Tópicos | Coco de Praia do Amaro Branco

Assim como tantos brasileiros comuns, nascidos e criados nas periferias do país, Edmilson Bispo dos Santos teve uma vida baseada no trabalho braçal. Foi dando duro com as próprias mãos que ele construiu a casa e a família, mas o que chama atenção nessa história é que ela é contada em verso.

Edmilson é um dos representantes mais antigos dos saberes do coco de praia do Amaro Branco (Olinda). Cantor, compositor e mestre dessa cultura tradicional, aos 71 anos, ele realiza o sonho de lançar o primeiro álbum: 'Mestre Edmilson do Coco - Eu Sou Verdadeiro', já disponível em todas as plataformas digitais para espalhar um pedaço de sua larga vivência através da sua poesia. 

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A labuta e o coco chegaram cedo na vida do mestre. Aos 12 anos começou a trabalhar em uma serralheria, depois aprendeu o ofício de pedreiro e foi com as próprias mãos que construiu a casa onde hoje vive com a família. "Não sei se tá bonita, mas quem fiz fui eu", diz ele orgulhoso em entrevista exclusiva ao LeiaJá.

Já os saberes do coco de roda, o mestre foi aprendendo pelos lugares onde nasceu e se criou, em Olinda, e com outros mestres com quem conviveu; entre eles o avô, João Francisco da Luz, e o irmão, Mestre Ferrugem, esse último, falecido em 2016. "Ele (Ferrugem) cantava bem, era o mestre mais conhecido de Pernambuco, e eu tocava com ele. Eu era a segunda pessoa dele, aí começou a história", conta Edmilson.

Os irmãos faziam coco juntos e, muito parecidos fisicamente, por vezes eram confundidos na rua e o engano precisava ser desfeito. Naquela época, Edmilson já queria soltar a voz mas, a princípio, foi desencorajado pelo irmão. "Eu dizia: 'Ferrugem, deixa eu cantar'. Aí ele dizia: 'Não, você foi feito para bater o bombo'. Eu tive tanta raiva que desaprendi a tocar o bombo", relembra o mestre.

A passagem, porém, inspirou Edmilson a compor. Após conversar com o irmão, ele chegou em casa contrariado e ao se deparar com a novela 'O Clone', no ar à época, ele encontrou a resposta criando música. "Cantei, achei bonito, daí ele chegou e eu disse: 'Eu fiz um coco, bora escutar pra ver se você me apoia. 'Menino eu não sou clone, eu sou verdadeiro'", conta e canta o coquista. 

Após a aprovação do Mestre Ferrugem, as criações não pararam mais e lá se vão mais de 30 anos. "Comecei fazendo coco, a turma gostando, e aí a gente foi". E tudo dá mote para o mestre rimar: um balão voando no céu em noite de São João, um mosquito voando sob água parada, uma viagem ao Rio de Janeiro, a história de um filho. "Aí dá um coco", diz ele, e começa a cantoria.

De lá para cá, o mestre já pisou nos mais diversos palcos do Recife e Olinda, passando por Brasília (DF), Petrolina (PE) e Rio de Janeiro (RJ). Também foi presença constante em eventos importantes do circuito do coco pernambucano. Um de seus projetos atuais inclui a realização de uma sambada própria no bairro onde mora em Olinda, o Amaro Branco, reduto de grandes mestres coquistas, assim como ele. 

Registro

A obra do Mestre Edmilson ganhou, na última sexta (29), seu primeiro registro físico, o álbum 'Eu Sou Verdadeiro', financiado pela Lei Aldir Blanc. O trabalho conta com seis faixas que eternizam algumas das várias composições do mestre.

Divulgação

Não alfabetizado, o coquista não escreve suas composições, fica tudo registrado em sua memória. Ele conta que um acidente na infância, quando tinha cerca de 11 anos e caiu de uma árvore, o fez esquecer o que já havia aprendido de leitura. Os seus cocos ficam gravados na mente, até os que ele compõe durante o sono, como um que homenageia o bloco O Galo da Madrugada. "Esse coco eu fiz dormindo, já acordei, comecei a cantar, aí meu gravador grava", diz.

Ao seu lado, na luta para salvaguardar tantos saberes e tradição, estão parte de sua família. A neta Caillany Barbosa, e a filha, Edilene Santos - que o coquista diz ter "uma garganta que só vendo" -, cantam junto com ele. Já o neto Márcio Melo - que garante ter assumido para si a "responsabilidade" de dar continuidade a esse legado -, atua na percussão. Um outro herdeiro desse patrimônio imaterial, o bisneto Caio, ainda não entrou para o grupo, mas já garantiu sua participação no negócio também. "Ele diz que todos os cocos que eu fiz são dele. É a coisa mais linda do mundo", se derrete o mestre. 

O mestre e seu neto e percussionistaMárcio Melo.

Realizado com a concretização do sonho e disposto a continuar na missão de cantar coco por aí, o mestre nem parece sentir o peso dos 71 anos vividos entre lutas e glórias. De agora em diante, sua produção quer trabalhar para registrar mais peças de sua obra e eternizar o nome do coquista na história. E ele, como é próprio de seu feitio, está disposto a fazer  sua parte. "Eu já tô velho e cansado, mas quando eu subo no palco, não quero perder pra ninguém".

Fotos: Júlio Gomes/LeiaJáImagens

O Centro Cultural Off Broadway de Olinda apresenta neste domingo (22) a partir das 17h, o Projeto Pôr do Sol, que reúne música, dança e vídeo sob o comando do Grupo A Cria e seus convidados. As intervenções de dança são de Clara Clarice e as de vídeo do VJ Willamy Tenório.

O projeto acontece todos os domingos reunindo diferentes artistas e pretende trazer o público para apreciar o pôr do sol no terraço do Centro Cultural, com vista para o mar de Olinda. Além da Banda A Cria, o grupo Coco de Praia do Amaro Branco participa da festa.

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Serviço

Pôr do Sol 

Domingo (22) | 17h

Off Broadway - Rua de São Bento, 225 - Olinda

R$ 5

(81) 3079 4079

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