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O Supremo Tribunal Federal (STF) impôs nesta quinta-feira, 28, nova derrota para o governo Jair Bolsonaro na área ambiental. Num julgamento iniciado no dia 7 e concluído nesta quinta-feira, 28, a Corte revogou três decretos que restringiram a participação popular e de governadores em órgãos ambientais federais. Na mesma sessão, os ministros ainda proibiram, por 10 votos a zero, a concessão automática de licenças ambientais a empresas que representam risco médio ao meio ambiente.

A decisão foi tomada durante o julgamento da chamada "pauta verde" da Corte, que analisa atos omissivos e irregulares do governo na área ambiental. A votação alterou regra prevista em Medida Provisória (MP) editada no final do ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL).

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O caso foi analisado no julgamento de ação apresentada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) pela derrubada da MP. A sigla questionou a alteração feita pelo governo na Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim), que desburocratiza a emissão de autorizações, mas passou a conceder automaticamente alvarás de funcionamento e licenças para empresas enquadradas em atividade de grau de risco médio, sem que fosse realizada qualquer análise humana.

O PSB ainda acusou o governo de impossibilitar os órgãos de licenciamento de pedirem informações adicionais às empresas para checar a regularidade do trâmite. A ministra-relatora, Cármen Lúcia, votou parcialmente a favor do pedido apresentado pelo partido.

A magistrada derrubou apenas a concessão automática de licenciamentos ambientais e obrigou as demandas nessa área a serem submetidas aos procedimentos e previsões específicas da legislação que trata da preservação do meio ambiente. Ela foi acompanhada pelos demais ministros, com exceção de Dias Toffoli, que não participou do julgamento.

"Essa simplificação para emissão do alvará de funcionamento e de licenças de empresa nos casos em que o grau de risco da atividade seja considerado médio, a meu ver, no caso específico, reitero ainda uma vez, ofende as normas constitucionais de proteção ao meio ambiente, em especial o princípio da precaução ambiental", disse a ministra.

A decisão do Supremo foi contra os posicionamentos da Procuradoria-Geral da República (PGR), da Advocacia-Geral da União (AGU) e do Senado, que pediram a recusa integral da ação apresentada pelo PSB. No julgamento, o advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, argumentou que a concessão automática de alvarás e licenças "não afasta, em hipótese alguma, a legislação ambiental ou qualquer outra pertinente que se faça necessária para a concessão" de autorizações de funcionamento.

"Não obstante a concessão mais célere, isso não retira a obrigação do empresário de comprovar antes do início das atividades empresariais, o cumprimento de toda legislação, seja ela sanitária, seja ela ambiental, ou mesmo de prevenção a incêndio", afirmou. "A rede é um sistema integrado. Quando o sistema ou órgãos da rede têm acesso à documentação, a legislação diz que ela não será exigida novamente. Isso é quase uma decorrência lógica no respeito aos cidadãos, especialmente aqueles que querem empreender no Brasil", destacou em outro momento.

Para o ministro Alexandre de Moraes, as autorizações concedidas automaticamente não representavam desburocratização, mas sim risco ao ambiente: "Isso não é propriamente desburocratizar, é colocar em risco toda a questão ambiental. Não é possível compatibilizar essa automaticidade na obtenção de uma licença ambiental com a proteção do meio ambiente. Não podemos comprometer dessa forma a questão ambiental, porque depois não há retorno", afirmou.

Já os decretos derrubados restringiam a participação popular e de governadores no Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), no Conselho Nacional da Amazônia Legal e no comitê orientador do Fundo Amazônia, mecanismo que recebia doações de outros países, como Alemanha e Noruega para iniciativas de preservação da floresta.

Ao longo do julgamento, a ministra Cármen Lúcia também cobrou apuração do estupro e assassinato de menina ianomami de 12 anos por garimpeiros em Roraima. Outra criança, de três anos, foi jogada no rio e está desaparecida.

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu reservar toda a pauta de julgamentos do próximo dia 30 para ações sobre temas ambientais. O foco serão processos que debatem a proteção da Amazônia e o enfrentamento das mudanças climáticas.

A iniciativa ocorre em meio à reação da classe artística contra o pacote de projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional para flexibilizar regras de licenciamento ambiental, garimpo, regularização fundiária e uso agrotóxicos e ainda dificultar a demarcação de terras indígenas.

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Atores, cantores e líderes de organizações da sociedade civil estiveram em Brasília na semana passada para protestar contra o enfraquecimento da legislação ambiental. Os ministros Luis Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski chegaram a receber alguns artistas no Supremo Tribunal Federal.

O Estadão apurou que a iniciativa é liderada pelas ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, com apoio do presidente do Supremo, Luiz Fux.

Entidades que tralham na defesa do meio ambiente veem a escolha da pauta como um recado do tribunal a demandas da sociedade contra o desmantelamento da política ambiental no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).

Outra avaliação das associações ambientais é que, com a pauta 'fechada' no tema, a pressão para os ministros se posicionarem aumenta.

Ao todo, foram escalados sete processos para julgamento. O primeiro deles exige a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Segundo a coalização de entidades que concebeu a ação, ao estimular desmates e queimadas, o governo na prática ignora as diretrizes previstas no PPCDAm.

Outro tema na pauta é a reativação do Fundo Amazônia, composto por doações bilionárias da Noruega e da Alemanha, que amarga a paralisação desde que o governo Bolsonaro se insurgiu contra o destino dos recursos repassados. Um dos principais efeitos colaterais do abandono do fundo tem sido o enfraquecimento das ações de fiscalização do Ibama, que era um dos principais beneficiários dos recursos.

Conheça todas as ações pautadas:

- ADPF 760 - cobra a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm);

- ADPF 735 - contesta a Operação Verde Brasil 2 e o uso das Forças Armadas em ações contra delitos ambientais;

- ADPF 651 - contra o decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA);

- ADO 54 - acusa omissão do governo federal no combate ao desmatamento;

- ADO 59 - pede a reativação do Fundo Amazônia;

- ADI 6148 - sugere a retomada da resolução 491/2018, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que dispõe sobre padrões de qualidade do ar;

- ADI 6808 - contesta a Medida Provisória que prevê concessão automática de licença ambiental para empresas de grau de risco médio e impede órgãos de licenciamento de solicitarem informações adicionais àquelas informadas pelo solicitante no sistema da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

O Estadão conversou com o advogado Maurício Guetta, do Instituto Socioambiental (ISA), para quem a sessão de julgamentos do dia 30 é 'histórica'.

"O primeiro aspecto de ineditismo é que será a primeira vez que o Supremo julgará ações de natureza climática diretamente. Isso vem acontecendo em alguns tribunais ao redor do mundo. Agora parece ter chegado a vez do Brasil", explica.

Na avaliação do especialista, as decisões do STF serão fundamentais para definir como o Brasil deverá se comportar em relação a tratados internacionais de defesa ambiental.

"A sessão vai tratar sobre o futuro da proteção da Amazônia e do meio ambiente e, especialmente, de como o Brasil vai se colocar internamente em relação aos acordos internacionais de mudança do clima. De fato, pode ser uma ponte para o futuro do Brasil em termos de tratamento do meio enquanto patrimônio nacional e bem coletivo", sintetiza.

O advogado avalia que as entidades da sociedade civil têm assumido o protagonismo no debate jurídico sobre as questões ambientais para suprir uma 'inércia' da Procuradoria-Geral da República (PGR). Das sete ações pautadas, apenas uma foi proposta pela PGR.

"Algumas dessas ações, nós da sociedade civil que impulsionamos, lideramos e articulamos, inclusive diante da ausência do procurador-geral da República. Historicamente a PGR era quem endereçava esse tipo de ação junto ao Supremo", afirma.

Guetta vê a 'pauta verde' do STF como uma 'resposta a demandas sociais'.

"Nos últimos dois anos, cresceu muito o número de ações judiciais pretendendo a proteção do meio ambiente e o enfrentamento das mudanças climáticas. E também há uma crescente pressão da sociedade, diante desse cenário de destruição ambiental, sobre o Supremo, por entender que o STF é a instância mais capacitada para reverter esse cenário", avalia.

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