Tópicos | história escravagista do Brasil

A deputada estadual por São Paulo, Erica Malunguinho, sabe que não é possível eliminar a história escravagista do Brasil, mas pode-se escolher a partir de qual ótica contá-la: "a dos algozes ou a dos que lutaram e resistiram a essas violências".

A partir dos protestos antirracistas ocorridos nos Estados Unidos, que impulsionaram a retirada dos monumentos de figuras históricas vinculadas à escravidão e ao colonialismo, essa educadora negra de 38 anos, primeira representante trans na Assembleia Legislativa de São Paulo, propõe criar uma comissão para revisar a existência dos monumentos, nomes de avenidas, escolas e edifícios públicos do estado mais povoado do país.

"A escravidão foi um regime cruel que deixou marcas profundas que não foram curadas, precisamos fazer uma revisão dessa história. Colocar essas esculturas e esses nomes no devido lugar, que são os museus ou em algum ambiente em que possa haver uma explicação sobre esse momento específico e triste", defende Malunguinho.

"Para haver a igualdade é necessária a reparação, e para haver reparação é necessário recontar a história", afirma a deputada eleita pelo PSOL.

A tarefa proposta é intensa. Em 1888, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão, mais de seis décadas depois de ter se tornado independente de Portugal.

E a grande maioria dos descendentes dos quase cinco milhões de africanos trazidos para estas terras ao longo de três séculos - o equivalente a quase metade do total de escravos enviados às Américas -, assim como os indígenas americanos escravizados, continuam relegados à base da pirâmide social.

"Não estou solicitando que haja uma retirada generalizada dos monumentos, nomes de rodovias ou de prédios públicos. Existe uma indicação para que haja uma comissão qualificada com museólogos, historiadores e a sociedade civil, para que se chegue a uma conclusão pra que esses pares consigam discernir sobre o melhor destino para esses monumentos", explica a deputada.

"É uma espécie de comissão da verdade patrimonial", explica.

Bandeirantes na mira

Candidatas a ser examinadas, por exemplo, são as múltiplas homenagens aos bandeirantes, expedicionários que desde o século XVI adentravam o país e outras regiões da América em busca de riquezas minerais e de indígenas, para vendê-los como escravos nas minas e plantações.

Séculos depois, esses personagens foram exaltados pela elite local, que passou a retratá-los como "nobres exploradores", estampando seus nomes em ruas, praças, monumentos e edifícios públicos, como a sede do governo de São Paulo.

A proposta de Malunguinho busca que a cidade "não reincida na prática da homenagem a pessoas que estiveram ligadas à violências escravagistas, tanto do povo indígena quanto do povo negro".

Aos que criticam esse tipo de iniciativa por considerar que há um "apagamento" da história, Erica responde: "Ao contrario do que alguns pensam, não é sobre apagar. (...) A História não se apaga, mas a gente pode encontrar formas de contá-la".

Por isso, ela defende homenagens aos que lutaram pela "igualdade, pelos direitos, pela emancipação". Lutas que "não estão atreladas a processos de dominação e de violência em relação ao outro".

O projeto, apresentado em 20 de junho, está nas mãos de uma comissão e talvez será votado em agosto, quando a Assembleia de São Paulo retomar suas atividades presenciais.

Sobre as chances de seu projeto prosperar em um espaço de maioria masculina, conservadora e branca, Malunguinho ressalta: "Vamos ver o que acontece".

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