Tópicos | Camboa do Carmo

Quem anda pelo bairro de Santo Antônio, no Recife, mais precisamente pelas ruas das Flores e Camboa do Carmo, provavelmente já precisou desviar das placas que anunciam compra e venda de ouro, ou então responder a alguma abordagem dos compradores. A quantidade de gente envolvida nessa atividade chama a atenção. As camisas de cores berrantes e as interpelações são marcas registradas. Há espaço para negociar prata, mas ouro é o principal.

O comércio é de longa data, focado principalmente em pequenos objetos como anéis e cordões. O local também abriga várias joalherias e, na grande maioria das vezes, o material comprado fica por lá mesmo, transformado em novas jóias. Nada de grandioso, como talvez a figura do ouro nos leve a imaginar. As décadas de negociações, porém, renderam algumas histórias tão valiosas quanto o metal dourado.

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Naldinho Jamaica, como é mais conhecido, trabalha há quatro anos abordando pessoas interessadas em vender ouro. Ele leva uma comissão caso o negócio se concretize. Como um bom vendedor, ele não para quieto. "Eu fico de olho também em quem está na concorrência e tento pegar o cliente pra mim", conta, sem constrangimento algum. Capitalismo selvagem em seu estado mais bruto. A avaliação, apesar disso, não custa nada ao cliente.

Essa é primeira etapa do processo para quem quer se desfazer de algo de valor no bairro de Santo Antônio. Essas pessoas são chamadas de captadores. Os anos de experiência já até lhe credenciam a saber que peça vale a compra ou não. "Quando consigo um, levo lá em cima e fico esperando no que vai dá", afirma Jamaica. O "lá em cima" ao qual se refere é a sala do comprador para quem trabalha, que fica no edifício Solimões, na Rua da Flores.

O prédio abriga uma infinidade de joalherias e atravessadores que negociam ouro. No local, a movimentação é intensa. Quase todos, porém, discretos em falar abertamente sobre esse tipo de comércio, principalmente os compradores. Nenhum quis conceder entrevista à reportagem do LeiaJá, sob a justificativa de que a exposição não seria boa.

Garimpeiros urbanos

Já caído em desuso há muito tempo, os dentes de ouro ainda aparecem como artigo de negociação. "Até hoje vem coveiro. E é o melhor ouro, porque é de 22 quilates, que é pra não ter rejeição do corpo", explica o ourive Heriberto Rodrigues, 57 anos, sendo 40 deles negociando e fazendo jóias. "Quando tem a troca dos ossuários antigos, sempre sobra um dente ou outro. Ninguém reclama, eles pegam", diz, de forma descontraída.

Heriberto explica que sua primeira missão do dia é ver a cotação no jornal. Com o preço definido, ele recebe os interessados no negócio. A grama, atualmente, varia entre R$ 120 e R$ 125. "Aqui o que mais vêm são dois tipos de garimpeiros: os do mar, que mergulham atrás de jóias perdidas pelos banhistas, e os do asfalto, gente que vai de casa em casa, procurando peças para comprar e vender pra gente", afirma.

Carnaval

Os dias que sucedem a Folia de Momo aquecem o mercado por um simples motivo: o fim dos noivados, provocado por traições ou simplesmente ciúmes. Ronaldo Vieira, 44 anos de praça, aproveita essas crises amorosas. Ele é atravessador: compra para vender aos ourives. Às vezes, confessa, tem pena, e se o noivo(a) for rápido(a) e voltar lá depois de bater o arrependimento, ele devolve o anel. Porém, não sem antes lucrar. "Eu dou retorno, mas cobro. Se ele me vendeu por 200, por exemplo, vai voltar para mão dele por 250", crava.

Já Heriberto diz que os arrependidos não dão sorte com ele. "Quando volta alguém sempre é tarde, eu já tenho derretido. Derreto assim que compro. É triste, mas não posso fazer nada", defende-se. Entretanto, de acordo com ele, não são só os términos que movimentam as negociações da Camboa do Carmo, onde ele atua. "Se eu compro 10 alianças por dia, também vendo 10. É equivalente. De mesmo jeito que um monte de casamento acaba, outros tantos começam", comemora.

Corrida do ouro

Os anos do garimpo de Serra Pelada, há quase 40 anos, são apontados como a época dourada do comércio no Brasil. Apesar de ficar a mais de dois mil quilômetros do Recife, o ouro de lá do interior do Pará veio bater aqui. "Tinha gente que fugia dos impostos. Aí traziam para vender aqui para conseguir um preço melhor. Geralmente pepita ou em pó", recorda Heriberto.

Essa "fuga" acontecia porque, em 1980, o governo brasileiro interviu na área e todo metal encontrado deveria ser vendido apenas à Caixa Econômica. Mas esse ouro não era pra todo bolso. "Não cheguei a comprar nada de Serra Pelada, porque era coisa fina e eu não tinha capital. O que eu fazia era repassar e pegar comissão", lembra Ronaldo.

Segundo ele, as grandes negociações enriqueceram alguns, mas também trouxeram desgraça a outros. A "febre do ouro" fez até vítimas fatais na capital pernambucana. "Aconteceu de comprador se enganar e pegar mercadoria falsa. Conheci, inclusive, gente que se matou por causa do prejuízo", conta.

É consenso geral que o negócio caiu nos últimos anos. O motivo apontado é a grande quantidade de novos negociantes que surgiram. "Agora tá fraco demais. Eu mesmo estou há cinco dias sem nada. É muita concorrência. O desemprego fez o negócio aumentar", afirma Ronaldo. Para Heriberto a falta de conhecimento dos rivais também atrapalha. "É muita gente que nem entende direito do assunto. Isso faz o preço cair", reclama.

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