A cada 19 horas, um LGBTI+ é assassinado ou se suicida vítima da “LGBTfobia” no Brasil. Os dados alarmantes fazem parte do relatório divulgado pelo Grupo Gay Bahia, que detalha o cenário no primeiro trimestre de 2018.
A LGBTfobia está diretamente relacionada a atitudes que proporcioam a exclusão, violência, ódio e negação dos direitos mais elementares, como a vida, de lésbicas, gays e bissexuais. E esse tipo de violência não vem apenas de pessoas desconhecidas, acontece em diversas esferas sociais, desde a família, trabalho e escola. As vítimas do ódio sofrem consequências tanto na saúde física quanto na mental.
##RECOMENDA##No país que mais mata LGBTI+ no mundo, o Brasil, o espaço escolar também contribui na disseminação de discriminação à essa população. De acordo com relatório desenvolvido pela Secretaria de Educação da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), em parceira com o Grupo Dignidade, em 2015, 77,5% dos (das) estudantes LGBTI+ com idade de 13 a 21 anos já foram agredidos (as) verbalmente nas escolas. O mesmo documento detalha uma série de outros pontos relacionados à realidade educacional no Brasil.
Aos 11 anos, no ensino fundamental, Rua Gabirua, mulher trans, foi agredida fisicamente por colegas de classe a caminho de casa. “Os garotos - um pouco mais velhos que eu - começaram a me ameaçar dentro da sala de aula. E assim foi por dias, até que um deles me pegou um dia sozinha voltando para casa com uma corrente na mão e faquinha de serra. Foi horrível. Ele me batia e ameaçava esfaquear minha cara. Eu, muito pequena, só tremia. Acredito que se não fosse uma moça que ia passando na hora, eu estaria com marcas piores daquele episódio, digo físicas, porque as psicológicas permanecem até hoje”, relembra a estudante, que hoje, aos 24 anos, detalha que o bullying e violência sempre fez parte do seu dia a dia estudantil desde a alfabetização.
Para Rua, essa problemática torna a sua realação com a sexualidade ainda mais confusa . “Nessa época, eu não tinha noção nem do que era ser viado e já fui nomeado várias vezes como isso. Eles me ameaçavam com palavras de baixo calão, dizendo que merecia virar homem, já que queria virar mulher. Mas, eu também, não queria ser mulher, nem muito menos um homem”, explica.
“Tudo parecia não mudar, as ameaças e agressões começaram na escola, mas chegaram à rua, em casa. Isso me afetou muito, sentia-me uma pessoa anormal. Abandonei a escola”, enfatiza. Rua ainda destaca que não comentava os casos vivenciados com a família, por não se sentir segura no que diz respeito à receptividade do núcleo familiar.
Os episódios de agressão se repetiam e com o passar do tempo, Rua considera que assumiran um novo cenário quando ela começou a utilizar roupas tidas como femininas, além de alisar o cabelo. “Me viam como sexo fácil. Eu estudei até o primeiro ano do ensino médio e foi nesse ano que sofri violência sexual dentro do banheiro da escola. Eles me prenderam e me obrigaram. Sai da escola. Não aguentei”, recorda. Gabirua ainda descreve que a escola não estava preparada para assumir a sua realidade e suporte quase não existiu.
De acordo com o relatório da ABGLT, 36% dos jovens ouvidos pela pesquisa consideram “ineficaz” a resposta dos/das profissionais de educação para impedir as agressões. Para mais de 50% dos entrevistados, "nunca" aconteceu intervenção por parte dos educadores.
Como consequência das constantes agressões, a evasão escolar é considerada uma "saída" por parte dos estudantes. Além disso, segundo pesquisa do Grupo Dignidade, 64,7% dos jovens faltam à escola por questões relacionadas à orientação sexual (frequentemente ou quase sempre) e 34,7% por causa da identidade/expressão de gênero (frequentemente ou quase sempre).
Eric Alves, de 20 anos, foi um dos estudantes que deixaram o ambiente escolar. Em entrevista ao LeiaJá, ele detalha o processo traumático vivenciado durante o período escolar e as consequências psicológicas das agressões e diretos silenciados; confira:
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O caso de Eric não é isolado. Diversos LGBTI+, durante os anos escolares, já vivenciaram algum tipo de agressão que trouxeram marcas que perduram até hoje. Para João*, estudante de 17 anos, do terceiro ano do ensino médio, a vivência diária é complicada, principalmente por estudar em um colégio religioso. “São diferentes agressões, sabe? Desde até um olhar torto até um empurrão. Durante toda a minha vida, tive que conviver com essa realidade opressora. É difícil ganhar o título de o ‘gay’ da escola, principalmente quando implicam com o meu jeito de ser. Isso acontece desde o ensino fundamental e até hoje eu escuto coisas diariamente, desde a gestão até colegas de classe. Só quero sair da escola e entrar na faculdade”, lamenta. João* almeja entrar em um curso de moda e seguir carreira no universo que, segundo ele, é mais inclusivo do que outras áreas.
Foto: Reprodução/Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil em 2016
Os números refletem em uma realidade em que as agressões não se restringem apenas ao campo verbal, mas, também, ao lado psicológico e físico. “Em torno de um terço (35,8%) dos/das estudantes LGBT foram agredidos/as fisicamente (ex.: puxados/as, empurrados/as) em algum momento na instituição educacional no último ano por causa de alguma característica pessoal”, aponta a pesquisa.
A transexual Lorena* vivenciou o período de transição de identidade de gênero na escola. “Esse momento foi muito importante para mim, mas na escola não tive esse apoio. Cheguei a ser agredida umas três vezes por estudantes. Até por meninas, quando tentei usar o banheiro feminino. Me encararam como uma aberração. As marcas não estão no corpo, elas passaram, mas na minha cabeça permanecem”, explica.
“A população trans e os estudantes que apresentam comportamento diferente ao esperado para o gênero de nascimento são o que mais vivenciam casos complicados na escola. Tudo que é diferente é visto de forma excluída dentro do ambiente escolar. Esse processo está enraizado. E as consequências são casos de bullying, agressões e violência em suas diferentes formas”, explica doutora em saúde coletiva Edna Granja. Para a especialista, é necessário ter um acompanhamento psicológico tendo casos ou não de agressão. O ideal é oferecer assistência dentro do espaço escolar. “Cuidar da saúde mental dos LGBTI+ é o primeiro passo para não intensificar casos de evasão e possível suicídio", alerta.
Uma das consequências mais comuns em todo esse processo é o desenvolvimento de transtorno de ansiedade e depressão. “Esses fatores contribuem para que o estudante se sinta ainda mais descolado socialmente. Na escola, considerada a segunda casa, ele deve se sentir acolhido. Mas quando esse ambiente se torna algo com atitudes de repressão é comum que não haja desejo de ir. Essas agressões também podem influenciar no futuro educacional e cidadão desse estudante”, enfatiza Edna.
Caminhos para mudar
Estabelecer um diálogo entre a família e escola é o primeiro passo para tentar identificar casos de agressão e violência. Para Marco Mota, cientista político e coordenador da Aliança Nacional LGBTI+, cabe ao Estado a criação de políticas públicas que proporcionem o auxílio a essa população.
“Durante toda essa fase, o estudante passa por diversas situações e a questão de gênero também pode ser considerada. Quando há uma escola e família orientada haverá um acolhimento desse jovem. Mas há uma falta de programas que facilitem esse diálogo”, explica.
Marco detalha que a falta de centros e de apoio às vítimas de violência dificultam essa situação. Segundo ele, ao vivenciarem situações como essas, os estudantes devem buscar ajudas em organizações e institutos que auxiliem no procedimento adequado para cada Estado. "É importante correr atrás da denúncia e abrir a discussão sobre essa problemática", conclui o cientista político.