Tópicos | resistência negra

 Neste sábado (13), umbandistas de todo o Brasil comemoram o Dia dos Pretos-Velhos. O termo faz referência aos africanos escravizados no país, que mesmo com suas idades avançadas, usaram a fé e a sabedoria para resistirem ao sistema de escravidão, sendo assim, são comemorados e reverenciados no mesmo dia da Abolição da Escravatura.

Segundo o Babalorixá Pai Alan de Oxalufan (em Iorubá: Òsàlúfón), a população negra de terreiro, se utiliza do dia para cobrar igualdade de direitos, mesmo após 135 anos do fim da escravidão. "Falar sobre esse dia é muito simbólico para nós, pretos e povo de terreiros. Não existe abolição, sem haver a verdadeira liberdade ao povo, sem justiça social, equidade de direitos, saúde, educação, moradia e alimentação. Então essa abolição para de gente não aconteceu. O dia 13 de maio não é dia de negro, e sim, um dia de reinvidicar e lutar por mecanismos que nos der de fato, condições de uma vida digna, e assim, viver a nossa liberdade", afirmou.

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"Falar do dia de hoje é falar de Luís Gama, Maria Firmina, Zumbi e Dandara, que são os verdadeiros abolicionistas da nossa história. Pretos e pretas que lutaram por uma sociedade de pessoas iguais", completou o líder religioso.

Pai Alan comanda junto a sua esposa, a Mãe Zélia da Oya T'Ògún, o terreiro Ilé Asè Oya t'Ògún Dewa, que fica localizado no município de Moreno, na Região Metropolitana do Recife. O local neste sábado está reverenciando os ancestrais negros da religião.

"Lembramos neste dia dos nossos pretos velhos e pretas velhas, homens e mulheres escravizados que lutaram e prepararam o caminho para hoje possamos professar a nossa fé. Se hoje podemos falar da causa negra é porque esses ancestrais prepararam o ambiente para a gente. Eles representam o amor ao próximo, o respeito aos mais velhos e o carinho", salientou.

Essas entidades trabalham sobre o amparo de Omolú, o orixá guardião das almas, e são conhecidas por transmitirem humildade, orientação e força espiritual. Eles possuem uma especialidade em ajudar as pessoas nas questões ligadas à saúde, família e emprego. Além disso, para a tradição africana, eles possuem habilidades que desfazem magias, energias densas e "mau olhado".

Instituído por decreto em 2011, o Circuito da Herança Africana no Rio de Janeiro, que abrange a região portuária conhecida como Pequena África, revela escavações arqueológicas e locais de resistência e tentativa de apagamento da história negra na cidade.

O professor Flávio Henrique Cardoso, que promove aulas públicas para ensinar a história da região e da chegada dos africanos escravizados no país, lamenta a situação de abandono de alguns espaços. Antes da pandemia, em 2019, ele alertava para a falta de investimentos na região, o que não mudou muito, desde então.

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“A Pequena África continua nas mesmas condições que estava em 2019, ou seja, os locais que estavam com falta de iluminação continuam. Mas os circuitos continuam acontecendo da mesma forma. No pós-pandemia piorou um pouco, mas nada que impeça de fazer o circuito.”

Questionada sobre investimento nos equipamentos nos últimos três anos, a Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto (Cdurp) respondeu apenas sobre a inauguração do Museu da História e Cultura Afro-Brasileira (Muhcab), no ano passado. O espaço funciona no Centro Cultural José Bonifácio e é uma das atrações que não abre aos domingos.

Outra que não abre no domingo é o Instituto dos Pretos Novos (INP), que abriga parte do cemitério onde eram enterradas as pessoas traficadas de África que morriam após a entrada na Baía de Guanabara. Mas a Pedra do Sal, o Jardim Suspenso do Valongo, o Largo do Depósito e o Cais do Valongo estão abertos todos os dias.

Cais do Valongo

Passados cinco anos do tombamento do Cais do Valongo como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), o local requer obras de revitalização, conservação e sinalização, bem como a elaboração de um plano gestor do patrimônio e a efetiva implantação do Comitê Gestor.

Um projeto de lei para ampliar a proteção do bem tramita na Câmara dos Deputados e a Coordenadoria Executiva de Promoção da Igualdade Racial da prefeitura informa que tem trabalhado para suprir a falta do Comitê Gestor, com ações por meio do Círculo do Valongo.

Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o órgão tem trabalhado na captação de recursos e na implementação de ações como a elaboração do projeto de restauração e adequação do prédio das Docas Pedro II, que fica em frente ao local, para abrigar o Centro de Interpretação do Cais do Valongo, ponto de informações sobre a história do cais a visitantes e turistas.

O Cais do Valongo foi construído em 1811, sendo o principal ponto de desembarque e comércio de africanos escravizados nas Américas até 1831, quando foi proibido o tráfico transatlântico de pessoas. A estimativa é que entre 500 mil e um milhão de escravizados tenham desembarcado no Brasil pelo Valongo. O local foi aterrado nas reformas urbanas de 1911 e os vestígios foram revelados em 2011, durante as obras do projeto Porto Maravilha.

Em julho de 2017, a Unesco incluiu o sítio na lista de patrimônio cultural mundial, descrito como “a mais importante evidência física associada à chegada histórica de africanos escravizados no continente americano”. 

Museu de Arte do Rio

Gerido pela Organização de Estados Ibero-americanos no Brasil (OEI) desde janeiro deste ano e como um museu inserido na região da Pequena África, com ações de inclusão social e cultural da população do entorno, o Museu de Arte do Rio (MAR) celebra o 20 de novembro com quatro exposições de artistas negros e com temáticas raciais em cartaz.

A mostra principal no momento é Um Defeito de Cor, que pode ser vista até o dia 14 de maio de 2023. Ela traz uma interpretação do livro homônimo de Ana Maria Gonçalves, lançado há 16 anos e já considerado um clássico da literatura afrofeminista brasileira.

É uma “história real romanceada”, explicou a autora, o livro traz a saga de Kehinde, natural do Reino de Daomé e sequestrada na costa de onde é hoje a República do Benin, aos seis anos de idade, e trazida para o Brasil como escrava no início do século 19.

A revisão historiográfica da escravidão aborda lutas, contextos sociais e culturais do século, com 400 obras como desenhos, pinturas, vídeos, esculturas e instalações de mais de cem artistas brasileiros e africanos, incluindo trabalhos inéditos de Kwaku Ananse Kintê, Kika Carvalho, Antonio Oloxedê, Goya Lopes, produzidos especialmente para a mostra.

Um dos artistas participantes é o pintor Renan Teles, de Itaquera (SP). Para ele, a presença negra nas artes visuais é uma forma de corrigir o passado de exclusão em todos os níveis que a população negra sofreu ao longo da história brasileira.

“Nós não fomos levados como a potência que somos. Se eu, como pessoa negra, não tenho acesso às minhas raízes e à minha história, como eu posso pensar no futuro e usar isso como base no presente?”.

A exposição está dividida em dez núcleos que se espelham nos 10 capítulos do livro, sobre revoltas negras, empreendedorismo, protagonismo feminino, culto aos ancestrais, África Contemporânea. Um dos locais que a personagem passa na busca por seu filho, Luiz Gama, vendido como escravo pelo próprio pai, um barão português, é a região da Pequena África no Rio de Janeiro.

Literatura afrofeminista

Outra exposição atual promovida pelo MAR com raízes na literatura afrofeminista clássica brasileira é Carolina Maria de Jesus: um Brasil para os brasileiros. A ocupação artística gratuita pode ser vista até o dia 15 de dezembro no Parque Madureira, na zona norte da cidade. A mostra apresenta cerca de cem obras de dez artistas, entre fotografias, vídeos, colagens e reportagens de jornal, para homenagear a escritora favelada e catadora de papel de Quarto de Despejo, lançado em 1960 e com tradução para 13 línguas.

Já a mostra individual Agnaldo Manuel dos Santos – A conquista da modernidade apresenta 70 esculturas de madeira do artista negro baiano, morto em 1962, produzidas em diferentes fases de sua carreira. A exposição pode ser vista até o dia 23 de fevereiro de 2023 e reúne obras de museus e coleções privadas organizadas nos eixos Esculpindo uma Trajetória, O Universo das Carrancas, Sobre Gente e Afeto, A África de Agnaldo e Entre Santos e Ex-votos.

Também resgatando a temática racial, a mostra itinerante da 34ª Bienal de São Paulo em cartaz no MAR traz, até 22 de janeiro de 2023, a exposição Os retratos de Frederick Douglass, escritor, orador e político negro que fugiu da escravidão na adolescência e se tornou símbolo da luta abolicionista nos Estados Unidos no século 19. Integram a mostra cerca de 30 obras de 13 artistas de oito países.

Além disso, no mês passado o MAR hasteou uma nova bandeira, em que expressa o conceito da filósofa negra brasileira Lélia Gonzales (1935-1994) do pretuguês, com reflexões sobre o lugar de fala da mulher negra e da ancestralidade afro-brasileira.A bandeira foi criada pela artista Rosana Paulino e ficará hasteada até o primeiro semestre. 

Outra iniciativa, inaugurada nesta semana, é o mural Pretas no Poder, pintado na Rua Pintora Tia Lúcia, resultado de uma oficina de grafite promovida em parceria com o curso de extensão Universidade das Quebradas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e Instituto Cultural Vale. Os participantes foram orientados pelo grafiteiro Airá Ocrespo.

Quando se fala em batalha, logo se imagina uma disputa entre duas pessoas, que querem ganhar notoriedade entre quem os cercam. A imagem que se disseminou de uma batalha de rap, por exemplo, é de um homem tentando ganhar o confronto apontando os defeitos do outro competidor. Essa característica em nada se assemelha aos versos cantados pela galera que se reúne, toda terça-feira, no Alto do Pereirinha; que sobem as ladeiras e escadarias que dão acesso à comunidade. O rap entoado lá é uma forma de escape.

É nesta comunidade do bairro de Água Fria, Zona Norte do Recife, onde centenas de jovens se reúnem para recitar os seus poemas - que têm uma mistura de suas duras realidades, anseios, medos e vivências; lá, é mais uma troca de experiências. Cada jovem, negro, periférico e marginal (à margem da sociedade) se encontrando para problematizar as suas duras realidades sociais.

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A cantoria contra o racismo, hipersexualização do corpo da mulher, machismo, exclusão social e a opressão é o que ecoa numa pequena praça que existe no alto; é lá onde “as ideias são dadas” e o poema é “abraçado pelos parceiros e parceiras”. Se na rua, longe de seus “pares”, essa galera não se acha pertencente, no Pereirinha eles formam um corpo só. “Aqui os indivíduos acabam se fortalecendo por meio da troca de vivências, sendo reconhecidos pelos outros que compartilham das mesmas tristezas e alegrias. Há três anos existe o Recital Boca no Trombone, com essa vontade de integração dentro da própria comunidade. Vem gente da Zona Norte inteira, e de outras zonas também”, pondera Maria Helena, uma das responsáveis pelo evento.

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No último sábado (23), às 9h da manhã, embaixo de um sol escaldante, os jovens já se encontravam para realizar mais uma forma de intervenção cultural dentro da comunidade, dessa vez não seria só o rap e a poesia. Grafiteiros, coletivos de vários locais da cidade e a ajuda da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), o Recital Boca No Trombone ganha mais espaço e, consequentemente, mais visibilidade dentro da favela - no sábado foi dia de um grito mais alto, por meio do Festival da Juventude Periférica Boca No Trombone.

Arte e resistência

Essas foram as palavras que mais se falou num curto intervalo de tempo durante o evento por jovens como Cleybson Melo, de 29 anos, que começou a desenhar ainda aos 13 anos, no caderno da escola. “Algumas pessoas acabam discriminando sem ao menos conhecer o trabalho da pessoa. Fala que é vandalismo, mas não sabe que isso é arte", ressalta. O grafiteiro, que assina ‘Crick’, faz questão de deixar seu recado: "Vocês aí, botem na cabeça que grafitagem pode ser uma coisa que você não gosta, mas a gente procura isso para não fazer coisa errada, passar informação. Então, porque discriminar a gente? Não discrimina nós, não! Um salve pra vocês!”.

Hip-hop, rap, grafitagem, pixo e integração, tudo isso se espalhou pela comunidade nesse dia. Adelaide Santos, por exemplo, caminhou 4 quilômetros a pé, da comunidade do Vasco da Gama, também Zona Norte do Recife, até o Pereirinha. Ela, que integra o recital há dois anos, há um começou a participar ativamente do evento. Hoje, se sente mais "empoderada, viva e mais negra do que nunca". Sorridente e comunicativa, ela 'dá a sua idéia': “No começo foi muita opressão, até pelos meus amigos que não entendiam a questão do feminismo negro, exaltação da mulher. Acho que eles não entendiam por conta da falta de informação; o pessoal da favela é desprovido disso, infelizmente”.

Biatriz Santos, de 24 anos, uma das idealizadoras do Coletivo Cara Preta, também veio para contribuir. “No projeto surgiu a oportunidade de fazermos uma oficina e aí pensamos em trabalhar a temática: em ‘todo camburão existe um navio negreiro’, um título muito sugestivo para olharem hoje quem é que mais sofre repressão policial. É isso que queremos discutir com a comunidade. Fazer a crítica e reflexão para em que sentido a juventude negra pode se organizar para lutar contra essas formas de racismo”, relatou Biatriz.

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Mesmo com os jovens periféricos tentando atuar como alerta para as ‘doenças sociais’, os próprios moradores da comunidade parecem não aceitar esses encontros. “Isso acontece muito pelo o que eles veem na televisão, que criminaliza tudo o que estamos fazendo aqui como coisa de bandido. Acham que é baderna, esquecendo de todo trabalho social que existe por trás”, afirma Larissa Themonia, uma das organizadoras do Recital da Juventude Periférica.

Mas a galera não desiste, não. Se revezando entre um terreno baldio, que foi feito de campinho de futebol, e a pequena praça em que não cabe nem 20 pessoas confortavelmente. Esses jovens envolvidos tentam nadar contra a correnteza que vem inundando a vida de milhares que residem nas periferias do Brasil. O Recital, enquanto espaço agregador, chega a ter um impacto para além do que se aprende dentro da escola; não à toa maioria dos envolvidos só conseguiu se sentir um cidadão (pertencente ao meio social) através de seus poemas, versos; sua arte. É por meio delas que esses jovens não entram nas estatísticas do genocídio negro. É por meio desses encontros que eles saem da ociosidade para gritarem do 'topo da montanha': Eu Estou Aqui. Eu Resisto!

Para divulgar as diferentes expressões da cultura afro-brasileira, a ação "Noite da Resistência Negra de Jaboatão" terá sua 12ª edição realizada no dia 19 de novembro, a partir das 15 horas, no Terminal de ônibus de Cajueiro Seco. O projeto tem por objetivo envolver crianças, jovens e adultos da comunidade de Cajueiro Seco em atividades culturais dentro da proposta de inclusão social e fortalecimento do legado afro-brasileiro. A programação conta com a apresentação de bandas musicais, grupos artísticos e outras manifestações culturais. 

A iniciativa é da ONG Centro Espírita São Jerônimo "Ilê Axé de Xangô", de Cajueiro Seco, bairro jaboatonense. Além do grande evento, o movimento realizará durante a semana que precede a Noite da Resistência Negra uma série de oficinas, exibições de filmes e palestras com os estudantes das escolas públicas do bairro e da comunidade. A organização ainda garante exposições sobre a memória do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Mais informações sobre o evento estão disponíveis na página e no blog da ação. 

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