Nas terças e quintas-feiras, coluna Redor da Prosa traz algo bem mais valioso do que meus escritos: textos literários ou teóricos – vozes tiradas dessas estantes que, assim como seu dono, quase não dormem. Hoje, Jeanne Gagnebin pensa as relações essenciais entre infância, linguagem e natureza humana.
“As imagens da infância evocadas por Benjamin tentam pensar aquilo que, profundamente, jaz neste prefixo in – da palavra in-fância. O que significa para o pensamento humano essa ausência originária e universal de linguagem, de palavras, de razão, esse antes do logos que não é nem silêncio inefável, nem mutismo consciente, mas desnudamento e miséria no limiar da existência e da fala? Retomando esta questão, Giorgio Agamben nos indica que essa experiência inefável da in-fãncia – inefável não porque seria um início paradisíaco além das palavras, mas porque a in-fãncia está aquém das palavras, ao mesmo tempo sem palavras, sem linguagem e, porém, condição de possibilidade de sua eclosão –, que essa experiência da infância ‘exclui que a linguagem possa se apresentar como totalidade e verdade’. Nem domínio do pecado nem jardim do paraíso, a infância habita muito mais, como seu limite interior e fundador,nossa linguagem e nossa razão humanas. Ela é o signo sempre presente de que a humanidade do homem não repousa somente sobre sua força e seu poder, mas também, de maneira mais secreta, mas tão essencial, sobre suas faltas e suas fraquezas, sobre esse vazio que nossas palavras, tais como fios num motivo de renda, não deveriam encobrir, mas, sim, muito mais, acolher e bordar. É porque a in-fãncia não é a humanidade completa e acabada, é porque a in-fãncia é, como diz fortemente Lyotard, in-humana, que, talvez, ela nos indique o que há de mais verdadeiro no pensamento humano: a saber, sua incompletude, isto é, também, a invenção do possível”.
Do livro Sete aulas sobre linguagem, memória e história (Imago, 1997), páginas 182 e 183.
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