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Entrevista: Sidney Rocha

Cristiano Ramos, | qua, 05/10/2011 - 08:28
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Agora, nas quartas-feiras, a coluna Redor da Prosa trará entrevistas com escritores, críticos e pesquisadores. A estreia é com o romancista e contista Sidney Rocha, que recentemente lançouO Destino das Metáforas (Iluminuras, 114p.). Em breve, o portalLeiaJávai veicular também o programa NotaPE com este autor cheio de ideias e provocações – como todos bem poderiam ser.

Sidney, você já me disse que literatura tem que causar espanto, tirar o leitor do lugar. Entre os escritores vivos, alguém o espanta? E por quê?

Shakespeare está vivo ou está morto? Como Cervantes morreu, se falamos nele agorinha mesmo? O tempo é também uma territorialização (já que você anda interessado no assunto). E Bolaño, já pode se considerar um autor morto? Lógico, não se trata de um devaneio meu. Não vou abandonar a literatura pela física quântica. Ontem eu estava lendo Graciliano Ramos, Vidas secas, e estava, de novo, espantado. Mas, dando grande distância do século XIX, começando a contabilizar agora, poucos são os autores espantosos. Bolaño, que já citamos, e Don Delillo, só pra ficar nos livros mais recentes desses dois. A forma como Delillo encara o tempo, e resolve o problema emPonto Ômega, pra mim, é espantoso. Mas ninguém lerá nem um nem outro.

E o escritor Sidney Rocha, que caminhos escolheu para causar no leitor esse assombro?

Vou repetir o que disse na semana passada na bienal de Pernambuco: não estou ligado a movimentos literários, mas a movimentos peristálticos. Busco que o leitor se assombre consigo mesmo no meu texto. Deixo ali as lacunas para ele cair no abismo, que é quando a viagem parece mais interessante. E, quando o estômago revirar um pouco, é só um sinal de que ele está vivo. Dê graças! E desça mais!

Ao lermos orelhas e apresentações, impressão que fica é que praticamente todos os autores espantam e inovam...

O c(ego) que passa a mão na orelha do elefante terá uma ideia distinta daquele c(ego) que pega no rabo. Vamos ter paciência. Orelha de livro é medida gráfica. Quase nunca tem a ver com literatura. Aliás, há um conto meu, chamado “Texto de orelha”, neste livro novo, O destino das metáforas, que dá melhor ideia do que acho disso. Peça que seus leitores o leiam. Se você quer combater texto de orelhas, convença os gráficos a deceparem com todas, antes do livro chegar às livrarias. Mao faria assim, e mal não faria. Não tem orelha no Livro Vermelho. Nem nos livros da Bíblia. Mas, neste caso, acho que pelo menos Genesis e Apocalipse precisavam.

Conversamos algumas vezes sobre os clichês e fórmulas feitas da crítica. Hoje, qual o maior desafio da crítica: saber o que dizer, ou como dizer?

A crítica corre um sério risco hoje em dia, que é se estabelecer como verdade. Parece que a crítica precisa mais de ideologia, ou de injeção de novas ideologias, mais que a literatura e que outras técnicas. Mas onde há um marxismo tão bom como era aquele, o nosso? Onde a crítica vai encontrar algo pra colocar no lugar desses fundamentalismos? É preciso alguém derrubar também as torres gêmeas de marfim e recriar um novo modo de pensar. Ou seja: é preciso criar um pensamento. Muitos estão esperando na boca da toca pra o primeiro apontar o caminho. No meio da fumaça, escritores escrevem.

Os teóricos e críticos literários realmente conhecem os leitores sobre os quais tanto discutem?

Não precisam. Precisam conhecer o que leem. Críticos não são animais diagnosticadores. Não são a polícia forense da literatura, o CSI da produção contemporânea. Ajuda se encararmos que a crítica é produto autoral, muitas vezes idiossincrático como a própria ficção que construímos.  Gosto da crítica de uma resenha, por exemplo, que prescinde do livro que resenha naquela hora. Li umas resenhas tuas que têm disso. Resenha que aponta todos os caminhos. Entre o médico e o açougueiro, prefiro o de avental mais sujo. Não quero que juntem e costurem pra mim. Quero que retalhem os pedaços maiores. Eu junto como eu quiser.

Com aumento das festas, bienais e demais eventos literários, o debate em redor das relações entre arte e mercado tomou fôlego novo. O que você acha disso? Existem mesmo lugares onde não cabe a literatura?

É preciso cada vez menos literatura. Quando escrevo tenho isso em mente: “Sidney, lembre-se: ponha menos literatura nisso, menos, menos”. Então, se na literatura que se escreve é preferível menos literatura, imagine o que se pode dizer das feiras e etecetera. Elas têm outra função, mas dispensemos o romantismo disto também. É uma função mercadológica, de vendas. Agora, estas questões de arte/mercado é assunto também antigo e vencido desde os anos 60. Ou vencido de antes, desde a arte moderna. Esse Rexona sem fim. Ao invés de nos limitarmos à pergunta burguesa do “Será arte?”, que encaremos a sério a pergunta “Será mercado?”. É preciso que nos apropriemos dos meios de legitimar isto e entendermos essa merda, ao invés de ficarmos na mão de meia-dúzia de bienalistas, e três ou quatro lobistas do Nobel. Aí, sim, veremos a literatura, o cinema e a poesia nacional darem saltos mais significativos.

Conversamos sobre Fuentes e o Geografia do Romance. E você falou sobre a importância do tema. Qual seria a geografia do escritor Sidney Rocha?

Sim, gosto do tema porque nos leva para o assunto “geografia” sem essa preocupação risível dos territórios, das regiões, dos países. Recentemente falei sobre isto numa mesa sobre “Nova estética”. Eu disse que a minha geografia era a da imaginação e da memória. Isso o Fuentes diz também. É a “fronteira de cristal” – para lembrar outro livro dele – que nada tem a ver com o tema. Imaginação e palavra. Eu prefiro a memória como ponto geográfico. Mas o tema para mim se espicha quando leio o Franco Moretti, em A literatura vista de longe. A minha edição é de 2008. Ali, você encontra com muito mais humor essas aproximações. O assunto (o lugar, a geografia) é uma das bases e lastros do meu romance novo, Geronimo.

Você gosta de ratificar que não cria romances e contos, mas uma obra. Que todos os seus livros são momentos de algo que vai além de cada trabalho. Onde você acredita estar, nesta altura da jornada?

Na beira do abismo. No mesmo ponto onde comecei. Você vai me encontrar amanhã, aqui mesmo.

 

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