Tópicos | Brega dos anos 2000

Quem vive em Pernambuco certamente já ouviu em algum momento da vida as músicas “Kelly”, da Banda Labaredas, “A vida é assim”, do Conde Só Brega, “Estando Com Ela, Pensando Em Ti (Que tontos, que loucos)”, de Kelvis Duran e “Topo do prazer”, da Banda Metade, além do hit “Balança, Balança”, de autoria do MC Troinha. Apesar de diferentes roupagens de acordo com a época de lançamento e arranjos musicais distintos, todas as canções citadas acima são conhecidas localmente por integrar o movimento do brega pernambucano.

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Doses de cachaça após um coração partido, romantismo exacerbado, dor de cotovelo por um amor não correspondido e sexualização com duplo sentido são as principais temáticas abordadas nas letras do ritmo, que ganhou uma versão genuinamente pernambucana. A força do brega é tão grande no Estado que em abril de 2017 a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) aprovou o projeto de lei nº 1176/2017, responsável por elevar o ritmo à categoria de expressão cultural de Pernambuco.

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Mas, apesar do reconhecimento atual, o brega tem um percurso longo de preconceito, marginalização e exclusão do mercado e da indústria fonográfica tradicional. No final da década de 1960 e início de 1970, o ritmo surgiu no Brasil, mas ainda era apresentado como "música romântica popular". Cantores como Odair José, Fernando Mendes, Agnaldo Rayol e Leonardo Sullivan não diziam cantar “brega”, muitas vezes por achar que a expressão diminuía o trabalho deles e não os representava. Nesse primeiro momento do brega, as letras eram mais românticas e o ritmo era influenciado por cantores como Elvis Presley e Frank Sinatra.

Em meados dos anos 1970, o pernambucano Reginaldo Rodrigues Santos Rossi decidiu abandonar a cena rock'n roll e se dedicar ao gênero popular, sendo reconhecido mais tarde como "o Rei do Brega". Em 1980, Rossi já era um fenômeno de vendas no Nordeste e foi um dos responsáveis por iniciar o processo de popularização do brega entre a parte mais abastada da população de Pernambuco. Apesar disso, Reginaldo nunca deixou de lado a forte influência dos Beatles e de ritmos como o bolero, a lambada e o merengue.

No segundo momento do brega, ainda nos anos 1980 e início dos anos 1990, surgiram figuras muito conhecidas e idolatradas em Pernambuco. Os irmãos José Carlos, conhecido como Mittó, e José Edson, o Orelha, criam a Banda Labaredas, um dos grupos responsáveis por fortalecer o brega pernambucano e trazer de volta o ritmo à periferia. Além de cantar canções românticas de exaltação à mulher, entram nas letras de Labaredas as desilusões amorosas e do cotidiano dos nordestinos.

Labaredas

Em entrevista ao LeiaJa.com, o vocalista Mittó fala sobre a ascenção da Labaredas. “Na época que entramos em cena, o ritmo estava sumido. Queríamos trazer de volta cantores antigos como Odair José, Baltazar e Carlos André com uma nova roupagem. A gente veio para somar e não para dividir”, diz Mittó. Para ele, naquela época era muito vergonhoso admitir que cantava brega, justamente por ser um ritmo nascido na periferia.

“Não queríamos dizer que éramos só românticos, a gente era brega também. Modificamos o ritmo, incluímos alguns instrumentos e equipamentos novos, como o teclado. Começamos a falar de amor e também de sofrimento”, relembra o vocalista da Labaredas. Em 1998, a banda lançou o primeiro disco oficial e em seis meses foram mais de 200 mil cópias vendidas. “Mesmo assim, algumas rádios não queriam tocar nossa música porque diziam que era de má qualidade. No começo fiquei frustrado, mas depois percebi a quantidade de fãs que tinha conquistado e segui em frente”. Aos 35 anos de carreira, Labaredas possui 22 CDs, 5 DVDs e atualmente faz uma média de três shows semanais.

Conde 

Na década de 1990, o vocalista banda de forró "Farofa com Charque" decide, por opção mercadológica, investir no ritmo que crescia no Recife: o brega. Dono de repertórios nostálgicos, e um dos principais representantes “das antigas”, o Conde do Brega é só carisma. Aos 63 anos, ele conquistou um público fiel e fez de suas canções verdadeiros hinos que embalaram e ainda embalam momentos da vida dos pernambucanos.

Também influenciado pelos bailes de dança, pelo merengue e pelos primeiro cantores de brega, o Conde, junto com Augusto César, é o que há de mais popular no ritmo. O projeto ‘O Conde e a Banda Só Brega’ teve início em 1999 e deixou sucessos como “Estrela”,  “Azafama” e “A vida é assim”, essa última teve parte do refrão como título do livro do professor e pesquisador do departamento de Comunicação da UFPE Thiago Soares. “Ninguém é perfeito e a vida é assim”: a música brega de Pernambuco deve ser lançado em agosto deste ano.

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De acordo com Thiago Soares, o brega, além de gênero musical, também é uma manifestação social da periferia. Para o pesquisador, para entender porque o ritmo é tão querido em Pernambuco é preciso pensar sobre a carnavalização. “O Carnaval é a inversão das classes sociais, assim como a nossa lógica carnavalesca. Se engana quem pensa que o brega está circunscrito a um período do tempo. Hoje em dia, é só dar o play numa música de brega no meio da discotecagem que é como se o público se soltasse, é a sensação de permissividade, assim como no Carnaval”, explica.

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A voz feminina no Brega dos anos 2000

Já no fim do ano de 1999 e início da década de 2000, o ritmo pernambuco perde um pouco da influência da Jovem Guarda e do bolero e ganha referências do ritmo do Pará, conhecido como Tecnobrega, gênero musical popular surgido em Belém, que mistura o calypso, o forró, o merengue e o carimbó, além de batidas eletrônicas. Nesse novo cenário, novas bandas com roupagens diferentes e estéticas inovadoras começam a surgir no Estado.

Principal representante da nova etapa do brega pernambucano, a banda paraense Calypso faz do Recife sua nova morada e conquista o público com um novo embalo nas letras e no swing das músicas. Liderado por uma vocalista mulher, a Joelma, Calypso foi a principal influência da terceira fase do brega pernambucano. Um show montado com coreografias, bailarinas com roupas sensuais e ousadas e a voz feminina presente no palco, algo que ainda era raro no brega.

A nova fórmula funcionou e o brega voltou a animar festas, rodas de encontro e agora falava muito mais de superação no amor e de valorização da mulher. Nos anos 2000, nesse mesmo momento, surge a Banda Metade - que ganhou fama pelos gemidos da vocalista Michelle Melo -, a Banda Camelô, Ovelha Negra, Banda Carícias e a Nega do Babado. As vozes feministas aparecem com mais frequência e os shows perdem a rigidez de outros momentos e agora são “verdadeiros espetáculos pensados”, como define Michelle, em conversa exclusiva ao LeiaJa.com.

Thiago Soares explica que, com a chegada do Calypso, a configuração estética do brega local passa por mudança. “Antes, o ritmo era ligado a um movimento de seresta e a influência do Pará traz essa dinâmica do pop e do feminino. Podemos dizer que houve uma reconfiguração do ritmo”, afirma.

Nos anos 2000, o ritmo da periferia ainda era muito marginalizado e poucas bandas conseguiam dinheiro para produzir um CD de forma oficial. A indústria fonográfica não dava valor ao popular e meios alternativos de divulgação foram se estabelecendo em meio ao cenário de preconceito da mídia tradicional. Sem muitos recursos, as bandas começaram a disseminar suas músicas através de CDs piratas vendidos em feiras de bairros e  principalmente nas famosas “carrocinhas”. Os vendedores circulavam pelos bairros populares tocando as músicas do momento. No início, os preços variavam entre R$ 5 e R$ 10. 

Uma outra forma de divulgação do trabalho eram os famosos programas de auditório das televisões locais. "Muito Mais", "Pedro Paulo na TV" e "Tribuna Show" com Denny Oliveira eram os mais populares. Em meados de 2005, nomes como Swing do Amor, Vício Louco e Kelvis Duran são figuras marcantes nesses programas. DJs como RemixSom, Topó e Val também começam a ganhar fama. Eles produziam coletâneas dos principais sucessos de cada banda e divulgam o trabalho em apenas um CD, através de volumes distintos.

A Madonna do Brega Pernambucano, como é conhecida Michelle Melo, relembra o preconceito no início da carreira e fala sobre as mudanças do ritmo ao longo dos anos. “Eu já sofria preconceito naturalmente por ser uma mulher no palco e isso aumentou quando eu gravei ‘Baby Doll’ porque era uma música que tinha gemidos e um toque sensual. Eu confesso que senti um pouco de vergonha no primeiro mês. Mas depois eu percebi que o brega nos dá muito mais motivo pra se orgulhar do que pra se envergonhar”, afirma a ex-vocalista da Banda Metade.

Para Michelle, com quase 20 anos de carreira, a influência do Pará foi um divisor de águas na história do ritmo em Pernambuco. “Tínhamos uma proposta diferente. A gente não só cantava, mas fazíamos um teatro. Eu sempre gostei muito de cantoras internacionais e tive a ideia de unir atuação, dança e o canto e o sucesso foi incrível. As pessoas não queriam só ouvir a música, elas também desejavam assistir a um espetáculo com coreografias e figurino, tudo ensaiado”, conta a cantora. Ela resume o brega não não só como um ritmo, e sim como um movimento social e uma saída que a periferia encontrou para mostrar o seu talento e fazer parte dos produtores de arte.

O brega na batida de funk carioca

Entre o anos de 2005 e 2009, o brega cresceu lado a lado com o “forró estilizado”, como Saia Rodada e Aviões do Forró e localmente perdeu um pouco de espaço para a “swingueira”, representada por bandas como Excesso de Bagagem e Sem Razão. As carrocinhas estavam em decadência, os CDs já não vendiam tanto por causa da facilidade da Internet e os programas de auditório chegaram ao fim.

A partir do ano de 2010, o brega sofre uma forte influência das batidas cariocas do funk, ritmo que representa a voz da periferia do Rio de Janeiro. Para o estudioso Thiago Soares, entra em cena o que pode ser chamado de “brega funk”. Ele explica que isso se dá com a aparição das duplas Metal e Cego e Sheldon e Boco. “É um modelo mais barato de produzir, também havia mais jovialidade e a temática de assuntos contemporâneos, além da volta da figura masculina no brega”, explica.

A figura do MCs pernambucanos ganha força e o romantismo fica um pouco de lado. Segundo o pesquisador Thiago, não é que uma fase exclua a outra, pelo contrário elas convivem, mas uma fica mais evidência por causa do mercado. Ele explica que esse fenômeno da “periferia pop” também aconteceu com o funk no Rio e com o reggaeton e a Cumbia em vários países da América Latina.

Com letras mais sexuais, batidas mais eletrizantes e a chegada da expressão “novinha”, o brega-funk contou com a internet como o principal meio de divulgação. Músicas no formato online, videoclipes super produzidos no Youtube e páginas como a Brega Bregoso fomentam a disseminação dos principais sucessos dessa modalidade nova do brega.

Apesar de alguns cantores discordarem que a nova roupagem do ritmo possa ser chamado de brega, o termo tem sido usado também para ela. Para Thiago Soares, se a sociedade nomeia como brega, não são pesquisadores ou músicos que vão sobrepor à visão do povo. “Temos que entender: o que agrega as pessoas a chamarem de brega? Existe algo que é mais forte, é cultural e faz com o que as pessoas continuem nomeando a experiência cultural de brega”, afirma o estudioso.

Para Michelle Melo, o brega evoluiu e as bandas também têm que se reinventar. “Eu sou totalmente contrária a dizer que coisas novas não fazem parte de algo. O brega de hoje não é o mesmo das décadas de 1980, 90 ou 2000. E também não será o mesmo nos próximos anos.  Ele evolui de acordo com os costumes da época”, confessa a cantora. Para ela, a geração atual fala com menos pudor e por isso os MCs acompanham, com músicas diferentes, a mesma linguagem da sociedade. “É isso que os garante muito sucesso agora”, atesta. 

Atualmente, nomes como MC Troinha, Sheldon Ferrer, Dadá Boladão, MC Japão e MC Tocha são nomes que representam a nova fase do brega pernambucano. Em comum, eles carregam o estigma de serem da periferia e de uma classe mais baixa.  O figurino também é parecido. Correntes de ouro, camisas de marcas famosas, carros de luxo nos videoclipes e sempre vistos ao lado de mulheres bonitas com bebidas mais caras.

“É a partir disso que o sujeito o subalterno adentra numa lógica de protagonismo, eles conseguem ter visibilidade. Mas essa lógica tem como consequência uma tensão social. São letras machistas, objetificação das mulheres e excesso de sexualidade. Muitas vezes são pessoas invisíveis no contexto social que precisam se estigmatizar e entrar no estereótipo de ‘maloqueiro’ que a sociedade colocou para ele”, explica Thiago Soares, sobre a nova vertente do brega pernambucano.

Do brega romântico das antigas ao brega funk da atualidade, não se pode negar que o ritmo conquistou os pernambucanos e veio para ficar. Atualmente, é o gênero mais ouvido em Recife no Spotify. De acordo com um balanço divulgado pelo serviço de streaming, no top 10 entre as 100 mais ouvidas aparecem MC Troia ocupando as três primeiras posições com 'Devassa', 'Bumbum no ar' e 'Som do paredão'. Em seguida, a pela banda Torpedo, Kelvis Duran, banda Musa, Sedutora e Brega.com. Só Brega, Nega do Babado, Banda Carícias, MC Japão e o rei Reginaldo Rossi também aparecem na lista.

Confira a playlist com músicas marcantes do brega elaborada pela reportagem do LeiaJá.com. A listagem é pública e o leitor pode acrescentar mais músicas:

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