Ao longo da vida de uma pessoa seu repertório é desenvolvido à medida que somos expostos aos objetos culturais. Isso é necessário para que possamos entender objetos cada vez mais complexos, começando dos mais simples e disso muitas vezes acabamos separando esses objetos em categorias: coisas de criança, coisas de adultos.

Pensando nisso, e pensando no desenvolvimento pelo qual passa o nerd, vamos pensar sobre os desenhos animados, do jogos, as revistas e os filmes que seriam característicos dessas fases da vida e vamos dar uma olhada em alguns exemplos disso (sendo um pouco tendencioso com os exemplos que marcaram a minha própria trajetória).

Animes

Animes são a versão animada dos mangás (que são as revistas em quadrinhos típicas do Japão). Diferente dos desenhos animados ocidentais, os animes tratam de temas mais variados e são reconhecidos como conteúdo para as mais variadas idades, enquanto que os "nossos" desenhos animados são bem ligados à fase infantil (pelo menos era assim até a Locomotion, a Nickelodeon e o Cartoon Network apresentarem alguns formatos bem diferenciados...).

Dentro do universo infantil, animes como Hamtaro trata de aventuras ligadas a escola, bichinhos de estimação falantes (que são do imaginário de toda criança). Essa proximidade é um convite ao interesse dos mais jovens e acaba sendo uma porta de entrada para todo um universo de possibilidades. Com o estilo de desenho e animação mais leve, tem uma fruição mais fácil e agradável.

Cavaleiros do Zodíaco foi um dos primeiros animes a fazer sucesso com o grande público no Brasil e atinge o público numa fase entre infância e adolescência (geralmente) e trabalha com a canalização da violência típica dessa fase, mas juntamente com isso traz os questionamentos de certo e errado e da importância de se lutar por aqui que é certo, manter seus ideias e de crescer.

Evangelion, por sua vez, é um anime que visualmente trata de robôs gigantes lutando contra invasores gigantes do espaço... mas ao conhecer a história, ela trata da resistência humana frente ao ataque dos "Anjos", que são tratados na série como uma possibilidade de que Deus esteja extinguindo a vida na Terra. O resultado é que as lutas são uma metáfora para a existência humana e a sua resistência para nos mantermos vivos. Os episódios são recheados de reflexões filosóficas e frequentemente usa o protagonista para retratar a desesperança e os sofrimentos do amadurecimento.

Videogames

As gerações nascidas a partir dos anos 80 já viveram uma realidade onde ter consoles de jogo em casa era comum. Jogos de videogame existiam fazia tempo, mas de modo geral ficavam nas casas de jogo (os fliperamas, playtimes, arcades, ou como queiram chamar). Os jogos nesses locais era pago e não faziam tanto o perfil para crianças como passaram a fazer a partir dos anos 80, principalmente a partir do Atari. Com o console em casa, o videogame se tornou uma diversão acessível para as crianças também.

Os jogos da franquia Super Mario são tudo o que se pode chamar de "lúdicos". Cores vibrantes, personagens (mesmo os vilões) visualmente simpáticos e metáforas para a violência passar sem impactar os jogadores. Tudo convidativo para os mais jovens.

Valkyrie Profile: Silmeria é o melhor jogo de videogame que eu já joguei... Se por um lado ele é um jogo de enredo épico envolvido com a mitologia nórdica de muitos combates e muita estratégia, ele também fala sobre  a abnegação dos personagens que entregam suas vidas pelo bem maior. Além disso é um jogo recheado de cutscenes (vídeos que conduzem a narrativa entre as fases do jogo) que aprofundam as relações emocionais dos personagens, indo além de apenas ação e aventura.

Indigo Prophecy (ou Fahrenheit) é um jogo cujo enredo trata de você descobrir a verdade sobre uma situação onde você foi incriminado por um assassinato, onde você acorda na cena do crime, sujo no sangue do morto. O mais interessante nesse jogo é que você perde quando é preso ou quando seu personagem perde a vontade de viver (o que o leva a se matar). Isso acaba dando ao jogo uma trama mais dark mas muito interessante (e profundamente desaconselhável para crianças).

Quadrinhos 

Os quadrinhos por definição já existem como um formato híbrido de texto e imagem que ajuda as crianças a adentrar no mundo da leitura... mas eles vão muito além disso. Os quadrinhos são uma forma própria de narrativa e se configuram como uma forma de expressão plástica única também.

Os quadrinhos da Turma da Mônica, por décadas, contam histórias de crianças que moram próximas umas das outras e que brincam juntas. Os personagens tem suas características marcantes (um que não gosta de tomar banho, uma que é gulosa, um que fala errado...) e juntos vivem aventuras do universo infantil, com seus animais de estimação, bichos de pelúcia, etc.

Os quadrinhos de super-heróis são uma renovação dos mitos heróicos da tradição grega. Suas histórias, suas formas de atuação, suas relações criam as fábulas e mitos através dos quais princípios de virtude ideal para o público juvenil, juntamente com o elemento do fantástico, da aventura e dos grandes feitos que criam um mundo à parte onde o leitor se refugia da sua própria realidade.

E há os quadrinhos de temática mais adultas, como é o caso de Sandman. Nesta obra o protagonista é o senhor do sonho e seus irmãos são a Morte, o Delírio... são os auto-denominados "Perpétuos", pois se tratam de forças da constituição humana e do próprio universo. A maior parte das histórias se passa sobre os embates psicológicos, filosóficos e éticos da condição da humanidade e do universo em si mesmos. Definitivamente não é uma leitura que agrade um público juvenil, mas seus fãs são profundamente cativos.

E caso você esteja se perguntando, aquela imagem lá em cima trata do desenho "Ren and Stimpy", lançado no Brasil pelo canal Locomotion. Ele trata de aventuras non sense ou mesmo escatológicas. Da mesma forma como esse desenho, grande parte dos desenhos do canal Nartoon Network utilizavam um visual infantil e lúdico para atrair os mais jovens, mas utilizava conteúdos e temáticas mais adultas, para entreter os públicos mais maduros. Um exemplo disso é o episódio da Meninas Super Poderosas que fazia uma paródia onde os vilões da série formavam um grupo chamado "Beat-Alls". O episódio é todo recheado com referências visuais e históricas da banda, o que não seria condizente com o universo infantil, mas para outras audiências (EU, por exemplo) foi um puro deleite.

Essa cena do desenho retrata a famosa capa do álbum Abey Road dos Beatles