Tópicos | 126 anos

Morador do asilo Vila Vicentina, em Bauru, no interior de São Paulo, um filho de escravos completou 126 anos de vida nesta segunda-feira (7). José Aguinelo dos Santos, pode ser o homem mais velho do mundo. Ele nasceu em um quilombo de Pedra Branca (CE), em 7 de julho de 1888, pouco depois de a princesa Isabel assinar a lei Áurea, em 13 de maio do mesmo ano.

O que impressiona é o estado de saúde dele. Apesar da idade avançada, "Zé Aguinelo", como é chamado no asilo tem uma saúde igual e até melhor que muitos idosos do local mais novos que ele. Apenas o banho é acompanhado. O restante das atividades ele faz sozinho. O idoso não tem doenças graves, não é hipertenso nem diabético, não tem indícios de Alzheimer ou problemas com a memória. Tem apenas certa dificuldade com a fala e uma pequena demora para acessar as informações e entender o que as pessoas dizem, um problema natural com a idade avançada, dizem os profissionais do asilo.

##RECOMENDA##

De remédios, ele toma apenas um xarope e um estimulante de apetite. Seu cotidiano é acordar às 7 horas, tomar café, ir para o banho e depois caminhar sozinho pelas dependências do asilo, conversar com os colegas e fumar um carteira de cigarros por dia, trazidos por outros idosos do local. "Eles trazem e eu fumo", diz. Mas a maior parte do dia, José Aguinelo passa no quarto, acompanhado de outro amigo, também fumante.

Apesar da dificuldade na fala, Aguinelo, que é um pouco tímido, consegue conversar bastante sobre sua vida com a ajuda da psicóloga Mariana de Fátima Canassa da Silva, que cuida do idoso e está acostumada a conversar com ele todos os dias. Em entrevista nesta segunda-feira, José Aguinelo se lembrou de sua infância e juventude no quilombo, onde ele disse que plantava milho, mandioca e cuidava de pequenas criações. E falou de uma irmã. "Eu tinha uma irmã folgada, mais velha, que judiava de mim. Ela me batia toda semana. Se chamava Maria", conta ele.

Sobre namoradas na juventude, Aguinelo diz que "elas chegavam e passavam", mas não soube explicar por que não se casou com nenhuma delas. Sobre a religião, ele disse: "não quer dizer nada, todo mundo vai morrer". Mas a vida com a irmã e a família no interior do Ceará ficou para trás, segundo ele, quando saiu para fazer a vida. Ele não sabe dizer quanto tempo faz, mas afirma que não pôde trazer a mãe, que ficou no Ceará.

José Aguinelo dá a entender que passou pela cidade de Montes Claros, no interior de Minas Gerais, antes de chegar ao interior de São Paulo, onde foi trabalhar na agricultura. "Vim trabalhar na colheita de café", diz, ao ser questionado sobre como chegou a Bauru. De acordo com a administração do asilo, José Aguinelo foi deixado no asilo, em 1973, já com 85 anos.

"Naquela época, o asilo não costumava pedir os documentos, a burocracia no abrigo era menor", diz Mariana. Os documentos de Aguinelo são de 2001 e foram feitos após uma audiência que ele teve com um juiz de Bauru. "O juiz conversou com ele em um audiência e com as informações que ele repassou, elaborou a certidão de nascimento", conta a psicóloga.

Segundo ela, o asilo tem intenção de checar a idade de José Aguinelo com um exame de carbono 14. "Isso é necessário porque, pelos documentos, ele pode ser o homem mais idoso do mundo", diz. O problema é que este exame, que só é feito no Hospital das Clínicas, em São Paulo, custa em torno de R$ 60 mil, e o asilo não tem condições financeiras para isso. "Estamos tentando ver se conseguimos algumas doações para fazer este exame", diz.

Enquanto isso não acontece, José Aguinelo leva sua vida no asilo, que fará uma festa no final do mês para celebrar seus 126 anos. Se existe um segredo para viver bastante, Aguinelo não quis falar. Disse apenas que gosta de comer arroz, feijão e macarrão.

DE ÉLIDA MARIA

Em vigor no Brasil há mais de um século, a Lei Imperial de n.º 3.353, precedida pela Lei 2.040 e conhecida como Lei Áurea, completa nesta terça-feira (13), 126 anos. A norma sancionada pela princesa Isabel no ano de 1888 extinguiu a escravidão no País. No entanto, em pleno século XXI ainda é notório a existência de práticas que não só prendem, mas de fato escravizam pessoas através de preconceitos, racismo e desigualdades sociais.

##RECOMENDA##

Desde a implementação da iniciativa até os tempos atuais muitas coisas evoluíram e foram condenadas na sociedade. O trabalho escravo infantil é uma dessas ações combatidas pelo Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção ao Adolescente Trabalhador. Fruto do empenho da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), tem o objetivo de buscar metas e eliminar as piores formas de trabalho infantil até 2015 e de erradicar a totalidade do trabalho infantil até 2020.

Mas não é apenas o trabalho infantil, fato corriqueiramente visto na época da escravidão que o Brasil, mesmo discretamente, possui. Segundo a historiadora Pallomma Melo, a Lei Áurea foi vista há muitos anos e principalmente nos livros de história como algo magnífico, porém, pouco se detalha sobre a situação dos negros após a norma entrar em vigor. “Os livros de história disseram que foi algo maravilhoso (a criação da Lei), mas como ficou depois a situação dos africanos que vieram na condição de escravos? Então, quando a gente parte para estudar os guetos, por exemplo, eles foram libertos, mas ficaram a margem da sociedade!”, contextualizou.

Para Melo, uma fatia da sociedade que ainda é escanteada é a mulher que muitas vezes trabalha em serviços “aquém” da sociedade. “Isso só vai mudar se houver, de fato, a implementação de políticas públicas sérias que atendam realmente essas camadas que ainda estão à margem. Houve um avanço sim, mas ainda falta muito, ainda há várias lacunas na Região Norte e Nordeste onde vemos muita deficiência e envolve até a questão educacional”, pontuou.

A historiadora também fez um comparativo entre o quantitativo de pessoas de determinadas etnias em profissões específicas. “Hoje as escolas públicas é composta porque quem? E na privada? Você conta nos dedos quem são pertencentes ao grupo étnico racional negro. (...) Nem todo mundo tem direito a educação de qualidade. Quantos médicos negros temos? Quantos advogados negros nós temos?”, indagou.

De acordo com o mestrando em Ciências Contábeis, João Marcelo, apesar de há 126 anos a Lei estar em vigor, à escravidão ainda existe. "A escravidão não chegou ao fim, outros tipos se institucionalizaram. O preconceito e a descriminação estão dentro de toda a sociedade", avaliou.

Preconceitos atuais - Recentemente durante um jogo da seleção brasileira, lançaram uma banana no jogador Daniel Alves. O atleta comeu a fruta e a partir daí surgiu uma intensa movimentação nas redes sociais com hastag #somostodosmacacos. A iniciativa foi aderida por populares e famosos, porém, muitas pessoas criticam a atitude de quem jogou a fruta e também da frase usada da internet. Não diferente da reprovação da hastag, a historiadora também foi contra a atitude. “Hoje nós temos a escravidão das ideias que são colhidas, porque temos pouco tempo de fazer um trabalho pedagógico que atende a realidade”, frisou, relembrando o fato do jogador. “Infelizmente artistas famosos, apareceram comendo banana e só aumentou mais a crítica que se faz. Eles afloraram pela ignorância e só afetou as redes sociais e houve uma posição contraditória, mas ficou na divisão do que é certo e do que errado e numa sociedade onde as pessoas interagem, também comungam preconceitos”, ressaltou.

Cota para negros – Indo ao encontro da defesa da historiadora sobre oportunidades educacionais a todas as etnias tramita no Senado o projeto de lei 6738/13 que estabelece cotas para negros em concursos públicos. A iniciativa vale para processos seletivos da administração pública federal e das autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União. No entanto, a norma não se aplicará aos concursos cujos editais tenham sido publicados antes da vigência da lei.

Apesar dos avanços e da participação política com projetos como o de cota racial, para Pallomma Melo ainda é preciso mais. “Tem muito o que se fazer, também na questão indígena. Tem muito o que se pesquisar e o que formar. Levar essas novas informações, novas ideias e sair para a prática com toda a sociedade, os colegas de trabalho e até na nossa família.  Porque a gente hão pode nos deixar levar por opiniões, temos que ter um referencial teórico”, destacou a historiadora. 

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando