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As Quartas Intenções – espaço da coluna Redor da Prosa dedicado a dicas de leitura e eventos – esta semana, chegam com o escritor Sidney Rocha, autor de Matriuska (2009) e O destino das metáforas (2011), entre outros. E, como sempre, ele não economizou franqueza ou bom gosto. Confiram:

De Profundis, de George Trakl, é viagem sem volta. Rainer Maria Rilke leu Trakl. Aprendeu pouco. Tivesse lido direito teria se tornado poeta melhor. Por aqui, pouca gente leu Trakl. Só isto explica o concretismo ter prosperado no Brasil. Heidegger leu Trakl. E pirou. Trakl talvez possa ser comparado somente a Rimbaud (esse ninguém mais lê) ou Blake. Havia um bêbado em Juazeiro do Norte que recitava Blake. Mas, Georg Trakl, duvido alguém recitar sem caírem muitos raios sobre sua cabeça.

Mal comparando com a cantora bêbada, Winehouse, e não com A cantora careca, de Ionesco, ele também morreu aos 27. Overdose. Em 1914.

No Brasil, saiu pela Iluminuras, em 1994.

104 páginas de Delillo ou 856 páginas de Bolaño? Vivo berrando o nome de Don Delillo em culto de crente e em rodas de xangô. Porque os seus personagens fazem exatamente o que ele quer. Sem frescuras e sem transes de autores no mínimo românticos. Em Ponto ômega (2011), ele “desaparece” com personagens como bem entende e lida com o tempo bem melhor que Bolaño, o suficiente para deixar leitores de 2666 (2010), como eu, desorientados alguns até hoje. Para mim, a literatura contemporânea americana é uma das mais afiadas do momento, e não tem a ver com o 11 de setembro, essa xaropada nacionalista deles lá, nada disso. Nem ao fato de Cristhiano Aguiar está morando por aquelas bandas. Tem a ver com narrativa, no duro. Ali está o ômega. O ponto. Pra Delilllo.

Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1982), de Antônio Geraldo da Cunha. Não tem papo mais blasé do que um magote [mogote XIV, magot XIV, do basco mokoti] de subescritores vomitando aforismos [amforismo XV, aphorismo XVI, aphoristicós, do grego] tipo “eu lido com as palavras”, “viva le mote just”. Prefiro antes entender a história das palavras para contar minhas histórias um pouco melhor. Sabendo de onde vêm, talvez as respeitem mais. Melhor que muita ficção por aí, neste dicionário dá pra descobrir como a “Virgem Maria [virgê he Maria] tem três entrepretaçoões em tres lingoagêns. Em abraico enterpretase strella ou lumiador do mar. Em latim, mar amargosso, em lingoagem syria quer dizer senhora.” [1495 Vita Chisti f. 15].

Penso que o autor já morreu.

Longitude, de Dava Sobel . “Stamos em pleno mar... doudo no espaço” — Todo mundo hoje tem googlemaps e GPS. Quero você se virar no século 18, quando as grandes embarcações perdiam o rumo logo que se afastavam da terra e iam, às cegas, sem comida e doentes, parar, por exemplo, no Brasil. O maior desafio científico da humanidade era se ligar nos “mares nunca dantes navegados”. O dilema atormentou Galileu, Isaac Newton, Rutheford (de quem eu sentia saudades, porque só ouvira falar dele nas aulas de química), Kepler; só a nata da academia científica da época em meio a uma ciumeira improdutiva danada. Coisa antiga, claro. Se dependêssemos da academia, estaríamos em pleno mar ainda. Só viajamos de um lado pra outro, a maioria das vezes sem a menor necessidade, por conta de um simples relojoeiro, John Harrison, um homem sem pretensões, mas com uma tara terrível por precisão e pelo mundo prático. Sem ele, latitude e longitude seriam ainda palavras abstratas. E como Dava Sobel conta esta história merece prêmio que nenhum ficcionista de hoje ganharia.

O livro é de 1995 e Sobel ainda vive.

Dando continuidade à entrevista com José Paulo Cavalcanti Filho, o Jornalista Cristiano Ramos consegue, neste segundo programa sobre a biografia de Fernando Pessoa, extrair de José Paulo a essência dos poemas do escritor lusitano.

A vida no Brasil, o ceticismo religioso, os amigos e inimigos e principalmente a genialidade de quem escreveu seu primeiro poema aos doze anos de idade.

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A Biografia de Fernando Pessoa já vendeu mais de trinta mil exemplares e atualmente se encontra esgotado. Tudo isso e muito mais você confere no programa NotaPE desta semana, uma produção do LeiaJá com o Blog Nota PE. 

As Quartas Intenções – espaço da coluna Redor da Prosa dedicado a dicas de leitura e eventos - hoje, ficam por conta do poeta, compositor, cantor e jornalista Marco Polo Guimarães:

B. Traven fez o possível para ficar invisível. Usou dezenas de pseudônimos, embaralhou seus dados biográficos, nunca deu entrevista nem se deixou fotografar. Foi autor de um romance famoso: O Tesouro de Sierra Madre. Mas sua obras-prima é O visitante noturno, uma das mais bem escritas e misteriosas novelas da literatura mundial. 

Provos, de Matteo Guarnaccia conta a história dos provos (de provocação), grupo de jovens anarquistas que colocou Amsterdam de cabeça pra baixo. Promoveram happenings gigantescos; criaram uma igreja de tabagistas cujos fiéis “rezavam” tossindo em coro; propuseram à prefeitura a distribuição de milhares de bicicletas brancas a serem usadas gratuitamente pela população. Isso no início dos anos 1960, cerca de meio século antes de as palavras ecologia e sustentabilidade entrarem na moda.

Máscaras, de Leonardo Padura Fuentes cruza, na Havana pós-Fidel, um tenente da polícia em crise de identidade; um travesti assassinado num bosque usando um vestido vermelho; um excêntrico dramaturgo destruído pela repressão moral e política. Ótima literatura disfarçada em romance policial.

Em O Teatro e seu Duplo, Antonin Artaud lança os fundamentos do Teatro da Crueldade que, desde os anos 1940 até hoje, influenciaram alguns dos melhores diretores internacionais de teatro. Obra de gênio, extrapola suas metas e deve ser lido por quem exerça qualquer modalidade de arte, e ache que isso é vital e não mero passatempo.

Vender obras usadas não implica livros imundos, com um dedo de terra sobre capa e páginas, fedendo a mofo. Mas, no Recife, a maioria desses comerciantes insiste em levar muito a sério o substantivo. Muitos dos sebos são tão sebosos que afugentam clientes e ofendem os mais apaixonados pelos livros.

Com a Estante Virtual, onde as pessoas compram usados pela internet, disponíveis em centenas de lojas de todo o país, ficou constrangedor comparar o cuidado de alguns vendedores em outros estados com o descaso de nossos sebos. Há títulos com dez ou vinte anos, fora de catálogo, que chegam como novos, acondicionados com esmero de quem envia cristais.

Em qualquer lugar existem sebeiros ao pé da letra e grude, que parecem odiar seu ganha-pão. Entre os nossos, no entanto, impressiona é como o que deveria ser uma vergonhosa exceção se tornou a regra quase inviolável. E têm piorado. Sempre que faço nova ronda, tenho impressão de que os meses de intervalo entre as visitas podem ser contados pelos centímetros de poeira a mais sobre os livros.

Tamanho, localização e fama não são documento. Ou melhor, quase sempre são proporcionais ao descaso. A Livraria Brandão (Rua Matriz, ao lado da igreja), por exemplo, conhecida pelos preços salgados e acervo de obras raras, tem um primeiro andar que é martírio de qualquer leitor. Ali em cima, respirando a fedentina de milhares de livros amontoados e nunca limpos, sentimos vergonha alheia. Vontade é de dar voz de prisão, fechar o estabelecimento e tentar salvar o que ainda se deixa folhear sem virar pó.

Na Progresso (que fica em rua de mesmo nome, na Boa Vista), situação era melhorzinha. Não somente o espaço físico foi reduzido, a disposição do dono e seus funcionários também. Alguns exemplares estão razoavelmente salvos, porque expostos em estantes com portas de vidro. Mas, no compasso em que nos aventuramos corredor a dentro, encontramos obras da década de 1990 que parecem jazer ali há século e meio.

Por outro lado, a Praça do Sebo, que fica pertinho da Avenida Guararapes, do prédio dos Correios, apesar de rodeada de bares e lixos nas ruas, sem receber maior atenção das autoridades, tem alguns bons vendedores. Nota-se a falta de espaço, leitores mal conseguem entrar nos boxes para conferir os títulos à venda; e quem entra imagina que não sairá, ficará entalado. Mas as obras estão muito mais limpas, dá até para perceber as cores nas capas (e isso não é piada, porque existem sebos onde todos os volumes se perdem numa massa cinzenta).

Um dos sebos mais limpos e charmosos da cidade era o Da Torre, na José Bonifácio. Até porque dono mora nos fundos da casa. Pelo jeito, porém, ele tem passado cada vez mais tempo nos fundos. Sempre que alguém lhe compra livro, ele gasta cinco minutos tentando limpar com álcool e flanela – ou seja, percebe e se envergonha com a sujeira, trata-se de alma que ainda tem salvação.

Surpresa boa são os sebeiros virtuais do Recife, gente que não possui loja física, que comercializa seus títulos exclusivamente pela internet. Geralmente, são escritores, professores ou estudantes, pessoas que trabalham diretamente com os livros, mas já não possuem espaço ou condições financeiras de mantê-los. Cuidam e repassam como se amantes de gatos arranjando donos novos para as crias dos bichanos. Na Estante Virtual, procurando por estados, é possível conhecer o acervo desses novos e bons sebeiros.

Ali do lado, em João Pessoa, segue firme o Sebo Cultural, orgulho da capital paraibana. Provando que livros usados podem ser tratados com respeito, quase veneração. Loja que vai além da compra e venda desses produtos especialíssimos, que criou ambiente de convivência e realização de eventos. Não é apenas a qualidade da pista que melhora ao atravessarmos os limites entre os estados.

Caso sebosos sebeiros comecem a espocar em lixões, mortos por algum serial killer, não deixem de me investigar. Rezo muito todos os dias para não vingar esses milhares de livros cruelmente emporcalhados. Um dos argumentos que uso em minhas orações é que não vou mandar esses sujeitos para cova, pois é quase certo que iriam adorar a nova casa, sob sete palmos de terra!

O Jornalista Cristiano Ramos entrevista o escritor José Paulo Cavalcanti Filho, ex-ministro da Justiça que se dedicou durante anos a biografia de Fernando Pessoa. O resultado é uma bem humorada e esclarecedora entrevista sobre um dos maiores poetas portugueses do século passado.

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Neste programa, José Paulo fala sobre as dificuldades e os desafios que enfrentou em terras lusitanas para encontrar documentos e, principalmente, depoimentos que fizesem deste livro um sucesso de vendas.

O Nota PE é exibido toda quinta-feira no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria entre o portal e o blog Nota PE.

Há um escritor, muito querido, que sempre começa papo perguntando o que estou lendo. Como sei de sua implicância, respondo como da primeira vez: “Saramago e Mia Couto”. E começo a rir adiantado, porque adivinho seu resmungo: “Essas tuas porcarias”!

Ele não é exceção. Boa parte dos críticos e autores amigos, de mínima intimidade, tenta me convencer de que gostar de Mia e Saramago não cai bem. “São subliteratura”, “escrevem mal e porcamente”, “são uns mercenários”. Um desses camaradas, ano passado, ficou ainda mais triste:

– Só falta dizer que gosta daquele judeu, o Philip Roth!

– Ué! E você não? – retruquei inocentemente, não percebendo como os três se encaixavam na lista negra.

Até hoje, tento mesmo saber quais critérios definem a mediocridade de Saramago, Mia e Roth. Mas ninguém oferece resposta digna de lembrança, nenhuma análise séria, só uma porção de adjetivos vazios, ou tiradas ainda piores, do tipo “lixo não precisa de estudo não, você olha o saco e logo percebe do que se trata”.

Existem os adeptos do “não li e não gostei”. Algo que até aceito em mesa de bar ou papo de corredor. Duro é quando tenho que ler isso em resenhas ou ouvir em eventos literários, porque a crítica necessariamente requer conhecimento do objeto julgado! Querem se dedicar exclusivamente a Kafka, Joyce e Machado a vida toda? Ótimo! Precisamos de pesquisadores assim. Mas deixem os comentários sem domínio de causa para happy hour e posts de rede social.

Como tenho fé, sigo buscando tirar deles argumento que valha registro. Para isso, decidi provocar, acusá-los de ter quatro critérios para suas sentenças (em ordem crescente de gravidade), que os escritores bons não podem:

  1. Escrever histórias que as pessoas entendam;
  2. Ter vida social;
  3. Estar vivo;
  4. Vender muito.

Digamos que cada item conta 10 pontos. Se o seu autor preferido juntar 20, é fraco; se pesar 30, é uma farsa; com 40, iguala-se a Paulo Coelho no hall das pragas que corroem o espírito humano – merece sete facadas de lâmina enferrujada!

Medo que bate é de nenhuma outra explicação surgir. Vou acabar acreditando que minha brincadeira/provocação tem tampa, bandas e fundo de verdade.

Enquanto penso na manutenção ou não dessa estratégia tão arriscada, posso reler escritores que me foram indicadas quando perguntei: “quem devo ler, então”? Assomaram nomes como Bernardo Carvalho, Luiz Ruffato, Milton Hatoum e Cristóvão Tezza. Nas investidas originais, não descobri quais razões fazem esses nossos romancistas tão superiores a Saramago, Mia e Roth – o que não significa desmerecer os brasileiros citados (bem pelo contrário).

Contudo, nada que a Quaresma, muitas orações e esforço não resolvam. Hei de ser iluminado por uma frestinha divina que seja, onde aquecer o espírito crítico e acender a lâmpada do discernimento. Enquanto milagre não chega, minhas estantes continuam tranquilamente atulhadas de simpáticas porcarias.





O Programa Nota PE da semana não recebe um escritor, crítico ou pesquisador. Rodrigo Sushi é representante de outro importante setor da chamada "cadeia do livro": as editoras. 

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A Paés, comandada por ele e tocada por jovens e talentosos profissionais, vem se destacando pelo cuidado com o design das obras. A ideia da empresa é publicar poucos livros, não se preocupar tanto com grandes vendas, mas oferecer um produto diferenciado aos leitores. 

E não esqueça, toda quinta tem um Programa Nota PE novo no Portal LeiaJá, numa produção em parceria com o Blog Nota PE e com apresentação de Cristiano Ramos.

A História da Literatura Brasileira (Editora Leya, R$ 99,99), de Carlos Nejar, assim como algumas outras, serve para quase nada. Depois de constatar o fato, leitor pode doar para alguma biblioteca, bem carente, onde visitantes não tenham acesso a computador com internet, ou trocar por outros usados –quem sabe o dono do sebo não se deixa enganar pelo tamanho do livro e beleza da capa?

Sempre achei cruel, desnecessário mesmo, afirmar que trabalho de alguém não tem utilidade. Mas, com toda boa vontade que rode por esse mundo, qual razão de ser de uma História da Literatura que dedica meia, uma ou duas páginas para cada escritor? Como se não bastasse, esses “verbetes” trazem novidade nenhuma, são resumos de coisas já ditas, mais-do-mesmo que o poeta Carlos Nejar floreia, cobre com frases de efeito que oscilam entre a incoerência e a inocuidade.

Nem sempre foi assim. Houve tempo em que a simples listagem de autores, obras, datas e fichas de leitura justificava publicação. Para consulta. Ponto de partida ou lugar de tirar dúvida menor. A internet, no entanto, com seus sites de busca e enciclopédias virtuais, resolve essas demandas mais rasteiras, com a vantagem de que pode ser constantemente atualizada.

Para quem ainda não tem como navegar na rede mundial de computadores, livros como a História Concisa da Literatura Brasileira, de Alfredo Bosi, estão lá, na maioria das bibliotecas. Bosi ainda é a melhor escolha para quem deseja uma panorâmica ligeira de nossa produção, passada sem maiores desdobramentos, com didática e poder sugestivo suficientes.

Foi o próprio Bosi quem sugeriu a conquista de Carlos Nejar: “o largo espaço concedido à literatura contemporânea”. Largo é o coração de Alfredo Bosi, onde o amigo Nejar reside e goza de fraternos privilégios. Porque somente algum escritor muito deslumbrado e carente pode se sentir razoavelmente contemplado por uma citação de dez ou vinte linhas. Paulo Leminski e Francisco Alvim, por exemplo, estão nas páginas 988 e 989, com margens largas e dois poemas transcritos! Por aí, calcule-se que análises foram dedicadas aos poetas. Menos sorte ainda tiveram Ângelo Monteiro e outros tantos, que não mereceram sequer página inteira.

Nem escrevo sobre as ausências, pois são inevitáveis. Para dizer a verdade, no caso desta História da Literatura Brasileira, devem até sentir alívio. Além de não servirem de piada nos campeonatos informais de menor espaço recebido na obra, não correm risco de Nejar cometer qualquer gafe, com seus aforismos-pseudo-poéticos que mais servem à vaidade do poeta do que a qualquer outro propósito.

Grave é que tal exercício de vaidade foi patrocinado pelo Ministério da Cultura. É nosso dinheiro sendo gasto em 1100 páginas que valem bem menos do que pesam. Não julgo o caráter ou as intenções de Carlos Nejar. Até acredito que são legítimos. Cabe, porém, que a seleção da Fundação Biblioteca Nacional seja movida por outros critérios, que não a popularidade ou o lobby em torno dos autores.

O tema “histórias da literatura” requer longa série de reflexões. Entretanto, no comedido fôlego desta coluna (falando em brevidade), não custa perguntar: por que não escrever estudos com menos autores, com recorte onde menos obras analisadas, mas que ofereçam profundidade, desdobramentos e trilhas a serem percorridas, enriquecendo a experiência do leitor?

Responder antecipadamente também não custa: é porque, neste caso, menos é mais – dá muito mais trabalho, exige muito mais pesquisa, cobra bem mais responsabilidades.

No programa Nota PE desta semana, o jornalista Cristiano Ramos continua a conversa com o escritor e jornalista Samarone Lima a respeito do seu mais recente livro-reportagem, "Viagem ao Crepúsculo", sobre suas impressões sociais, culturais e políticas em viagem à Cuba.

O Nota PE é exibido toda semana no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria entre o portal e o blog Nota PE.

Amigo sugeriu que, esta semana, nas Quartas intenções (espaço onde publico notinhas informativas e cheias de vontades), fossem sugeridas quatro autoras para leitura. Então, com muito gosto, lá vai:

De Virginia Woolf, a coleção de bolso da Saraiva publicou duas de suas mais importantes obras: Orlando e Mrs. Dalloway. Os preços são R$ 14,90 e R$ 12,90, respectivamente –oportunidade bem em conta para conhecer uma das escritoras mais caras à história da literatura universal.

Nunca uso esse dia de notinhas para textos de crítica literária. Com Virginia Woolf, então, seria ridículo. Seus romances não cabem em impressões breves. Ou melhor, não aceitam. Digo apenas que a autora de Ao farol, outro clássico, segue como a melhor prosadora de todos os tempos – até que algum desocupado me prove o contrário. E, favor, não a leiam por nenhuma razão feminista. Não por serem coisas imiscíveis, longe disso, mas por ser pouquíssimo, perto do que sua leitura pode proporcionar. 

Clarice Lispector teve seus romances reeditados pela Rocco. Quem gosta, já percebeu faz tempo. Vez por outra, releio A paixão segundo G.H. e A hora da estrela. Não só porque saio enriquecido de cada nova visita, mas também para ratificar minha impressão de que precisamos sempre de mais Clarice e menos clarices! Isso mesmo! Redescobrir permanentemente a Lispector, e aceitar muito raramente as imitações sofríveis que espocam todos os dias, em estantes de livraria e blogs. Influências são naturais e esperadas; cópias vulgares, no entanto, com seus ares de diários da meia-idade embebidos em vinho e cartões postais...

Ana Maria Gonçalves, com seu surpreendente Uma diferença de cor, é pedida para aqueles dispostos a lerem quase mil páginas de uma narrativa cheia de dor e beleza. O texto é narrado por Kehinde, uma senhora africana cega, que vai repassando sua vida enquanto viaja da África ao Brasil, onde pretende encontrar o filho perdido. Dessas boas misturas de ficção com relatos baseados em documentos históricos, para quem sabe que ainda existem inúmeras histórias a serem contadas e refletidas. Poucos autores brasileiros contemporâneos conseguiram livro tão significativo.

Hilda Hilst é outra que teve sua obra publicada recentemente por uma só editora, a Globo. Boa em tudo que se propôs escrever, ela trabalhou diversos gêneros com a argamassa de sua escrita estranha, impactante, universal e originalíssima – como são as melhores poesias, não? Para os interessados, há o site http://www.hildahilst.com.br/ que está bem acima do nível geral desses sítios eletrônicos dedicados a escritores. E deixo vocês na companhia de algumas estrofes (razoavelmente conhecidas) dos Cantares de sem-nome e de partidas:

 

Isso de mim que anseia despedida

(Para perpetuar o que está sendo)

Não tem nome de amor. Nem é celeste

Ou terreno. Isso de mim é marulhoso

E tenro. Dançarino também. Isso de mim

É novo: Como quem come o que nada contém.

A impossível oquidão de um ovo.

Como se um tigre

Reversivo,

Veemente de seu avesso

Cantasse mansamente.

 

Não tem nome de amor. Nem se parece a mim.

Como pode ser isto? Ser tenro, marulhoso

Dançarino e novo, ter nome de ninguém

E preferir ausência e desconforto

Para guardar no eterno o coração do outro.

Essa semana, teremos a primeira parte do  Nota PE com Samarone Lima. Ele que é jornalista, escritor e blogueiro, conversa sobre as relações das tecnologias com a literatura.

 

Não me recordo qual emissora, nem o ano. Em um desses programas policiais, sujeito preso em flagrante, com ficha corrida e curiosa, explicou ao repórter: “Só mato no Carnaval, que é pra alma subir feliz”. Escritor com falta de ideias pode topar com personagens, assim, passeando pelos canais de TV, indo à padaria, pagando contas... Se for época de Momo, então, ele junta sinopses para doze romances e duzentos contos.

No Recife, aonde músicos e foliões espocam em todo lugar, qualquer hora, e de todo jeito, tem história de Carnaval que chega pronta, mas existem também ganchos esquisitos, para se pensar bem antes de tascar no papel. Uma terça-feira pré, por exemplo, vi trio elétrico subindo a Rosa e Silva, onze da noite, avenida molhada de chuva. E animado! Cantor parecia arrastar Galo da Madrugada. O bloco, no entanto, puxava somente ciclistas, cinquenta. Sem fantasias, sem cantos. Para os que suspeitarem ser efeito de drogas, informo que tomava apenas sorvete diet, de abacaxi com hortelã (o que, realmente, não deve ser muito confiável).   

Se você permanece na cidade e tenta fugir da folia, logo descobre que toda tentativa será em vão. Mas junta outro bocado de coisas para escrever. Fui caminhar na Praça da Jaqueira, por exemplo, e lá estava um senhor vestido de He-Man, correndo muito, e muito sério. No shopping, em filas gigantescas de cinema, vários casais vão bem, até que passa uma só moça fantasiada de caboclinho. Pronto, marmanjos ficam decalcando a menina, aí começa uma briguinha depois da outra. Caso tente clínica odontológica 24 horas, dentista vem tão sóbrio que termina obturando dente errado.

Roberto da Matta, sociólogo e estudioso do Carnaval, escreveu crônica recente, onde resume a motivação das pesquisas: “Não tinha dúvidas do elo entre nossas contradições mais expressivas, que era vocalizado no Carnaval. O governo, nega, mas o carnaval permite; a moralidade diz não, o carnaval, sim; na vida diária falamos e ouvimos discursos, no Carnaval cantamos sem cantores; o real obriga o uso do uniforme e do avental, o Carnaval faculta a máscara que engendra duas caras e sujeitos; na vida real somos todos visíveis, com a fantasia criamos uma invisibilidade; nos trancamos em casa, mas no Carnaval nos escondemos na rua”.

Não é difícil constatar as tais contradições. Na semana pré (ou seja, antes dos feriados oficiais), várias troças ridículas – dessas com vinte vendedores de bebida, dez seguranças e cinco foliões – atrapalharam o trânsito recifense, espalharam-se folgadas em algumas avenidas importantes da cidade. E cadê polícia? Mas vá lá uma dúzia de estudantes fechar qualquer viela da cidade, em protesto por aumento das passagens de ônibus! Pau quebra, canta e vira rojão.

Hoje, tenho entrevista marcada com o escritor Samarone Lima, conhecido por levar sempre no bolso um bloquinho, onde anotar possíveis temas para suas crônicas e reportagens. Pergunta inicial é óbvia: quantas personagens pescou até a quarta-feira de cinzas?

Ano novo dos escritores também começa depois do Carnaval. Até porque negócio de escrever durante Natal e réveillon termina em porcaria. Cidadão fica emotivo, saudoso, entope-se de farofa, arroz e peru, chora, resmunga, faz poesia cafona ou algum conto safadinho que nunca terminará de ser revisado.

Eu, por exemplo, principiei 2012 defendendo Chico Buarque e reclamando dessa moda anos 90 de falar que “Recifede”, que “a gente vive no mangue”, que “tem parabólica enterrada na lama”, e mais bocado de clichê manguebit. Ou seja, estava afim de contrariar, comprar briga. Houvesse esperado para depois do Carnaval, seria alguma conversa fofa, bem divertida.

Ah, antes que me esqueça, aquele bandido perigoso, que só mata no Reisado de Momo, terminou a matéria da TV avisando que já mandou gente pro céu durante São João. “Foi que no Carnaval eu tava no love, diabo só soprou no meio do ano, cobrando juros”. Caiu por causa disso, fugiu da rotina, e dito popular ensina: lantejoula guardada não cola, purpurina vencida não brilha.

 

 

O Prorgrama Nota PE continua a conversa com a a professora e ensaísta Cláudia Cordeiro, que conversa, neste segundo programa, sobre o poeta Alberto da Cunha Melo, que, se vivo, completaria 70 anos. 

E fique ligado, toda quinta-feira tem NOTA PE no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria do Portal com o blog Nota PE.

Morreu no Rio de Janeiro, em data incerta, por motivos vários, o “gênio da raça” Chico Buarque de Holanda. Aquele que foi quase-quase a única unanimidade nacional, bateu as chinelas, vestiu pijama de madeira (de reflorestamento), soprou derradeiro chiado. E, em seu lugar, ficou o bode!

Os autores desse sumiço são vários, quase todos do meio literário, sendo a maioria companheiros de geração de Chico. As ferramentas utilizadas foram e-mails, blogs, redes sociais, maledicências em mesas de bar e outros tantos metais cortantes – todos com “mecanismo de tesoura”.

Os olhos azuis, que deixaram agoniadas umas 35.129.392 moças, agora estão cinzentos e imóveis. Suas canções, que tocaram bonde das histórias dos brasileiros por quase cinco décadas, agora são tema secundário. Importa é fazer do seu velório uma oportunidade para que muitos possam dar nome às próprias mágoas e frustrações. Importa é alimentar o bode!

Sim, o falecido era culpado das acusações: não era romancista brilhante, a qualidade de seus livros nem resvalou nos inúmeros clássicos da MPB que compôs; foi extremamente bem tratado pela mídia e recebeu um marketing espalhafatoso do mercado editorial; e ganhou prêmios, muitos – até quando perdeu.

Ocupando seu espaço neste nosso mundo de Deus e mais um cabido de diabos, ficou o bode. Expiatório. Ruminando. Lembrando-nos que, se Chico não foi escritor estupendo, também não estava abaixo de dezenas de outros que são considerados destaques na literatura brasileira contemporânea (porque a maioria é só isso mesmo: razoável); recordando-nos que ele era apenas mais um entre tantos com lugar privilegiado nos cadernos culturais e planos de divulgação das editoras; ratificando que prêmios literários sempre foram (e continuarão sendo) contestados.

Mas o bode precisa entender que o filho de Seu Sérgio e sobrinho de Seu Aurélio calhou de se tornar escape freudiano inigualável: rapaz de família classe média, de intelectuais respeitados, bonito, charmoso, politicamente engajado, Chico Buarque deveria ser o brasileiro excelso, assim como o Brasil cumpriria seu papel de “País do futuro”. Agora, em nação emergente, enquanto mundo se esfarela em crises, ele poderia estar acima das imensas contradições e mediocridades que nossa sociedade mantém.

Ele não foi tudo o que sonhamos, assim como nós também não conseguimos ser. Espelho da genialidade e da beleza as quais aspiramos ontem, e das fragilidades políticas e culturais que ainda carregamos – algo natural em tão jovem democracia –, esse Francisco somos nós. Aliás, era. Como não queremos, no entanto, admitir que a esquerda chegou ao poder e avançou, mas sem trilhar o caminho da decência que protestava, como não aceitamos o fato de que nossa literatura festeja mais do que transcende, como sempre negamos quando nos acusam de repetirmos os erros de nossos pais... Então, enfim, deu-se cova rasa para o Prometido.

Tudo bem que maior parte dos brasileiros nem sabe dessa morte, desconhece esse enredo de amor, ódio e violência, porque é novela que pega somente nos canais estritos do meio literário e redondezas. Canal pago, TV por assinatura. Os coveiros, somos pessoas que não ficam à janela vendo a banda passar, esquecendo da dor. Nós estamos nos quartos, remoendo, dilacerados, fustigando feridas, à espera do bode que expire bocadinho de nossas angústias.

Enquanto seguimos enterrando Chico Buarque sob tanto calhau vencido, terra grossa dos divãs-classe-média que desembarcam nos lixões diariamente, estamos mais próximos dele que nunca. E, quando a grama já estiver crescida, voltaremos para homenagear o morto. Pois, como desejamos que a expiação venha em nossos momentos finais, não toleraremos que os jovens nos julguem como nós julgamos nosso espelho. Narciso arrancará o defunto do caixão, mostrará os seus ossos para todos, para provar como fomos belos, como fomos geniais, únicos.

 

 

O programa NotaPE recebe a professora e ensaísta Cláudia Cordeiro, que fala sobre as relações entre literatura e tecnologia. No próximo programa, continuaremos a conversar com ela, que trará depoimento sobre o poeta Alberto da Cunha Melo, que, se vivo, completaria 70 anos. 

E fique ligado, toda quinta-feira tem NOTA PE no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria do Portal com o blog Nota PE.

A coluna Redor da Prosa também oferece algo bem mais valioso do que meus escritos: textos literários ou teóricos – vozes tiradas dessas estantes que, assim como seu dono, quase não dormem. Hoje, Bachelard e a Poética do Devaneio – com as palavras que sonham e a beleza dos substantivos de gêneros definidos (contrária aos que preferem as palavras neutras, “sem sexo”):

“As palavras, em nossas culturas eruditas, foram tão amiúde definidas e redefinidas, ordenadas com tamanha precisão em nossos dicionários, que acabaram se tornando verdadeiros instrumentos do pensamento. Perderam o seu poder de onirismo interno. Para voltar a esse onirismo implícito nas palavras, seria mister empreender uma pesquisa sobre os nomes que ainda sonham, os nomes que são ‘filhos da noite’.

“Para começar, aqui está um modelo de união entre o masculino e o feminino. Porque é poeta, o bom cura Jean Perrin sonha

Casar a aurora com o luar.

Eis um desejo quejamais virá aos lábios de um pastor anglicano, condenado a sonhar numa língua desprovida de gêneros. Para esse casamento das palavras celebrado pelo poeta, quer pendam sobre a sebe, quer sobre o silvado, todos os sinos das campânulas, na paróquia de Faremoutiers, dobram em uníssono.

“A psicologia do distante não deve sobrecarregar a psicologia do ser presente, do ser presente na sua linguagem, vivo na sua linguagem. Os devaneios poéticos nascem também, seja qual for o lar distante, das forças vivas da linguagem. A expressão reage fortemente sobre os sentimentos expressos. Ao contentar-se com responder, pela simples menção da ‘volta à mãe’, a enigmas que se multiplicam ao se exprimirem, o psicanalista não nos ajuda a viver a vida da linguagem, vida falada que vive na nuança e pela nuança. É preciso sonhar mais, sonhar na própria vida da linguagem, para sentir como, na expressão de Proudhon, o homem pôde ‘dar sexo às suas palavras’”.

Do livro Poética do Devaneio (Martins Fontes, 1988), páginas 33 e 38 e 44, respectivamente.

A capital pernambucana fede? Sim. Aqui, acolá, monte de lugares. Assim como todas as metrópoles do país. Recife tem mangues? Em todo canto. Mas há trocentas outras coisas sobre o movediço do chão. Esses clichês sobre a cidade, tão anos 90, se foram importantes por tirarem a poeira de nossos discursos culturais, também se tornaram lugares-comuns cada vez mais puídos.

Apesar de nossa tão propagandeada multiculturalidade (e nem vamos discutir esta ideia agora), o papo de lama e fedentina tudo recobre, como uma embalagem de papelão made in, onde vender qualquer coisa que criemos ou reproduzamos. Somos como pratos de algum restaurante, que nada entrega aos clientes antes de mergulhar no “molho da casa”.

Duas décadas atrás, já era constrangedor ver alguns cantores de frevo ou forró, entre incontáveis, pegando carona no movimento manguebit, aparecendo em entrevistas de TV travestidos de novidade, falando de caranguejos e parabólicas na lama. Hoje, se não erguem a bandeira, também não arriscam reclamar outro posto, dizer ares diferentes.

Grato depoimento foi o de Lenine, quando convidado no Roda-Viva, programa da TV Cultura, ao afirmar em límpido tom: “minha Recife não fede, nunca fedeu. Ela é outra, e bem lúdica”. Não se tratava de crítica às bandas pernambucanas, muito pelo contrário. Apenas o reconhecimento das diferenças, a recusa em confundir, seja por comodidade ou oportunismo.

– Ah, mas Lenine pode! É fácil assumir sincera fisionomia quando os espaços já foram delimitados – alguém pode responder. Arte, no entanto, nunca foi território da facilidade. Quem discorda, quem pensa que dá para seguir no embalo, evitando os pedregulhos do caminho, pode até alcançar sucesso efêmero. Seguirão, contudo, o tempo e sua função de desempenar as lentes, um tantinho, o suficiente para sumir com esses gatos-por-lebres.

A cidade é feita de pedaços. Surpreendentemente, quanto mais cresce, menores ficam esses pedaços. Sujeito não consegue andar mais que duzentos metros sem notar diferenças nos cheiros, nos sons, paredes, roupas, rostos.

A frase-feita “Recife é um ovo” é um embuste, coisa de gente que sai de casa vestida com espelhos, que vai sempre aos mesmos lugares, encontra os mesmos conhecidos, bebe às mesmas mesas, e logo proclama que a capital é diminuta. Se alguém disser que fechará os bares da Rua da Moeda e o Central, alguém gritará que “mataram a cidade” – porque Narciso é inevitavelmente trágico.

Que o mangue viva, para feder muito, por séculos, milênios! E que alguns parques, ruas e calçadas tenham olores diferentes, com cores díspares! Nossa música seja também a erudita das praças públicas e jovens das comunidades! Nosso cinema tenha mangueboys, símios e toda fauna possível! Que a literatura persista sem subir nessas jangadas-da-hora (até porque tem seus próprios calos para tratar).

A não ser que mais adiante estejamos todos mortos. Aí, se existir mesmo algo além, poderemos dizer que descansamos somente sob lama e fedor. Até que sobrem os ossos, apenas, e vidas novas assomem, das larvas, para recomeçar, vestir com infinitos matizes esse taco de mundo.

 

 

O Programa Nota PE da semana recebe o jornalista e pesquisador Marconi Oliveira Silva.

E fique ligado, toda quinta-feira tem NOTA PE no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria do Portal com o blog Nota PE.

O programa Nota PE continua a conversa com o professor e crítico Anco Márcio Tenório Vieira, que fala sobre Gilberto Freire, Hermilo Borba Filho e Machado de Assis.

Confira também a primeira parte da entrevista

E fique ligado, toda quinta-feira tem NOTA PE no portal LeiaJá. A apresentação é de Cristiano Ramos e a realização é uma parceria do Portal com o blog Nota PE.

 

As livrarias estão com os dias contados. Talvez meses. Ou uns poucos anos, quem sabe? E, confesso, não estou certo se terei saudades. Porque, em lugar das antigas, que há tempos passaram a vender livros como se fossem sabão, o mercado oferecerá muitas oportunidades para quem valorizar esse produto especialíssimo.

Morte sentida mesmo foi a do livreiro, aquele sujeito que não apenas vendia, mas também conhecia do assunto, orientava leitores, reunia escritores, fomentava a cultura. Em lugar, surgiram os grandes supermercados-fiteiros do mercado editorial, livrarias atulhadas de estantes, como se prateleiras de margarina, com vendedores desinformados, impessoalidade no trato e sujeição total às campanhas de marketing e distribuição.

Com a chegada dos livros digitais, das lojas virtuais, dos tablets e da pirataria, aqueles clientes que insistem em cultivar o suporte impresso exigem mais qualidade e serviços. Eles esperam, sobretudo, o devido respeito.

A livraria do século XXI – ou pelo menos das primeiras décadas – precisa de vendedores com razoável conhecimento sobre as obras, autores e temas disponibilizados; precisa encomendar e entregar rapidamente os títulos demandados e ainda não adquiridos; a realidade requer que ela tenha um bom site, inclusive com opção de venda on-line, além de oferecer os lançamentos também em formato digital.

Até aqui, são qualificativos já presentes no mercado, assim como os cafés e os auditórios, que visam relacionamento mais estreito, resgatando algo daquele sentimento de convivência que existia na época dos livreiros.

Esta livraria, no entanto, precisará ir além, preparar-se para apontar caminhos, tornar a jornada desses amantes da leitura ainda mais rica. Sem precisar que o cliente solicite, o vendedor deverá gastar mais tempo com as pessoas, conversar sobre os escritores, suscitar interesse por outras obras ao autor, por títulos de referência naquele gênero, por edições com melhores apresentações, prefácios e notas, com trabalho gráfico mais esmerado etc.

Livraria que não poderá viver à margem da vida cultural da cidade, sem apoiar os eventos literários e escritores, sem fazer parcerias com as mídias especializadas e os órgãos públicos.

Livraria que terá como outro diferencial saber potencializar o diálogo da literatura com outras formas de expressão, dispondo de músicas, filmes, peças de artistas plásticos e tantos mais que girem em redor do universo dos livros.

Se as obras estiverem fora de catálogo, que os clientes tenham ali área de usados, com acervo competitivo, que sobreviva minimamente às comparações com os emergentes sebos virtuais. Que as lojas tenham setor estratégico, para compra de coleções e bibliotecas particulares, enriquecendo sua área de livros raros.           

Capitalismo e lógica de consumo de massas não podem ser desculpas. Os diversos ramos empresariais têm buscado conciliar mercado e sofisticação, desenvolvendo estruturas, tecnologias e pessoas para que melhor atendam às expectativas dos clientes. Por quais latas de água barrenta, então, seríamos menos exigentes com esse objeto-fetiche-transcendente, que, como dizia o querido Luiz Carlos Monteiro, é capaz de “provocar insônias e revoluções”?

De minha modesta parte, quero é que aquele antiquado e tosco vendedor de sabão (que se imagina dono de livraria) procure outro meio de sobrevivência! Pois o livro merece viver sem ele, e por bastante tempo.   

 

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