Tópicos | DISPAROS EM MASSA

Após o WhatsApp ter sido usado para distribuição em massa de fake news, na disputa de 2018, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pretende aprimorar uma ferramenta criada em parceria com o aplicativo para denunciar esse tipo de prática nas eleições presidenciais de 2022. A informação foi antecipada ao Estadão/Broadcast pelo head de Políticas Públicas da plataforma no Brasil, Dario Durigan.

A ferramenta será uma versão melhorada de um serviço que funcionou nas eleições municipais de 2020 e será lançada no momento em que a Justiça Eleitoral avalia suspender o funcionamento de outro aplicativo de mensagens, o Telegram, por causa da falta de colaboração no combate às informações falsas. O Telegram não tem representação no Brasil.

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Agora, quem receber mensagens consideradas suspeitas poderá preencher um formulário hospedado no site da Justiça Eleitoral. Caso a mensagem seja considerada como disparo ilegal de campanha, o tribunal vai requisitar ao WhatsApp que exclua a conta. Nesse caso, os responsáveis podem ter a conta banida do aplicativo e, caso o TSE conclua que há relação direta com alguma campanha, a candidatura pode sofrer sanções que vão de multa até a cassação.

Disparos de mensagens em massa pelo WhatsApp motivaram denúncias contra a chapa de Jair Bolsonaro em 2018. O caso foi julgado pelo TSE em outubro de 2021, quando a maioria do tribunal absolveu o presidente eleito e seu vice, Hamilton Mourão, mas traçou diretrizes do que não será aceito em 2022.

"Todo mundo sabe o que aconteceu, ninguém tem dúvida de que as mídias sociais foram inundadas com disparos em massa ilegais, com ódio, desinformação, calúnia e teorias conspiratórias. Basta ter olhos de ver para saber o que aconteceu no Brasil", disse o presidente do TSE Luís Roberto Barroso, na ocasião. Alexandre de Moraes, que irá presidir a Corte em 2022, afirmou que "se houver repetição do que foi feito em 2018, o registro (da candidatura) será cassado e as pessoas que assim fizerem irão para a cadeia por atentar contra as instituições e a democracia no Brasil."

A plataforma usada pelo TSE e pelo WhatsApp na campanha de 2020 para denunciar disparos em massa recebeu 4.981 denúncias, número menor até mesmo que a quantidade de cidades onde houve eleições. Após passarem pelo filtro da Justiça Eleitoral, o aplicativo baniu 1.042 números cadastrados no aplicativo de mensagens.

Segundo levantamento realizado pelo Mobile Time e pela Opinion Box em 2020, o WhatsApp está instalado em 99% dos smartphones do Brasil, mantendo o posto de aplicativo mais utilizado no País. Ao todo, a empresa diz ter 120 milhões de usuários mensalmente ativos no Brasil. De acordo com o estudo, 88% dos usuários confirmaram já ter recebido algum tipo de fake news pelo app. Uma em cada três pessoas confessaram já ter repassado informações adiante sem checar sua veracidade.

A empresa afirma que não faz controle de conteúdo, ou seja, não vai punir usuários por propagarem fake news, mas, sim, evitar o envio automatizado de mensagens, que, mesmo sendo proibido, foi usado nas últimas eleições.

"Qualquer usuário pode denunciar ao TSE. Isso fortalece uma mensagem que eu tenho passado ao mundo político: não contrate disparo em massa, não faça marketing político no WhatsApp. Isso faz mal para a democracia e pode prejudicar as campanhas eleitorais, levando a prejuízo da chapa", afirmou o head de Políticas Públicas do WhatsApp no Brasil, Dario Durigan, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

O TSE confirmou o desenvolvimento da ferramenta . Além disso, a Justiça Eleitoral e a plataforma pretendem desenvolver um assistente virtual para conversar com eleitores sobre combate a fake news diretamente no aplicativo. "O acordo do WhatsApp com o TSE visa justamente proteger a democracia contra comportamentos inautênticos, mas sem restrição indevida ao debate público e à liberdade de expressão", afirmou o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, por meio da assessoria de imprensa após reunião com o WhatsApp.

Neste mês, o Twitter anunciou que a plataforma no Brasil terá um recurso para denúncia de fake news, ainda em fase de testes. De acordo com a empresa, a eleição deste ano pesou para que o País fosse integrado ao experimento. A ferramenta foi questionada por especialistas e políticos que temem ser banidos do site e ficar sem propaganda na campanha.

A seguir, os principais trechos da entrevista com Dario Durigan, head de Políticas Públicas do WhatsApp no Brasil:

O que o WhatsApp fará para combater as fake news nas eleições?

O WhatsApp fez, em 2020, e vai aprimorar em 2022, uma plataforma de denúncia de conta suspeita de disparo em massa. É uma ferramenta do TSE elaborada em parceria com o WhatsApp. Isso fortalece uma mensagem que eu tenho passado ao mundo político: não contrate disparo em massa, não faça marketing político no WhatsApp. Isso faz mal para a democracia e pode prejudicar as campanhas eleitorais, levando a prejuízo da chapa.

O TSE estuda sanções para plataformas que não colaborarem, como no caso do Telegram. Isso é positivo ou representa abuso?

O combate à desinformação é importante e muito sério. Tomar medidas é tarefa de todo mundo. A realidade do WhatsApp, que é muito diferente de outros aplicativos, é de uma colaboração intensa com a Justiça. A colaboração e as respostas às decisões judiciais marcam uma diferença com grande parte dos aplicativos de mensageria.

Os políticos fazem propaganda pelo WhatsApp...

O WhatsApp não é lugar de propaganda eleitoral profissional. O WhatsApp é um lugar de conversas privadas. É evidente que há conversas sobre política. Isso é natural e compreensível. Em havendo uso de mecanismos profissionais para fins de estruturação de campanha de marketing, esse tipo de padrão abusivo, padrão não humano, as contas serão banidas.

Vai ser possível evitar fake news na eleição ou isso é incontrolável?

A fake news mal intencionada, distribuída profissionalmente, por grupos organizados, financiados, me parece que sim e caminhamos para isso. Outra coisa é a desinformação mais comum, orgânica. Aqui é um debate de longo prazo. A linguagem das pessoas no dia a dia se faz de maneira imprecisa, com vieses. Como o WhatsApp acaba sendo o espaço dessas conversas, há muita imprecisão.

A empresa quer separar a 'tia do zap' da milícia digital?

Não sei se eu colocaria nesses termos. Todo tipo de coordenação financiada em que não fique claro para o usuário que tipo de finalidade você quer com aquela mensagem é muito ruim, independentemente do espectro ideológico. Proteger o usuário é o que deve ser priorizado nesse combate imediato.

A plataforma pode ser responsabilizada por alguém ter usado o aplicativo para fake news?

A mensagem ganha proteção da criptografia de ponta a ponta. O conteúdo é dos usuários. O WhatsApp não tem acesso ao conteúdo, não modera o conteúdo das conversas. É estranho ao WhatsApp fazer controle de conteúdo.

A Resolução 23.610/19, publicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no ano passado, proíbe a propaganda de candidatos por meio de disparos em massa de mensagens instantâneas. Apesar disso, a prática permanece, segundo investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que identificou empresas que ainda oferecem o serviço.

Advogados especializados no tema concordam que a atividade ilegal influencia de forma ilícita a disputa eleitoral. "A conduta dos candidatos que se utilizam de disparos em massa tem significativo impacto no que concerne ao âmbito democrático, uma vez que o modus operandi das empresas que fazem esse tipo de tratamento de dados vai de encontro aos princípios republicanos e à proteção de dados pessoais", afirma André Damiani, criminalista especializado em Proteção de Dados Pessoais e Direito Penal Econômico.

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Sócio fundador do escritório que leva seu nome, Damiani explica como funciona a busca pelo público-alvo. "As empresas realizam uma raspagem de perfis por meio de geolocalização e hashtags, ocasião em que coletam informações sobre um indivíduo, como nome, data de nascimento, renda, domicílio e número de Whatsapp. Com essa perspectiva, essas empresas e, consequentemente, o candidato possuem acesso ao perfil dos indivíduos e conseguem direcionar toda uma campanha especialmente para estes", diz.

Ainda de acordo com o especialista, se uma empresa ou candidato tem acesso a determinado número de pessoas em determinada faixa etária, que residem em certo bairro, possuem determinada renda, frequentam determinados locais e postam em suas redes sociais a favor ou contra determinados temas, é facilmente construído um perfil. "Isso permite que essa empresa ou candidato direcione o conteúdo das mensagens que irão chegar até esses indivíduos através de publicidade que, muitas vezes, é confundida como campanha política", complementa Damiani.

A advogada Blanca Albuquerque, especialista em proteção de dados pessoais pelo Data Privacy Brasil e sócia de Damiani, observa que, com um volumoso banco de dados, incluindo o número de Whatsapp, "é possível disparar mensagens em massa para basicamente todo o eleitorado da cidade, segmentado em perfis, por meio de centenas de chips com números distintos, ou até mesmo por aplicativos que clonam o Whatsapp e fazem disparos discretos por 'bots' que reproduzem atos humanos como o de digitar letra por letra e o de alternar mensagens com conteúdo distinto".

No entender de Blanca, as empresas que oferecem "com tamanha desfaçatez" diversos pacotes de bancos de dados não consentidos e impulsionamento de campanhas através dos disparos em massa, "simulam uma situação de legalidade, quando a verdade é simples: raspar dados pessoais de cidadãos através de redes sociais e geolocalização, bem como programar 'bots' para disparar mensagens em massa e por sua vez interferir no convencimento do eleitorado através de um falso engajamento é ilegal e ameaça diretamente a democracia brasileira".

Vera Chemim, advogada constitucionalista, mestre em Direito Público Administrativo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), cobra medidas mais duras por parte das autoridades para combater a prática.

"A realidade fática apenas ratifica o que tem ocorrido em tempos recentes e que tende a continuar acontecendo, a despeito da legislação existente sobre o tema e de modo especial a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais). O que precisa ser urgentemente agilizado pelas autoridades públicas competentes das três esferas de governo é o controle efetivo de tais atos ilícitos e a consequente imposição de sanções do ponto de vista eleitoral e penal, com absoluto rigor jurídico", defende Chemim.

Alan Thomaz, advogado especialista em tecnologia e Direito Digital, esclarece que o impulsionamento é permitido apenas em alguns casos, estipulados pela legislação eleitoral. "De acordo com a lei eleitoral, o conteúdo publicado oficialmente como propaganda eleitoral pode ser veiculado nos sites oficiais dos candidatos e partidos, e nas respectivas redes sociais. Tais conteúdos podem ser impulsionados em redes sociais como Twitter, Facebook e Instagram para aparecerem para um número maior de usuários dessas plataformas. A propaganda eleitoral na internet poderá ser veiculada pelo candidato ou qualquer pessoa, por meio de aplicativos de mensagens instantâneas como Whatsapp, desde que não haja contratação de impulsionamento e de disparo em massa de conteúdo nesse contexto. Na maior parte dos casos, é necessário obter o consentimento do usuário para assegurar que o uso de seus dados e o envio da mensagem não viola a LGPD", opina Thomaz.

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