Tópicos | réveillon na pandemia

No último dia deste insólito ano de 2020, a repórter que vos fala amarga um derradeiro plantão. Sozinha em home office, o silêncio só não é absoluto por conta do barulho que vem das casas ao lado; e o perfume que sobe da cozinha da vizinha de baixo indica que a ceia vai ser farta. Não poderia ser diferente porque, apesar da pandemia que ainda habita lá fora, hoje é dia de festa. 

A pauta para este 31 de dezembro é: pessoas que moram sozinhas e passarão o réveillon em casa. Seria até irônico caso não tivesse sido escolha da própria repórter; houve uma identificação imediata, compreenda.  A busca por personagens que se enquadrassem no perfil começou há dois dias, mas a animação em torno da comemoração pela despedida de 2020 vista nos stories e posts alheios, consultados nesse meio tempo, deram logo o recado: não seria fácil encontrar tais tipos. A não ser pela própria que escreve. Poderia ter feito um diário então, mas fui demovida da ideia para não parecer tão preguiçosa.

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Após os últimos nove meses de confinamento, distanciamento social e quarentena - com um tenebroso lockdown no meio do percurso - quem iria querer ficar preso em casa, sozinho, em pleno réveillon?; me pergunto. Os mais de 190 mil mortos no país pela Covid-19 deveriam ser motivo suficiente para querer continuar em isolamento, mas as pessoas andam cansadas do esforço, é o que se ouve por aí. E o último dia de um ano é aquele que costuma ser repleto de esperança, planos e alegria, como se arrancar a última folhinha do calendário fosse garantia de que os próximos 12meses serão incríveis. 

Em meio aos tantos devaneios - e consulta aos amigos - encontrei Frederico Toscano. Ele já mora sozinho há quase 10 anos e me animou tanto encontrar alguém disposto a contribuir com pauta de relevância um tanto duvidosa que fiz o que muitos estão fazendo nas ruas indevidamente: quebrei alguns protocolos em uma entrevista meio torta, sem as tradicionais perguntas sobre profissão, idade, local onde reside e outras formalidades.   

Ao invés disso, perguntei a ele coisas como: você não fica triste?;  não parece depressivo?; as pessoas não ficam no seu pé pra você sair?;  não exatamente com essas palavras para não soar como se estivesse buscando uma espécie de abrigo para a minha própria confusão em estar em igual situação. 

Frederico me contou que, geralmente, até marca algo com os amigos em dias assim, mas em virtude da pandemia, em 2020 passará o réveillon só mesmo. Ele fez, ainda, uma observação: “Eu gostava de passar com minha família, mas desde 2016, com toda aquela questão política, (de) Bolsonaro, ficou mais difícil passar os feriados com a família toda junta. É difícil, porque são divergências políticas muito severas. De maneira geral, sim, eu poderia estar com meus amigos, mas a pandemia impede, é perigoso demais, é um absurdo você aglomerar então não tem nem o que pensar”. Correto!

Para hoje, não haverá nada de especial no dia de Frederico - diferentemente do que aconteceu no Natal, quando ele compartilhou a ceia com a namorada que mora nos EUA, através de uma chamada de vídeo. Com fala rápida e direta - que me pareceu ser de alguém de senso prático extremamente aguçado - ele disse: “O calendário é uma coisa arbitrária, mas acho importante você marcar essa passagem de alguma forma. Você não precisa marcar a passagem desse ciclo que se espera que acabou da maneira que as pessoas fazem: pular ondas, se vestir de de branco; você passa do jeito que você quiser, mas é importante reconhecer que você está passando de um ciclo para o outro”. 

Então tá. Pode ser assim, bem prático e simples mesmo. Afinal, não deixa de ser apenas mais um dia que também vai passar, como todos os outros, independente de estarmos sozinhos ou não. Convenci-me. 

A entrevista terminou com uma tímida  troca de votos de próspero ano novo, com vacina, é claro. Agora, encerro o texto olhando o relógio como se o fim do expediente significasse algo mais atrativo do que trocar a sala pelo quarto de dormir. No entanto, a tranquilidade dada a mim pelo entrevistado do dia me garantiu, também, um certo alento. Lembro-me de um ditado popular que, a partir de agora, poderia até ser modificado: antes só do que mal aglomerado. 



 

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