborador da Sociedade Espírita Dezoito de Abril, de Jardim Paulista Baixo, na cidade pernambucana de Paulista, a doutrina dos espíritas não vê a morte de Jesus como sendo um sacrifício para salvar a humanidade, mas sim, que ele morreu por não ter sido compreendido em seus ensinamentos pela maioria das pessoas.

Segundo o espírita, a doutrina também não acredita na ressurreição do filho de Deus. “Os espíritas não cultuam o martírio do Cristo. Quanto à ressurreição, ou seja, Jesus retornar a vida após o terceiro dia com o mesmo corpo, isso vai de encontro às leis naturais e é cientificamente impossível, uma vez que seu corpo estaria em processo de decomposição, sem possibilidade de vida”, esclarece Santos, que também é membro do Grupo de Investigação e Pesquisa de Evidências Paranormais.

No período santo, os espíritas não realizam rituais, até mesmo porque isso não ocorre em outras datas. Brazmir Santos afirma que “o espiritismo não adota quaisquer tipo de rituais, altares, oferendas, cânticos, vestimentas, danças, objetos, imagens, hierarquia sacerdotal, entre outros, na Semana Santa, na Páscoa ou em nenhum outro momento”.

 

Outras religiões e uma Semana Santa diferente

 

Saiba como movimentos afros comemoram o período, apesar da influência cristã

Na Semana Santa, os fiéis de instituições cristãs costumam refletir e relembrar a passagem de Jesus Cristo pela terra. No mesmo período, outras religiões fazem ritos com características diferentes do que se é comemorado pelos tradicionais costumes do catolicismo e dos evangélicos, por exemplo. Esses ritos quase não são divulgados, e grande parte da sociedade desconhece até mesmo que eles existem.

Algumas religiões de origem africana são responsáveis por “Semanas Santas” diferentes das cristãs. É o caso do candomblé. Com cerca de 300 anos, a manifestação foi recriada no Brasil na época da escravidão dos negros. No entanto, eles não podiam celebrar abertamente a sua religião, por causa da grande repressão da Igreja Católica - religião vigente entre os colonizadores do País. “A gente tem uma relação com o cristianismo por causa do sincretismo”, comenta o pesquisador e integrante do candomblé, Alexandre L´Omi L´Odó. De acordo com ele, os escravos relacionavam entidades do candomblé com santos católicos, e assim, cultuavam a sua religião disfarçadamente.

O Lorogum

Na época em que é realizada a Semana Santa dos cristãos, os candomblecistas realizam um ritual denominado Lorogum. “É quando é escolhido o orixá que vai reger os terreiros de candomblé durante o ano todo”, explica Alexandre. Mesmo assim, é notória na maioria dos terreiros a presença de imagens e representações cristãs, que o pesquisador aponta como sendo “resquícios da repressão, quando os negros eram obrigados a seguir o cristianismo”.

Diferente dos cristãos, quando a Semana Santa é a data mais simbólica das celebrações, no candomblé, o começo do ano é que tem maior destaque. “O início do ano é o mais importante, porque é quando as águas do terreiro são trocadas, simbolizando a renovação”. Porém, no próprio candomblé, é possível ver algumas pessoas mais velhas ainda aderirem a alguns ritos puramente cristãos. “Isso ainda ocorre por causa do calendário cristão adotado e que, até hoje, nos influencia”.

Quando o assunto é acreditar em Cristo, Alexandre é decidido. “Mesmo alguns do candomblé acreditando em Jesus, eu não acredito. Eu acho que Cristo não existiu de fato e essa história foi contada com o objetivo de que os fiéis atendessem a vários interesses da Igreja Católica”, diz o pesquisador. No entanto, ele salienta que o candomblé é uma religião que aceita as outras manifestações religiosas. “Nós aceitamos outras religiões e a qualquer pessoa. Você pode ser o Papa ou o mendigo da rua, que vai ser igual para o candomblé”, afirma.

A jurema

Alexandre também faz parte da jurema, que de acordo com ele, é uma religião de origem indígena. “A jurema existe desde antes dos portugueses chegarem ao Brasil”, afirma. O juremeiro (como se chama o adepto da jurema) e pai de santo Sandro Jucá conta que apesar da jurema ter algumas características do cristianismo, a religião realiza ritos próprios.

“Temos cerimônias que são feitas na Semana Santa. Nós ofertamos na mesa da jurema o pão e o vinho, como objetos de sacralidade pertencentes aos africanos e aos indígenas. Além disso, homenageamos os mestres referenciais da jurema”, conta Jucá. Já de acordo com Alexandre, o Deus da jurema é Tupã e dificilmente a imagem de Jesus Cristo será celebrada pelos juremeiros. “O Tupã tem muito mais significado para nós do que Cristo”, comenta o pesquisador.

Em busca da identidade e do respeito

De acordo com Alexandre, as religiões afros ainda estão em busca da sua identidade cultural e também lutam contra o preconceito vigente na sociedade. “Hoje essas religiões vem buscando mais a sua identidade e o seu principio original. Estamos fazendo movimentos contra o sincretismo religioso. Embora não seja fácil se desvencilhar dos parâmetros católicos, aos poucos, estamos conseguindo a nossa liberdade”, exalta.

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