Tópicos | cuidar de quem cuida

É indiscutível o fato de que o índice de suicídio no Brasil é maior entre os homens, com 12,6% a cada 100 mil brasileiros, enquanto são 5,4% a cada 100 mil mulheres. No entanto, pouco se é falado que o índice de tentativa de suicídio, automutilação, é maior entre as mulheres, de 339.730 registros, 67% das vítimas destes casos são mulheres, segundo o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), entre 2011 e 2018. 

Jovens entre 15 a 29 anos são a faixa etária mais afetada. Em 2018, eles foram 47,32% das vítimas de violência autoprovocada. Desde 44.990 casos, 39,9% foram tentativas de suicídio. Em todos eles as mulheres são maioria. 

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Estes dados demonstram com clareza, em números, a sobrecarga que as mulheres têm em relação ao homem no Brasil, sobretudo quando o assunto é “cuidar do outro”, o protagonismo é delas. Essa função que é pouco problematizada, geralmente é dada pelo fato de a mulher ser vista como cuidadora e quem deve dedicar a vida a cuidar do outro. Mas quem é que cuida dessas mulheres que também precisam de cuidados?

De acordo com a psicóloga e professora universitária Larissa de Oliveira, primeiramente é preciso entender que o lugar do feminino é colocado na sociedade “como o lugar da passividade, do cuidado, do holding, que é aquela pessoa e aquele papel que dá o colo, que cuida, é o lugar do privado”. “A mulher na sociedade é colocada neste lugar de cuidado, a que cuida, ensina e ampara. Isso já é um papel social intrínseco dentro da nossa sociedade. Levando isso em consideração, é problemático a gente perceber que muitas mulheres se colocam no lugar de cuidadoras porque a gente retoma aquele papel virginal, de que é uma mulher santificada, pura e angelical. Ou seja, anjos. E anjos não precisam ser cuidados porque anjos são aqueles que cuidam”, afirmou. 

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, as mulheres dedicam 10,4 horas semanais a mais que os homens, para o cuidado de pessoas e/ou aos afazeres domésticos, totalizando 21,4 horas semanais. Das 146,7 milhões de pessoas com 14 anos ou mais de idade que realizaram afazeres domésticos em 2019, 92,1% era feminino e 78,6% masculino. O Nordeste apresentou a maior diferença entre as taxas e realização de afazeres domésticos por sexo, com 21% a mais para as mulheres. 

Larissa chamou atenção para a concepção que se tem de que a mulher detém o poder de cuidar, mas que não é bem assim. “A gente precisa desmistificar esse lugar angelical da mulher, porque elas acabam sendo sobrecarregadas nesse papel social de cuidadoras. A gente precisa entender que, assim como qualquer outro ser humano, as mulheres adoecem, são frágeis e também cansam. Então, a gente precisa redefinir esses papéis sociais para que a gente entenda que o cuidado é daquele que faz parte da relação, seja ele homem ou mulher”, destacou.

Ela observou que esse local que é dado a mulher interfere na vida delas com altos índices de depressão e tentativa de suicídio. “Ainda temos essas discrepâncias científicas com relação ao suicídio efetivo e as tentativas. Existem números que mostram que as tentativas são realizadas mais por mulheres. A gente tem um adoecimento psíquico e social muito significativo por causa desses lugares e papéis que são impostos a esses atores que fazem parte da sociedade”. 

Um maior número de mulheres sobrecarregadas mental e fisicamente foi pontuado pela psicóloga. Há um maior adoecimento. “Temos percebido um adoecimento mental bastante significativo, principalmente em questões de transtorno de personalidade, transtornos do afeto, como a gente chama de ansiedade, transtornos de humor, que são a ansiedade e depressão. Temos percebido, inclusive, um aumento do transtorno de pânico, estresse pós-traumático, que é muito característico e incidente nas mulheres justamente pela sobrecarga que vem acontecendo em relação a este papel social que é imposto a estes atores sociais”, afirmou.

A psicóloga Larissa Oliveira disse que uma das formas de cuidar de quem cuida é ressignificar o lugar do cuidado, que deve ser comunitário. “Todos cuidam de todos. Não sou eu que cuido de alguém ou alguém que cuida de mim. Todos nós cuidamos de todos. A sociedade também é responsável pelo cuidado dos seus atores sociais, mas aqueles que estão próximos a nós precisam ressignificar esses papéis e lugares sociais para que a gente entenda que o cuidado daquele que faz parte da relação - independente se for homem, mulher, criança, jovem, idoso -, é responsabilidade de todos cuidarem uns dos outros”, indicou. 

Ressignificar as práticas diárias foi uma das sugestões dadas por Larissa, com relação a alimentação e outros cuidados. “Não é só responsabilidade minha fazer a comida. Vamos redefinir isso durante a semana? Dois dias eu faço, dois dias você faz, e um dia a gente pede comida pelo aplicativo”.

“Eu não consigo levar as crianças/adolescentes todos os dias na escola. Vamos ressignificar também essa logística e refazê-la para que um não se sobrecarregue em detrimento do outro? Eu levo e você pega, ou eu levo dois dias, você leva dois dias e no outro a gente faz o transporte comunitário, que é a rotatividade dos próprios cuidadores que se responsabilizam por levar as crianças que moram próximo”, propôs. 

Ela explicou que o transporte comunitário é um grande exemplo de “ressignificar ainda mais esse cuidado”. “A gente coloca a nossa comunidade junto no papel do cuidado. Quando eu falo de um transporte comunitário, eu, enquanto mãe, tenho o meu filho e os coleguinhas que moram próximos a nós. Então, eu fico responsável por pegar esses coleguinhas na escola e trazê-los. Isso fortalece os laços sociais e redefinem esses papéis sociais de que o cuidado é apenas de um ou apenas no seio familiar, mas o cuidado precisa ser comunitário”, recomendou. 

 

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