Você sabe o que é o Marco Civil da Internet? O projeto de lei, aprovado na última terça-feira (25) na Câmara dos Deputados, visa determinar os direitos e deveres dos brasileiros conectados, além dos governos, empresas de tecnologia e teleoperadoras. Nascido da internet, por iniciativa de seus usuários, a proposta ganhou força dentro do seu próprio meio e é considerada a primeira Constituição da rede mundial de computadores no Brasil.
Na prática, o texto afirma, na íntegra, que "o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania". Desta forma, o projeto quer garantir que as atividades do internauta brasileiro não serão violadas, exceto em casos judiciais, e que a conexão contrata pelas operadoras será oferecida na prática, ou seja, fica proibido descriminar os clientes de pelo seu tipo de uso da rede.
##RECOMENDA##Este último tópico, a neutralidade, é um dos pilares da proposta e decreta que nenhuma empresa poderá criar “pedágios” para algum tipo de conteúdo com qualquer tipo de interesse financeiro. Exceções à neutralidade deverão ser reguladas apenas com decreto da Presidência da República, após consulta a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e ao Comitê Gestor da Internet (CGI.br).
No entanto, o Marco Civil, da forma que seguiu para o Senado, é diferente do projeto redigido em 2009. Suas alterações dividiram a opinião dos especialistas. Entenda o que mudou a respeito da lei aprovada pelos deputados federais.
E, apesar de ter sido criado para garantir os direitos dos usuários da internet no Brasil, muitos ainda não sabem exatamente do que se trata o projeto. O LeiaJá foi às ruas e constatou que as certezas sobre a proposta ainda são poucas. Confira abaixo:
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Caminho à aprovação
Durante o trâmite na Câmara dos Deputados, foi retirado da proposta o artigo que obrigava as grandes empresas de tecnologia a possuírem data centers no Brasil. De acordo com a advogada especializada em Direito Eletrônico, Camilla do Vale Jimene, do escritório Opice Blum Advogados Associados, este é um ponto a ser comemorado.
“A retirada desse ponto foi absolutamente positiva, pois poderia gerar um impacto econômico altíssimo, com a possível debandada das empresas estrangeiras que atualmente prestam serviços no Brasil. Além dos impactos diretos para o cidadão brasileiro, já que as empresas poderiam optar em deixar de oferecer os seus serviços para nós”, explica a especialista.
Já sobre a guarda de dados, o cientista chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar), Silvio Meira, em seu blog “Dia a dia, bit a bit”, avaliou que este é um ponto de partida para a criação de um “Big Brother” oficial.
“Do jeito que está, parece que estamos criando algo muito parecido com o que Snowden denunciou nos Estados Unidos: a capacidade de identificar o comportamento digital de todo e qualquer indivíduo, a partir de demandas do estado, com dados capturados a priori da investigação se iniciar. Se isso não é parecido com o que a NSA faz nos EUA, não sei o que seria”, opina em seu blog.
Por outro lado, para garantir a soberania da legislação brasileira, o Art. 11 do Marco Civil previu que em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão em que pelo pelos um desses atos ocorram em território nacional, deverá ser respeitada legislação do Brasil.
Em contraponto, da forma como está, o Marco Civil está estipulando um período de tempo de guarda menor do que a jurisprudência já havia pacificado, ressalta a advogada Camilla do Vale Jimene. Ela explica que o Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n.º 1398985, decidiu que tais informações devem ser preservadas por três anos, em razão de o referido período ser o prazo prescricional para as ações de reparação civil.
Entretanto, o Marco Civil dispõe que a obrigação do provedor de conexão em manter os registros de conexão, sob sigilo, seria apenas pelo prazo de um ano. Já sobre a obrigação do provedor de aplicações de internet em preservar os respectivos registros de acesso, o prazo seria apenas de seis meses.
“A referida obrigação é apenas para as pessoas jurídicas que exerçam de forma organizada, profissionalmente e com fins econômicos. Tal mudança pode gerar a impossibilidade de investigações de crimes cibernéticos quando forem utilizadas aplicações de internet sem fins econômicos ou criadas por particulares” pontua.
Sobre as mudanças do Marco Civil, o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do projeto de lei, afirmou que a aprovação para o Senado surgiu baseada nos fatores diálogo, bom senso e forte apoio da sociedade civil. Para ele, a proposta é sinônimo de “avanços, conquistas e garantias para os usuários”, afirmou através do Twitter.
Outras questões
Usuários são responsáveis pelo conteúdo
A teleoperadora que fornece o serviço de internet nunca poderá ser responsabilizada pelo conteúdo postado por seus clientes. Já as redes sociais, blogs e vídeos, por exemplo, correm o risco de serem declaradas culpadas, caso não tirem o material do ar depois de avisado judicialmente.
Governo terá que reforçar a inclusão
Segundo o texto, os governos serão obrigados a estimular a expansão e o uso da rede, ensinando as pessoas a usarem a tecnologia para “reduzir as desigualdades” e “fomentar a produção e circulação de conteúdo nacional”.
Acesse o projeto
Se o Senado aprovar o texto e a presidência o sancionar, o Brasil será o 4º País a ter uma lei específica sobre neutralidade de rede para a internet, precedido por Eslovênia, Holanda e Chile. O projeto de lei é disponibilizado, na íntegra, no site da Câmara dos Deputados. Para ter acesso ao material, basta clicar neste link.