As Quartas Intenções – espaço da coluna Redor da Prosa dedicado a dicas de leitura e eventos – esta semana, chegam com o escritor Sidney Rocha, autor de Matriuska (2009) e O destino das metáforas (2011), entre outros. E, como sempre, ele não economizou franqueza ou bom gosto. Confiram:
De Profundis, de George Trakl, é viagem sem volta. Rainer Maria Rilke leu Trakl. Aprendeu pouco. Tivesse lido direito teria se tornado poeta melhor. Por aqui, pouca gente leu Trakl. Só isto explica o concretismo ter prosperado no Brasil. Heidegger leu Trakl. E pirou. Trakl talvez possa ser comparado somente a Rimbaud (esse ninguém mais lê) ou Blake. Havia um bêbado em Juazeiro do Norte que recitava Blake. Mas, Georg Trakl, duvido alguém recitar sem caírem muitos raios sobre sua cabeça.
Mal comparando com a cantora bêbada, Winehouse, e não com A cantora careca, de Ionesco, ele também morreu aos 27. Overdose. Em 1914.
No Brasil, saiu pela Iluminuras, em 1994.
104 páginas de Delillo ou 856 páginas de Bolaño? Vivo berrando o nome de Don Delillo em culto de crente e em rodas de xangô. Porque os seus personagens fazem exatamente o que ele quer. Sem frescuras e sem transes de autores no mínimo românticos. Em Ponto ômega (2011), ele “desaparece” com personagens como bem entende e lida com o tempo bem melhor que Bolaño, o suficiente para deixar leitores de 2666 (2010), como eu, desorientados alguns até hoje. Para mim, a literatura contemporânea americana é uma das mais afiadas do momento, e não tem a ver com o 11 de setembro, essa xaropada nacionalista deles lá, nada disso. Nem ao fato de Cristhiano Aguiar está morando por aquelas bandas. Tem a ver com narrativa, no duro. Ali está o ômega. O ponto. Pra Delilllo.
Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa (1982), de Antônio Geraldo da Cunha. Não tem papo mais blasé do que um magote [mogote XIV, magot XIV, do basco mokoti] de subescritores vomitando aforismos [amforismo XV, aphorismo XVI, aphoristicós, do grego] tipo “eu lido com as palavras”, “viva le mote just”. Prefiro antes entender a história das palavras para contar minhas histórias um pouco melhor. Sabendo de onde vêm, talvez as respeitem mais. Melhor que muita ficção por aí, neste dicionário dá pra descobrir como a “Virgem Maria [virgê he Maria] tem três entrepretaçoões em tres lingoagêns. Em abraico enterpretase strella ou lumiador do mar. Em latim, mar amargosso, em lingoagem syria quer dizer senhora.” [1495 Vita Chisti f. 15].
Penso que o autor já morreu.
Longitude, de Dava Sobel . “Stamos em pleno mar... doudo no espaço” — Todo mundo hoje tem googlemaps e GPS. Quero você se virar no século 18, quando as grandes embarcações perdiam o rumo logo que se afastavam da terra e iam, às cegas, sem comida e doentes, parar, por exemplo, no Brasil. O maior desafio científico da humanidade era se ligar nos “mares nunca dantes navegados”. O dilema atormentou Galileu, Isaac Newton, Rutheford (de quem eu sentia saudades, porque só ouvira falar dele nas aulas de química), Kepler; só a nata da academia científica da época em meio a uma ciumeira improdutiva danada. Coisa antiga, claro. Se dependêssemos da academia, estaríamos em pleno mar ainda. Só viajamos de um lado pra outro, a maioria das vezes sem a menor necessidade, por conta de um simples relojoeiro, John Harrison, um homem sem pretensões, mas com uma tara terrível por precisão e pelo mundo prático. Sem ele, latitude e longitude seriam ainda palavras abstratas. E como Dava Sobel conta esta história merece prêmio que nenhum ficcionista de hoje ganharia.
O livro é de 1995 e Sobel ainda vive.