Tópicos | NOVAS VEREDAS

O banditismo retratado no romance Grande Sertão: Veredas se mantém com suas marcas históricas no norte mineiro e no oeste baiano: ostentação de poder de fogo, desafio à polícia e encenações espalhafatosas. Na madrugada do Dia de Reis, em 6 de janeiro, cinco homens fortemente armados explodiram o cofre de uma tonelada do Banco do Brasil que ficava dentro da agência dos Correios de Josenópolis, a 145 km de Montes Claros (MG). A notícia varou o sertão como prenúncio de mais um ano de supremacia de bandos armados.

No romance, Riobaldo descreve o jagunço como a "criatura paga para o crime, impondo o sofrer no quieto arruado dos outros, matando e roupilhando". Por hora, bandos atuais deixaram de lado sequestros, saques em comércios e assassinatos de mando para priorizar roubos a banco.

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Em 16 de dezembro, 15 homens com metralhadoras e fuzis chegaram em dois carros a São João do Paraíso do Norte (MG). Parte entrou com maçarico na agência da Caixa Econômica Federal para abrir o cofre. Outra parte foi para a frente do quartel da Polícia Militar, ali próximo, disparar, nas contas da própria guarnição, 130 tiros de fuzil. Depois, com o dinheiro já nos carros, eles jogaram pontas cortantes de aço num trecho de 15 quilômetros da estrada que liga a cidade a Taiobeiras, para furar pneus de quem ousasse persegui-los. No dia 3 do mesmo mês, cinco homens com metralhadoras, revólveres e bombas haviam explodido, em poucas horas, caixas eletrônicos de agências do Banco do Brasil em Francisco Sá e dos Correios em Caetité, também no norte de Minas.

A polícia ainda foi desafiada em Buritis (MG), onde na ficção Riobaldo tinha fazenda. Na madrugada de 11 de outubro, dez homens dispararam rajadas de tiros contra o quartel da Polícia Militar e explodiram caixas eletrônicos do Banco do Brasil e da Caixa. A ação durou 40 minutos. O bando fugiu no rumo de Brasília. "O pessoal das agências trabalha apreensivo", resume Nilton Silva Oliveira, dirigente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Montes Claros e Região.

Atuando em 72 cidades do norte mineiro, a entidade contabiliza 16 assaltos nos últimos seis meses. "As cidades são pequenas, têm quatro ou cinco policiais apenas, um efetivo pequeno para enfrentar grandes grupos armados que chegam e explodem tudo."

Escudo humano

Foi uma ação ousada que deixou em pânico a cidade baiana de Cocos, na divisa com Minas Gerais. Por volta das 11h30 de 10 de março de 2014, dez homens com fuzis entraram nas agências do Banco do Brasil e do Bradesco na praça principal de Cocos e anunciaram o assalto. Para sair dos bancos, eles montaram um escudo com bancários e correntistas e, na fuga, levaram quatro funcionários do Banco do Brasil e quatro clientes do Bradesco. Como no tempo de Antônio Dó, jagunço real descrito por Guimarães Rosa, os bandidos desfilaram pelas ruas disparando para o alto.

Nos meses seguintes, houve um debate acalorado na cidade sobre como impedir novos assaltos. Pressionada, a prefeitura tomou uma decisão drástica: fechou com correntes de ferro as ruas que circundam a praça principal no horário bancário. A medida, segundo a administração, é para evitar aproximação das agências de veículos de criminosos. O tráfego de carros-fortes para abastecer os bancos foi suspenso à noite e de madrugada e foram proibidos saques no caixa eletrônico a partir das 16 horas.

Comerciantes reclamam que a decisão afugentou clientes. "As medidas diminuíram ações de bandidos, mas o comércio acabou", afirma Edmar Miclos, dono de um pequeno hotel. "As pessoas chegam e não têm como tirar dinheiro. O sinal da máquina do cartão não costuma funcionar. Com isso, vai todo mundo fazer negócios e se hospedar em Guanambi, a 250 km daqui."

A Delegacia de Operações Especiais da Polícia Civil em Montes Claros é o principal centro de investigação dessas organizações criminosas. Pelo modo de agir, a polícia acredita que exista mais de um grupo atuando no norte mineiro. "No ano passado, houve um incremento bem grande desse tipo de crime na região", conta o delegado Herivelton Ruas Santana.

A expressão "novo cangaço", usada na região para definir quadrilhas de assalto a banco, refere-se ao modo de agir dos bandidos, adeptos de grandes ações em pequenas cidades, onde há número reduzido de policiais. Não há estimativa de valores, pois os bancos não informam às polícias as quantias levadas. "Os bandidos aproveitam a fragilidade do aparato. Em cidades maiores e capitais, há batalhões da Polícia Militar, departamentos da Polícia Civil. Eles têm atacado cidades com 20 mil, 10 mil habitantes."

Santana aponta como obstáculos ao combate do novo cangaço o baixo efetivo de policiais, a grande extensão do norte mineiro e as dificuldades de deslocamento. Como a região faz divisa com a Bahia, há ainda necessidade de intercâmbio com o Estado vizinho. "Apesar de haver uma interação, é sempre difícil fazer esse tipo de trabalho."

Urutu-Branco

No romance, o jagunço Riobaldo conta que ele e os companheiros haviam desafiado a "soldadesca" do governo e entrado e saído da Bahia cinco vezes "sem render as armas". Foi justamente nesse enfrentamento dos militares que ele foi ungido chefe do bando e rebatizado de Urutu-Branco pelo antigo chefe, Zé Bebelo, que deixou o comando após desgaste com jagunços. Urutu é o nome de uma das cobras mais venenosas do cerrado.

A ficha corrida de Riobaldo era longa. O jagunço que conquistou o mundo com seu linguajar poético e sua paixão por Diadorim esconde uma vida de crimes. Ele é autor confesso de alguns assassinatos e acusado de estar por trás de outros. A morte do inimigo Ricardão, que tinha sido rendido, ilustra seus momentos de frieza e violência.

O jornal O Estado de S. Paulo testemunhou o medo no Grande Sertão. Em Pirapora e Três Marias, a reportagem passou por revistas da polícia após denúncias de moradores preocupados com o veículo de São Paulo. Não trafegar à noite em estradas asfaltadas e evitar caminhos de terra mesmo de dia foram dicas dadas à reportagem. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

"Aí mire e veja: as Veredas Mortas... Ali eu tive limite certo." (PÁGINA 570)

Nas margens do Córrego do Batistério, na região de Pirapora (MG), Riobaldo reencontrou Diadorim, o menino que conheceu criança na beira do Rio São Francisco. É nessa região mineira que as veredas que deram nome ao romance desaparecem dia a dia.

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Oásis do cerrado, as veredas são áreas alagadas onde se destaca uma fileira de buritis. As palmeiras crescem no brejo, delimitando um caminho irregular de águas que pode chegar a 5 km, ora na forma de um grande lago, ora como um riacho estreito. Espaço da savana brasileira onde bichos e homens matam a sede, se alimentam e repousam nas longas travessias, elas têm tido suas águas represadas por produtores que estendem áreas de cultivo até bem próximo das margens de cursos d’água que desembocam no Paracatu, um dos afluentes do São Francisco. "Acabou a fresquinha da terra, a sombrinha. Tá secando tudo, acabando tudo", lamenta o mateiro Adailton da Silva Pamplona.

Aos 47 anos, ele leva o jornal O Estado de S. Paulo ao Veredão do Santo Antônio, uma área de quilômetros alagada naturalmente. Um fazendeiro fez uma barragem cortando a vereda ao meio. O caminho dos buritis se transformou em dois cemitérios distintos de palmeiras. Cursos d’água que alimentavam a vereda secaram. Adailton se assusta. "Não corria só isso de água. A vereda era funda. Veja: plantou eucalipto de cá e de lá, acabou", diz. "Fazendeiro botou veneno para matar formiga no eucalipto. Eu pergunto: o que o (tatu) bandeira come? Formiga. Cadê o bandeira? Comeu veneno, morreu. Cadê o tatu preto? Não tem mais."

Depois, Adailton nos guia até a Vereda do Retiro. Para chegar, é preciso passar por cercas de arame farpado, capoeirão fechado e mata. O nível de água também está bem baixo. No local, há tubos plásticos de irrigação. "Aqui era tudo água", lamenta.

Segundo Messias Israel Veloso da Silva, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Buritizeiro, grandes e pequenos proprietários desrespeitam as veredas. "Além da seca, tem o problema da falta de respeito da agricultura familiar, do agronegócio, do município, dos sindicatos. As veredas são a alma de uma região castigada." As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

"O de-Janeiro, dali abaixo meia-légua, entra no São Francisco, bem reto ele vai, formam uma esquadria. Quem carece, passa o de-Janeiro em canoa - ele é estreito, não estende de largura as trinta braças. Quem quer bandear a cômodo o São Francisco, também principia ali a viagem. O porto tem de ser naquele ponto, mais alto, onde não dá febre de maresia. A descida do barranco é indo por a-pique, melhoramento não se pode pôr, porque a cheia vem e tudo escavaca. O São Francisco represa o de-Janeiro, alto em grosso, às vezes já em suas primeiras águas de novembro." (Grande Sertão Veredas, páginas 90 e 91)

No romance Grande Sertão: Veredas, a segunda fase importante da vida do jagunço Riobaldo começa nas margens do Rio de Janeiro, afluente que deságua no São Francisco na altura do município de Três Marias. Ali ele chegou criança, com a mãe. Foi na Barra do Rio de Janeiro que conheceu Diadorim. Lá o jagunço também atravessou pela primeira vez o São Francisco, maior curso de água do Grande Sertão.

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Muita coisa mudou desde a publicação do livro. Entre as cidades mineiras de Pirapora e Buritizeiro, o São Francisco ficou mais estreito e ganhou ilhas e áreas cobertas de vegetação. A água ficou mais turva. Mas não só ele se transformou. No distrito de Guaicuí da vizinha Várzea da Palma, deságua assoreado o Rio das Velhas, que carrega a história da mineração da Vila Rica. Antes de cair sujo no São Francisco, o das Velhas recebe as águas do Córrego do Batistério, mais um entre tantos pequenos cursos quase secos, atingidos pela irrigação irregular e pelo desmatamento em suas margens.

Três Marias, antiga Barreiro Grande, cresceu com o represamento das águas do São Francisco, para gerar energia elétrica. De lá até a Barra do Rio de Janeiro são 55 km de estrada de chão. No caminho, há um cheiro quase insuportável de uma barragem de dejetos de uma unidade metalúrgica da Votorantim Metais. Grupos de geraizeiros acusam a empresa de ter jogado rejeitos industriais diretamente no São Francisco durante anos. Também dizem que a barragem, construída para interromper a contaminação, não impede a infiltração do lençol freático. Por meio de sua assessoria, a empresa disse que "possui um sistema de gestão de barragens para garantir a segurança da sua operação" e "a unidade de Três Marias possui todos os licenciamentos necessários para sua operação". "Todos os efluentes gerados pela unidade são monitorados e atendem os parâmetros legais, com relatórios enviados periodicamente ao órgão ambiental responsável."

Uma floresta de eucaliptos margeia os dois lados da estrada, que termina na antiga sede de uma fazenda, à beira de um curso de água calma e parada. É o Rio de Janeiro. Até chegar ao ponto onde ele se encontra com o São Francisco, é preciso andar a pé por cerca de 1 km de capoeira e mata ciliar, habitado por corujas, seriemas e gaviões-do-cerrado. Após cruzar um cipoal e um bambuzal na margem do Rio de Janeiro, ouve-se o barulho de um rio de correnteza. O São Francisco demonstra bem mais força. Ali, como Guimarães Rosa descreve no romance, o São Francisco entra no de Janeiro e o represa.

Riobaldo é convencido por Diadorim a atravessar o São Francisco numa canoa. "Tive medo. Sabe? Tudo foi isso: tive medo! Enxerguei os confins do rio, do outro lado. Longe, longe, com que prazo se ir até lá? Medo e vergonha", relembrou. Nisso, Diadorim lhe diz: "Carece de ter coragem...". Riobaldo, então, confessa que não sabia nadar. "O menino sorriu bonito. Afiançou: 'Eu também não sei.' Sereno, sereno. Eu vi o rio. Via os olhos dele, produziam uma luz."

Na outra margem do Rio de Janeiro, homens pescam em canoas. Com certa insistência e após mostrarmos que não somos gente do mal - em todo o Grande Sertão, as pessoas são desconfiadas, têm histórias ruins de bandidos que fogem da lei -, um deles nos leva até o outro lado. O canoeiro não liga o motor, pois explica que o nível do rio, o mesmo de-Janeiro que causava temor em Riobaldo, está muito baixo, a ponto de se poder atravessá-lo a pé.

Gilmar de Fátima Ferreira, de 48 anos, conta que nasceu e foi criado nas margens do afluente do São Francisco. Aos 19 anos, foi para Três Marias em busca de emprego. Trabalhou 26 anos na caldeira da Votorantim. Aposentado, passa boa parte do tempo numa casa simples à beira do rio.

"No meu tempo de criança, a água no período das chuvas chegava até o alto desse barranco (cerca de 2 metros). Mas houve muito desmatamento nas margens. As pessoas não respeitavam. Tinha embarcação que subia o rio para vender alimentos, carne-seca e enlatados, o que não fosse perecível", lembra. "O dourado gosta de água de correnteza, do São Francisco. Ele entrava no Rio de Janeiro, dava uma volta, mas gostava mesmo de água forte."

Gilmar associa a redução drástica de água do São Francisco não apenas à seca, mas ao desmatamento. "Houve assoreamento de boa parte do rio. Muitos cortaram a mata até a margem do São Francisco", relata Gilmar. "Nunca vi o São Francisco e o de Janeiro tão secos. Isso entristece a gente."

Usina

Desde o início da seca, em 2014, ribeirinhos criticam a Usina Hidrelétrica de Três Marias de represar água em excesso. Construída nos anos 1960, a usina é operada pela Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). A hidrelétrica tem capacidade de geração de 396 megawatts de energia. Hoje, porém, com a redução do nível da água, só produz 24 megawatts. O nível do reservatório é de 27%.

"É natural que a população ache que a Cemig prioriza o uso de água para energia", afirma Ivan Sérgio Carneiro, engenheiro de Planejamento Energético da empresa. "Desde 2014, estamos vivendo anos de déficit hídrico, com 65% do volume de chuva abaixo do esperado. Este início de 2017 é o pior janeiro registrado nos últimos 80 anos." Ivan conta que a usina represa 340 m³ de água por segundo e libera de volta para o rio 80 m³. Antes da estiagem, a liberação chegava a 200 m³.

O engenheiro ressalta que o represamento e a liberação de água para o trecho a jusante do rio são decididos agora por um fórum que reúne Agência Nacional de Águas, Ministério Público, empresas e governos estaduais. Pelo Código da Água, o consumo humano tem prioridade em relação à geração de energia. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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