Tópicos | Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife

Se o trânsito numa metrópole é um ambiente muitas vezes hostil e agressivo, a couraça de veículos motorizados como carros e ônibus funciona como uma espécie de armadura, dentro da qual muitos se sentem protegidos e até isolados do ambiente estressante ao redor. Para os ciclistas, tal proteção não está disponível: a única é a própria pele, o que faz de quem usa a bicicleta como meio de transporte um dos mais frágeis dentre os que dividem o mesmo espaço nas ruas da cidade.

Outra diferença está na velocidade: um veículo motorizado atinge facilmente marcas muito superiores a um veículo 'movido a feijão com arroz'. A coexistência no mesmo espaço torna-se mais difícil ainda devido à falta de estrutura adequada, que separe os automóveis dos veículos não motorizados. "A falta de estrutura estimula o conflito", argumenta Pedro Luiz, um dos coordenadores da Ameciclo - Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife. "A gente tem entes diferentes, com pesos e tamanhos diferentes, e ainda que o CTB seja bem claro e explícito, as pessoas disputam espaço", resume.

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Mas não são apenas os problemas estruturais que fazem do trânsito um ambiente extremamente estressante, para muitos até mesmo 'tóxico': a falta de respeito e cooperação entre todos é determinante para os alarmantes índices de acidentes, mortes e atropelamentos em todo o Brasil. E para os ciclistas, acidente pode significar morte. Por isso, nesta série especial sobre mobilidade 'O trânsito sou eu', o LeiaJá aborda o tema focando nas pessoas.

Munido ou não de uma armadura, é sempre uma pessoa que trafega, seja dirigindo um enorme ônibus, seja dependendo apenas das próprias pernas. Apesar disso, as políticas públicas e os debates sobre mobilidade costumam focar nos modais de transporte: carros, ônibus, motos, bicicletas, objetos inanimados, sem vontade ou ação própria, mas comumente tratados como os protagonistas do trânsito. "O trânsito tem um aspecto muito 'coisificante', a gente para de enxergar as pessoas e passa a enxergar o carro, a bicicleta... Falta empatia", afirma Pedro Luiz.

Econômico, saudável, não poluente. E arriscado

Para o ciclista Ubiratan de Medeiros 'Bira', que calcula já ter na bicicleta o seu principal meio de transporte há 25 anos, "As pessoas deviam pedalar mais um pouco, sair de dentro dos automóveis, para sentir o que o ciclista passa no dia a dia das cidades". As vantagens do modal são muitas: é um meio de transporte econômico, saudável, não poluente, mas o perigo de ser atropelado por um automóvel afasta muitas pessoas do deslocamento na bike.

Bira acha que é necessário desestimular o uso do carro particular, para ele o principal problema no trânsito. "É automóvel para tudo: é automóvel para ir à padaria, para ir à praia, só está faltando algumas pessoas levarem o automóvel para a cama, para dentro do quarto", critica. Além disso, os motoristas dirigem de forma agressiva, reclama Bira, atribuindo muito do comportamento dos que guiam carros ao fato de que eles e elas "levam problemas das suas vidas para o volante". 

Mas o experiente ciclista não isenta quem usa a bike como meio de transporte de serem causadores também de problemas no trânsito. Muitos ciclistas não usam sequer o básico dos equipamentos de segurança, salienta, aconselhando ao ciclista não usar fones de ouvido para se guiar pelo sons do tráfego e chamando atenção para as regras de circulação para as bicicletas: pelos bordos da via, e no mesmo sentido dos carros.

Segundo Pedro Luiz, a Ameciclo defende o uso de um terço da faixa pelo ciclista, para garantir a segurança ao ocupar espaço. "Mas somos legalistas. Se o código de trânsito diz para não pedalar em cima de calçadas ou na contramão, nós não orientamos os ciclistas a fazer isso. Mas também entendemos que às vezes o ciclista usa dessas estratégias para se manter vivo, porque a via é extremamente inóspita", pondera.

Para Bira, todos têm responsabilidades: "A gente precisa da educação do ciclista, do motorista, do pedestre, é um conjunto", resume.

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Contagem de ciclistas

Uma das ações de maior visibilidade da Ameciclo é a contagem de ciclistas em algumas das vias mais movimentadas da cidade. Realizada desde 2013, fornece dados concretos sobre o tráfego de ciclistas e cria diferentes recortes de acordo com filtros como gênero, horário, se leva passageiro, se usa itens de segurança ou mesmo se trafega na contramão.

A sistemática foi desenvolvida pela ONG Transporte Ativo, do Rio de Janeiro, e 'importada' para a capital de Pernambuco, onde voluntários passam o dia em pontos fixos observando e anotando quem passa em cima de uma bicicleta. Para se ter uma ideia, em agosto de 2014 foram contabilizados, num intervalo de 14 horas, 3.723 ciclistas trafegando em um cruzamento da Estrada de Belém, umas das principais do Recife.

O grande número de pessoas pedalando pode ser uma surpresa quando se leva em consideração a estrutura quase nula para a bicicleta. "Mas por outro lado não há surpresa, pois o perfil do ciclista indica a necessidade do uso da bicicleta. Além disso, Recife é uma cidade plana e de pequena extensão territorial, é fácil entender por que a cidade tem tanto ciclista", explica Pedro Luiz, da Ameciclo.

Apesar de muitas promessas, a estrutura cicloviária anunciada pelo Governo de Pernambuco e pela Prefeitura do Recife nunca saiu do papel. Equanto isso, ciclistas seguem se arriscando entre automóveis de todos os tamanhos.

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Pessoas, não veículos

"Quem utiliza a bicicleta para o trabalho não é para fazer charminho nem ficar esbelto, é necessidade. Há uma vida em cima de uma sela de bicicleta, há um pai de família que precisa ganhar o pão de cada dia e precisa ser respeitado", avisa Bira, que todos os dias roda vários quilômetros sobre a sua bicicleta.

"O deslocamento na bicicleta é feito por necessidade, não é por lazer. O recifense utiliza a bicicleta como meio de transporte", reforça Pedro, da Ameciclo, citando as conclusões das contagens de ciclistas realizadas pela associação. Para o ativista, "É necessário botar na cabeça das pessoas - todas - que você quando dirige você está ali cuidando de vidas de outras pessoas. É uma obrigação, e a gente se esquece disso".

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