Tópicos | Operação Sofisma

Suspensa pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, a Operação Sofisma, da Polícia Federal, investigou movimentações financeiras atribuídas a dirigentes e ex-dirigentes da Fundação Getulio Vargas e seus familiares que somam R$ 487 milhões. Deste total, quebras de sigilo identificaram pelo menos R$ 36 milhões enviados ao exterior, o que, segundo a PF, envolve o uso de contas em paraísos fiscais. Os investigados foram alvo de suspeitas de lavagem de dinheiro. Dados da investigação obtidos pelo Estadão citam o caminho do dinheiro público de contratos com a FGV e sua destinação a empresas supostamente de fachada atribuídas a tais executivos.

Os citados na apuração afirmam que a Sofisma está repleta de irregularidades formais e se dizem vítima de perseguição dos órgãos de investigação. Eles alegam que o inquérito foi conduzido por juízo incompetente para analisá-lo. Também ressaltam que a delação do ex-governador Sérgio Cabral (MDB), que abastece a investigação, foi rechaçada pelo STF.

##RECOMENDA##

Segundo as investigações, os valores têm como origem contratos da FGV com entes públicos, para privatizações, obras de infraestrutura e construção de prédios estatais. Parte das investigações toma como base a delação de Cabral, que afirmou à PF que contratava a FGV propositalmente com o fim de dar pareceres a favor da legalidade de contratações que, de acordo com o emedebista, eram fraudadas para atender a seus próprios interesses. Em troca destes pareceres, diretores da entidade recebiam uma parte da propina das empresas contratadas, que, segundo Cabral, também faziam repasses ao seu grupo político.

Os pagamentos aos diretores, de acordo com a PF, foram feitos diretamente pelas empresas contratadas a empresas de consultoria dos diretores da FGV. E, também, pela própria instituição de ensino a estas empresas de consultoria de seus dirigentes. Os investigadores suspeitam que remessas para o exterior e o uso de pessoas jurídicas em nome de parentes eram uma forma de lavagem de dinheiro.

Em um dos casos apurados, a FGV foi contratada como consultora do governo do Rio, na gestão Cabral, para auxiliar no processo de venda do Banco do Estado do Rio. Em outro episódio apurado, a FGV foi contratada para auxiliar um fundo da Caixa Econômica Federal criado para investir na construção de uma nova sede da Companhia de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro. Em outra consultoria que foi investigada, a FGV prestou serviços ao governo do Rio no âmbito do contrato da Linha 4 do Metrô.

De acordo com a PF, o caso que envolve valores mais expressivos no exterior diz respeito ao ex-vice-presidente da FGV, Sérgio Franklin Quintella. Ao ex-dirigente, a PF atribui um saldo de R$ 34 milhões nas ilhas de São Vicente e Granadinas, no Caribe. Os investigadores encontraram transações de R$ 756 mil de uma consultoria contratada pela FGV Projetos à época em que a instituição prestou serviços para o governo Sérgio Cabral (MDB) para auxiliar na privatização do Banco do Estado do Rio.

Atual diretor executivo da FGV Projetos, Luiz Carlos Guimarães Duque vinha sendo investigado por receber R$ 5,6 milhões entre 2011 e 2016. A suspeita é que Duque utilizava empresas de fachada para recolher recursos pagos pelo consórcio contratado para construir a nova sede da Companhia de Águas e Esgoto do Rio de Janeiro.

A FGV foi contratada na condição de consultora de um fundo da Caixa Econômica Federal que fez aportes na obra, com o fim de assessorar na seleção da empresa que seria escolhida para o empreendimento. De acordo com a PF, as empresas que receberam a quantia milionária do consórcio não possuem funcionários e estão em nome dos filhos de Duque.

Segundo a decisão judicial que deflagrou a operação, Duque teria "íntima relação" com um dos responsáveis pelo consórcio selecionado pela FGV para a construção do prédio da Cedae. Este empresário, segundo a delação de Carlos Miranda, ex-braço-direito de Cabral, teria feito pagamento de propinas ao ex-governador em função desta obra.

Diretor da FGV Projetos entre 2003 e 2019, Caio Cesar Cunha Campos foi delatado por Cabral como um dos principais interlocutores entre a FGV e a "organização criminosa" de seu governo. Segundo as quebras de sigilo, sua empresa de consultoria, a Pacto, recebeu R$ 23 milhões da instituição - ele teria, conforme a PF, remetido ao menos R$ 233 mil para o exterior.

STJ

Cunha Campos está entre os investigados que fazem questão de cultivar uma relação próxima com a magistratura e as Cortes Superiores. Em uma troca de e-mails cujo assunto é "STJ", datada de junho de 2011, o então chefe da Casa Civil do Rio, Régis Fitchner, enviou mensagem em que pedia expressamente a Campos: "É possível a FGV fazer uma carta ao ministro da Justiça de apoio ao Marco Aurélio Belizze para a vaga do STJ? Se for possível, teríamos que fazer isso hoje".

A resposta só viria mais de 30 dias depois, quando Cunha Campos respondeu que não havia lido o e-mail: "Depois da nossa conversa em particular no seu gabinete, liguei para o ministro Gilmar e para o próprio Elton para que dessem o apoio que o Rio precisava. Na ocasião falei com o Sérgio Quintella para conversar com o senador Dornelles. Espero que essas ações tenham de alguma forma contribuído, ou que pelo menos não atrapalharam".

Segundo apurou o Estadão junto a pessoas que acompanharam essa nomeação, Fitchner era cunhado de Belizze e atuava contra o interesse da então primeira-dama Adriana Ancelmo, esposa de Cabral, que agia para indicar um de seus sócios ao STJ na vaga que acabou ficando com o ministro. Após a Operação Lava Jato, Belizze fez questão de se distanciar de Fitchner em razão de seu envolvimento nos esquemas de corrupção.

Outro investigado que circula com frequência entre magistrados é Sidney Gonzalez. Diretor da FGV Conhecimento, foi responsável por acordos de cooperação entre a instituição e associações de magistrados e com tribunais e constantemente marca presença em congressos com ministros e desembargadores fora do País. Uma de suas empresas investigadas fica em Portugal. A companhia é controlada por uma empresa no Brasil que, segundo a PF, movimentou R$ 3,5 milhões em três anos. De acordo com os investigadores, a empresa está sob suspeita de lavagem de dinheiro. Ao longo de 14 anos, até 2019, Sidnei havia recebido R$ 20 milhões da FGV. Ele também foi investigado por envolvimento com supostos crimes na venda do Banco do Estado do Rio de janeiro.

Suspensão

Na última sexta-feira, a Operação Sofisma foi suspensa pelo ministro Gilmar Mendes, que questionou a competência da Justiça Federal do Rio para deflagrá-la. Em sua decisão, o ministro afirmou que magistrados e procuradores do Rio têm descumprido precedentes do STF ao continuar a conduzir estas investigações e enviou o caso aos conselhos nacionais de Justiça e do Ministério Público. No dia seguinte, o ministro determinou que bens apreendidos pelos investigados, como celulares e notebooks, fossem imediatamente devolvidos. No despacho, chegou a mencionar punições para agentes que descumprem ordens de habeas corpus, que vão de multa até a prisão destas autoridades.

O advogado Ary Bergher, que defende Luiz Carlos Guimarães Duque e dois diretores da FGV, alega que a Operação Sofisma "é um dos capítulos mais nefastos do lavajatismo". "O STF decidiu que todas as provas produzidas são ilícitas". "São provas criminosas , que ensejam medidas imediatas, penais, cíveis e administrativas contra os responsáveis por fatos gravíssimos organizados contra o Estado Democrático de Direito!", disse.

Luiz Duque afirma que nunca esteve com Carlos Miranda e "em nenhum documento que ele tenha lido, seja do Ministério Público do Rio, do Ministério Público Federal, seja da Polícia Federal, consta que ele tenha sido responsável por pagar propina ao núcleo político do governador".

A FGV afirmou que o "STF revogou todas as medidas judiciais que geraram a operação realizada nas dependências da FGV, por considerar dotadas de "graves ilegalidades", perpetradas contra uma "entidade internacionalmente conhecida que há muito contribui para o desenvolvimento da pesquisa no Brasil"".

"Diante disso, todas as ilações baseadas em fatos obtidos dentro do cenário de ilegalidade declarado pelo Supremo Tribunal Federal e que transitam em segredo de justiça, não têm qualquer sustentação, só servindo para agravar, ainda mais, o prejuízo já causado à Fundação Getulio Vargas, em grave afronta ao estado democrático de direito e com violação, inclusive, de projetos que envolvem temas militares de segurança nacional desenvolvidos por esta "relevante instituição de financiamento e estímulo à pesquisa", conforme o próprio STF reconheceu em sua decisão", afirma a instituição de ensino.

Procurados, Sidnei Gonzalez e os ministros Gilmar Mendes e Marco Belizze também não se pronunciaram. Sérgio Quintella e Caio Cesar Campos não foram localizados.

A Polícia Federal (PF) foi às ruas na quinta-feira, 17, em busca de provas sobre um suposto esquema de fraudes em pareceres produzidos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para justificar contratação de obras na gestão do então governador do Rio Sérgio Cabral. Ao autorizar Operação Sofisma, o juiz Vitor Barbosa Valpuesta, substituto na 3ª Vara Federal Criminal do Rio, disse ver "concreta probabilidade" de as autoridades estarem diante de uma organização criminosa montada para desviar dinheiro público por meio do direcionamento de contratos. "Os indícios de práticas criminosas já detectados persistem", escreveu.

A decisão que deu sinal verde para a PF preparar a operação é de agosto. Além de buscas em 30 endereços comerciais e residenciais, o juiz também autorizou o sequestro de bens de 14 investigados. O limite confiscado varia de R$ 216,6 mil a R$ 100 milhões.

##RECOMENDA##

A investigação do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) afirma que os pareceres produzidos pela FGV-Projetos eram encomendados pelo grupo político de Sérgio Cabral para justificar contratações sem licitação, que seriam direcionadas em troca do pagamento de propinas.

O grupo investigado foi dividido pelos procuradores em quatro núcleos: econômico, formado por executivos de empreiteiras; administrativo, composto por gestores públicos como o ex-secretário estadual de Governo Wilson Carlos e o ex-subsecretário de Obras Hudson Braga; financeiro-operacional, apontado como responsável por lavar o dinheiro desviado; político, supostamente liderado por Cabral e outros membros do falecido PMDB no Rio.

Em sua delação, o ex-governador acusou a FGV-Projetos de "explorar" a reputação da Fundação Getúlio Vargas para "vender" projetos que atendessem aos "desejos" dos clientes. Ele disse que usou o serviço nas obras da Linha 4 do Metrô e da Companhia Estadual de Água e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae).

A pedido da FGV, a investigação foi suspensa na sexta-feira, 19, pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que questionou a competência da Justiça Federal do Rio de Janeiro para processar e julgar o caso. Ele também mandou notificar as Corregedorias do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por "reiterado descumprimento de decisões" do STF sobre a competência da Operação Lava Jato do Rio por parte de procuradores e de juízes.

Na quinta-feira, 17, quando a Polícia Federal colocou nas ruas a Operação Sofisma, a Fundação Getúlio Vargas emitiu nota em que afirma ser alvo de "perseguição". Leia a íntegra das alegações:

"A Fundação Getúlio Vargas foi surpreendida na manhã dessa 5ª feira, 17/11/2022, com o cumprimento de mandados de busca e apreensão em suas dependências do Rio de Janeiro e de São Paulo, por força de decisão do Juiz Substituto da 3ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Vitor Barbosa Valpuesta. Tal decisão acolhe pedido do Ministério Público Federal formulado em face de alegadas irregularidades em contratos firmados pela instituição, com base em depoimentos do ex-governador Sérgio Cabral, não obstante a sua delação ter sido anulada pelo Supremo Tribunal Federal.

Desde 2019 a FGV, assim como seus dirigentes, vêm sendo alvo de perseguição e vítimas de imputações quanto a supostos fatos de até 15 anos atrás, que redundaram no ajuizamento de uma Ação Civil Pública que teve sua inicial indeferida e, rigorosamente, versou sobre todos os temas agora utilizados para deferimento da medida de busca e apreensão.

Como se não bastasse, a FGV firmou Termo de Ajustamento com o Ministério Público do Rio de Janeiro, que foi homologado judicialmente e vem sendo regiamente cumprido, motivo, inclusive, de elogiosas manifestações por parte dos órgãos de fiscalização.

Causa, pois, estranheza e profunda indignação a reiteração, na esfera federal, de temas já sepultados perante a justiça estadual que, agora requentados, maculam gravemente a imagem de uma entidade que, há mais de 70 anos, tanto contribui para o desenvolvimento do Brasil, que, atualmente, é a 3ª mais respeitada instituição do mundo, em sua área de atuação.

A FGV reitera sua confiança nos poderes constituídos, em particular no Poder Judiciário brasileiro, e adotará todas as medidas cabíveis para defesa de sua história, que a tornou motivo de orgulho para o setor produtivo brasileiro, de sua imagem e da honradez com a qual, desde 1944, atua ao lado das principais instituições do País."

A Polícia Federal cumpre, na manhã desta quinta-feira (17), 29 mandados de busca e apreensão no Rio e em São Paulo no bojo de uma investigação que mira suposta organização criminosa que "se utilizava de instituição de ensino e pesquisa de renome nacional", no caso, a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Batizada Sofisma, a ofensiva apura um esquema de corrupção, fraudes a licitações, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

De acordo com a PF, o nome da Operação faz "alusão à figura grega dos Sofistas". "Filósofos que, através da argumentação, transvestiam de veracidade informações que sabiam ser falsas, com a intenção de manipular a população", afirmou a corporação.

##RECOMENDA##

A etapa ostensiva do inquérito foi aberta pelo juízo da 3ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro, que ainda deferiu ordens de sequestro e cautelares restritivas.

Cerca de cem policiais participam das diligências, cumprindo 26 mandados na capital fluminense e três na capital paulista.

Segundo a Polícia Federal, as investigações tiveram início em 2019, após informações de que a FGV "era utilizada por órgãos federais e por vários outros órgãos estaduais para fabricar pareceres". Os investigadores apontam que tais documentos "mascaravam o desvio de finalidade de diversos contratos que resultaram em pagamento de propinas" - "funcionando como um verdadeiro 'biombo legal'".

"Apurou-se que a entidade superfaturava contratos realizados por dispensa de licitação e era utilizada para fraudar processos licitatórios, encobrindo a contratação direta ilícita de empresas indicadas por agentes públicos, de empresas de fachada criadas por seus executivos e fornecendo, mediante pagamento de propina, vantagem a empresas que concorriam em licitações coordenadas por ela", afirmou a PF em nota.

A corporação informou ainda que, para 'lavar' o dinheiro, executivos sob suspeita não só usavam empresas de fachada nacionais como titularizavam offshores em paraísos fiscais como Suíça, Ilhas Virgens e Bahamas, o que indica possíveis evasão de divisas e ilícitos fiscais.

COM A PALAVRA, A FGV

A reportagem entrou em contato com a instituição. O espaço está aberto para manifestações.

Leianas redes sociaisAcompanhe-nos!

Facebook

Carregando