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A Lei nº 12.711, mais conhecida como Lei de Cotas, completa dez anos da sua aprovação em 2022, momento que precisará passar por uma revisão, já que se trata de uma política pública temporária. Apesar de o programa ter promovido significativo avanço na democratização do acesso à universidade por grupos historicamente desfavorecidos, ainda há certa incerteza sobre sua continuação.

De forma mais detalhada, a Lei de Cotas prevê que as instituições federais de educação do país reservem 50% das vagas para estudantes que concluíram o ensino médio em escola pública, dentre as quais metade deve ser destinada para estudantes com renda familiar de até 1,5 salário mínimo.

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Sendo assim, a reserva de vagas por raça é realizada conforme o quantitativo de pessoas pretas, pardas e indígenas, habitantes no estado em que a universidade está localizada, de acordo com os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para o estudante Túlio Batista, de 24 anos, que ingressou em história na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) por meio do sistema de cotas raciais, a lei foi um divisor de águas na sua vida e na da sua família. “Antes, o máximo que alguém da periferia poderia almejar era concluir o ensino médio. Meus pais, por exemplo, só chegaram até o ensino fundamental e meus irmãos ao médio. Eu fui o primeiro da família a cursar o ensino superior”, explica.

Em relação às propostas de revogação dessa política, o estudante se mostra firmemente contrário. “Precisamos ter em vista que as cotas existem devido às desigualdades sociais, econômicas e raciais que foram reproduzidas através do racismo estrutural, do capitalismo, entre outros. Essas desigualdades não foram sanadas e se as cotas raciais acabarem, a educação superior voltará a ser destinada a poucos”, afirma.

Além do aumento de pessoas não brancas nas universidades, Túlio destaca outro ponto muito importante, que é a descentralização dos estudos acadêmicos do viés europeu, já que com a presença de estudantes diversos em sala de aula, os professores e o corpo acadêmico com um todo precisaram rever quais conteúdos são transmitidos.

“A medida que negros, indígenas e pobres entram na universidade eles levam com eles debates pertinentes aos seus grupos. Dessa forma, a academia passou nesses últimos anos por questionamentos de suas bases, seus autores e suas percepções. A discussão sobre raça, etnia, gênero, sexualidade tem ganhado mais força e essa força também tem relação com o ingresso desses estudantes. Assim, as cotas mudam além da vida individual, mas também o coletivo”, conclui o estudante.

Discussão sobre igualdade

Um dos principais argumentos que divide opiniões a respeito da lei de cotas é sobre o princípio da igualdade entre todos os brasileiros, estabelecido na Constituição de 1988, que nega a promoção de qualquer diferença por meio de “raça” ou “cor”. Essa premissa é usada pela deputada, Dayane Pimentel (PSL-BA), que propôs a  PL 1.531/19, buscando extinguir o critério racial da Lei de Cotas.

Em entrevista concedida Senado Federal, na internet, ela explica sua posição: “Se os brasileiros devem ser tratados com igualdade jurídica, pretos, pardos e indígenas não deveriam ser destinatários de políticas públicas que criam, artificialmente, divisões entre brasileiros, com potencialidade de criar indevidamente conflitos sociais desnecessários.”

A deputada sugere, então, que sejam mantidas apenas as cotas para pessoas com deficiência e candidatos de baixa renda. Além dela, outros deputados, como Kim Kataguiri (DEM-SP), com o projeto de lei  PL 4125/2021, demonstram-se contrários à política, de forma que diante da revisão que ocorre neste ano, abrem-se caminhos para uma possível revogação da lei.

Na oposição desse pensamento, a professora de antropologia da UFPE, Elisa Pankararu, que pertencente à etnia indígena, abordou, em entrevista ao LeiaJá, uma releitura histórica para trazer os argumentos que baseiam a política de cotas:

“Precisamos buscar fatores históricos. Desde 1500, os povos indígenas que foram banidos de seus territórios sagrados, os irmãos negros, que foram trazidos da África para a escravização, vão constituindo uma história marcada pela desigualdade e pelo afastamento de direitos que deveriam ser para todos. Se criou um sistema que beneficia uma classe e exclui essas comunidades tradicionais.”

A professora citou que o incentivo ou a crítica a Lei de Cotas Raciais vai depender do lugar social de quem fala: “O sistema de cotas não irá promover desigualdade, do contrário, irá romper com essa estrutura que viola direitos, então é importante observar de onde vem essa fala, quem é que diz que cotas raciais promove desigualdades e avaliar quais interesses políticos, econômicos essas pessoas sustentam.”

De acordo com o Censo da Educação Superior, entre 2010 e 2017 houve um aumento de 842% de alunos indígenas em cursos de ensino superior. Já em relação a estudantes negros e pardos, o levantamento do IBGE informa que entre 2010 e 2019 o crescimento foi de 400% nas universidades.

Para Elisa Pankararu, a cota vem para corrigir a desigualdade, e se não corrigir, ao  menos dar a oportunidade para que as pessoas historicamente e estruturalmente desfavorecidas possam ter acesso a uma educação de qualidade, o que é uma etapa indispensável para a mudança do quadro de desigualdade social ao qual o Brasil se encontra.

“Se houvesse uma estrutura onde a igualdade fosse ao menos equilibrada, então não seria necessário o sistema de cotas, o que não é, não há equidade. Aplicar a política de cotas tem um resposta visível no incentivo para que pessoas não brancas e de baixa renda possam sonhar em ter carreiras, profissões e trilhar uma trajetória de conquistas", conclui a professora

Futuros debates

Esse momento de revisão da lei abre um debate entre parlamentares de diversas posições políticas, Como a Universidade Zumbi dos Palmares, em São Paulo, que desenvolveu um relatório para solicitar que a revisão seja adiada em 50 anos. Enquanto isso, críticos à ação afirmativa alegam sua contradição em relação ao princípio da isonomia, de que todos devem ser iguais diante da lei.

Para Renato Monteiro Athias, mestre em etnologia e coordenador no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade da UFPE, é preciso que as universidades e alunos se engajem no assunto:

“Acredito que a experiência da UFPE já permite a afirmação da necessidade de ter essas políticas afirmativas bem desenvolvidas no âmbito das universidades e que sobretudo as populações étnicas, possam entender a necessidade de se colocar e se pronunciar diante dessas revisões", finaliza.

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