Tópicos | Boca No Trombone

Quando se fala em batalha, logo se imagina uma disputa entre duas pessoas, que querem ganhar notoriedade entre quem os cercam. A imagem que se disseminou de uma batalha de rap, por exemplo, é de um homem tentando ganhar o confronto apontando os defeitos do outro competidor. Essa característica em nada se assemelha aos versos cantados pela galera que se reúne, toda terça-feira, no Alto do Pereirinha; que sobem as ladeiras e escadarias que dão acesso à comunidade. O rap entoado lá é uma forma de escape.

É nesta comunidade do bairro de Água Fria, Zona Norte do Recife, onde centenas de jovens se reúnem para recitar os seus poemas - que têm uma mistura de suas duras realidades, anseios, medos e vivências; lá, é mais uma troca de experiências. Cada jovem, negro, periférico e marginal (à margem da sociedade) se encontrando para problematizar as suas duras realidades sociais.

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A cantoria contra o racismo, hipersexualização do corpo da mulher, machismo, exclusão social e a opressão é o que ecoa numa pequena praça que existe no alto; é lá onde “as ideias são dadas” e o poema é “abraçado pelos parceiros e parceiras”. Se na rua, longe de seus “pares”, essa galera não se acha pertencente, no Pereirinha eles formam um corpo só. “Aqui os indivíduos acabam se fortalecendo por meio da troca de vivências, sendo reconhecidos pelos outros que compartilham das mesmas tristezas e alegrias. Há três anos existe o Recital Boca no Trombone, com essa vontade de integração dentro da própria comunidade. Vem gente da Zona Norte inteira, e de outras zonas também”, pondera Maria Helena, uma das responsáveis pelo evento.

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No último sábado (23), às 9h da manhã, embaixo de um sol escaldante, os jovens já se encontravam para realizar mais uma forma de intervenção cultural dentro da comunidade, dessa vez não seria só o rap e a poesia. Grafiteiros, coletivos de vários locais da cidade e a ajuda da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), o Recital Boca No Trombone ganha mais espaço e, consequentemente, mais visibilidade dentro da favela - no sábado foi dia de um grito mais alto, por meio do Festival da Juventude Periférica Boca No Trombone.

Arte e resistência

Essas foram as palavras que mais se falou num curto intervalo de tempo durante o evento por jovens como Cleybson Melo, de 29 anos, que começou a desenhar ainda aos 13 anos, no caderno da escola. “Algumas pessoas acabam discriminando sem ao menos conhecer o trabalho da pessoa. Fala que é vandalismo, mas não sabe que isso é arte", ressalta. O grafiteiro, que assina ‘Crick’, faz questão de deixar seu recado: "Vocês aí, botem na cabeça que grafitagem pode ser uma coisa que você não gosta, mas a gente procura isso para não fazer coisa errada, passar informação. Então, porque discriminar a gente? Não discrimina nós, não! Um salve pra vocês!”.

Hip-hop, rap, grafitagem, pixo e integração, tudo isso se espalhou pela comunidade nesse dia. Adelaide Santos, por exemplo, caminhou 4 quilômetros a pé, da comunidade do Vasco da Gama, também Zona Norte do Recife, até o Pereirinha. Ela, que integra o recital há dois anos, há um começou a participar ativamente do evento. Hoje, se sente mais "empoderada, viva e mais negra do que nunca". Sorridente e comunicativa, ela 'dá a sua idéia': “No começo foi muita opressão, até pelos meus amigos que não entendiam a questão do feminismo negro, exaltação da mulher. Acho que eles não entendiam por conta da falta de informação; o pessoal da favela é desprovido disso, infelizmente”.

Biatriz Santos, de 24 anos, uma das idealizadoras do Coletivo Cara Preta, também veio para contribuir. “No projeto surgiu a oportunidade de fazermos uma oficina e aí pensamos em trabalhar a temática: em ‘todo camburão existe um navio negreiro’, um título muito sugestivo para olharem hoje quem é que mais sofre repressão policial. É isso que queremos discutir com a comunidade. Fazer a crítica e reflexão para em que sentido a juventude negra pode se organizar para lutar contra essas formas de racismo”, relatou Biatriz.

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Mesmo com os jovens periféricos tentando atuar como alerta para as ‘doenças sociais’, os próprios moradores da comunidade parecem não aceitar esses encontros. “Isso acontece muito pelo o que eles veem na televisão, que criminaliza tudo o que estamos fazendo aqui como coisa de bandido. Acham que é baderna, esquecendo de todo trabalho social que existe por trás”, afirma Larissa Themonia, uma das organizadoras do Recital da Juventude Periférica.

Mas a galera não desiste, não. Se revezando entre um terreno baldio, que foi feito de campinho de futebol, e a pequena praça em que não cabe nem 20 pessoas confortavelmente. Esses jovens envolvidos tentam nadar contra a correnteza que vem inundando a vida de milhares que residem nas periferias do Brasil. O Recital, enquanto espaço agregador, chega a ter um impacto para além do que se aprende dentro da escola; não à toa maioria dos envolvidos só conseguiu se sentir um cidadão (pertencente ao meio social) através de seus poemas, versos; sua arte. É por meio delas que esses jovens não entram nas estatísticas do genocídio negro. É por meio desses encontros que eles saem da ociosidade para gritarem do 'topo da montanha': Eu Estou Aqui. Eu Resisto!

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